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Escorço histórico da legislação brasileira de proteção à maternidade

CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SALÁRIO-MATERNIDADE E AS

3.1. Escorço histórico da legislação brasileira de proteção à maternidade

O alcance dos direitos trabalhista e previdenciário da mulher foi de primacial importância, uma vez que ela conseguiu ocupar seu espaço no meio social, merecendo proteção do Poder Público nas mais diversas vertentes: trabalho, maternidade, situação socioeconômica.

A proteção social dispensada pelo Estado à trabalhadora gestante, bem como os mecanismos criados no decorrer da história responsáveis pelas conquistas na esfera da Seguridade Social.

Dessa forma, “a afirmação dos direitos da mulher constitui uma necessidade social. Necessidade social não só para as mulheres, que se beneficiarão com isso, mas também para toda a sociedade, que sofre de uma lacuna”114 nesse setor.

A conquista maior está relacionada ao espaço que vem ocupando no mercado de trabalho. Ao exercer uma atividade laborativa, sentindo-se, com isso, útil, a mulher se dignifica e é respeitada: como trabalhadora, como mulher, como mãe.

Podemos dizer, portanto, que foi por intermédio do trabalho que a mulher alcançou muitos direitos, entre eles, o da proteção social à maternidade.

Por se tratar de situação delicada, em razão das mudanças físicas e psicológicas que corpo e mente passam, esse estado requer cuidados especiais e, por isso, mister que se estabeleça uma cobertura digna. O salário-maternidade foi o resultado dessa preocupação estatal de dar proteção à maternidade, encarregando- se de erigir tal direito a patamar constitucional.

O Estado, deixando para trás o cunho liberal115 que lhe era peculiar, passou a intervir na ordem econômica e social, assumindo uma fisionomia social, que deu ensejo ao surgimento do Estado-Providência116.

A Constituição de 1891 nada disciplinou acerca da proteção à maternidade, mas em 3 de setembro de 1926 incorporou-se uma emenda à referida Carta Constitucional que autorizou o Congresso Nacional a legislar sobre licença, aposentadoria e reformas, não se podendo conceder, nem alterar, por leis especiais.

Em 1923, o Decreto n.º 16.300117, de 31 de dezembro, preceituou que seriam imprescindíveis cuidados especiais com as gestantes e as lactantes nas indústrias. Era facultado às empregadas pelos empregadores um repouso de quatro semanas (28 dias), bem como as mulheres que ainda estavam amamentando tinham direito a fazê-lo no período de trabalho. Mas, como não havia obrigatoriedade nesse ordenamento, constatou-se o seu não cumprimento e as empregadas gestantes, no Brasil, continuaram sem proteção pelo menos até 1930.

Em 17.05.1932, foi editado o Decreto n.º 21.417-A118, que estabeleceu a licença-maternidade, determinando a todos os estabelecimentos industriais e comerciais, públicos e particulares, a proibição do trabalho à mulher grávida, durante um período de quatro semanas, antes do parto e quatro semanas depois. A remuneração da trabalhadora, neste período, limitava-se a um auxílio

115

Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 204, aduz que, “no Estado liberal do século XIX a Constituição disciplinava somente o poder estatal e os direitos individuais (direitos civis e direitos políticos) ao passo que hoje o Estado social do século XX regula uma esfera muito mais ampla: o poder estatal, a Sociedade e o indivíduo”.

116 Nesse sentido Heloísa Hernandez DERZI, A morte e seus beneficiários no regime geral de

previdência social, p. 49, preleciona que, “no cenário de transformação evolutiva do Estado, o Direito, como ciência indispensável à experiência humana, foi profundamente atingido: o Estado liberal com a proteção individual do homem, para o Estado do bem-estar voltado para a proteção dos direitos sociais com os correlatos conceitos de necessidades sociais e padrões mínimos de bem-estar”.

117 Esse Decreto constava do Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública.

118 O Decreto n.º 21.417-A, de 17.05.1932, foi editado após o Decreto n.º 21.081 que, de acordo com

Mozart Vitor RUSSOMANO, in Comentários à consolidação das leis da previdência social, p. 11, foi “a primeira Lei Orgânica da Previdência Social, resultante da programação política e administrativa dos revolucionários de 1930, que, na época, exerciam o segundo Governo Provisório da República”. Verifica-se ainda que referido Decreto (o de 1932) regula as condições do trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comerciais. Ainda nesse sentido, vale transcrever entendimento de Miguel Horvath Júnior, in Salário Maternidade, p. 75: “As primeira empregadas beneficiadas com o salário-maternidade foram as do comércio, em razão da criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), por força do Decreto n.º 24+273, de 27 de maio de 1934. Este decreto garantiu às seguradas do Instituto o recebimento do auxílio-maternidade nos moldes previstos no decreto n.º 21.417-A/32”.

correspondente à metade dos seus salários, de acordo com a média dos seis últimos meses, que seria pago pelas Caixas criadas pelo Instituto de Seguro Social e, na falta destas, pelo empregador.

O decreto não assegurou proteção quanto à manutenção no trabalho após o período de afastamento, muito menos sobre a proteção da maternidade.

A Constituição de 1934119 foi a primeira que ofereceu cobertura à maternidade, mas de forma primária, sem delinear minúcias imprescindíveis na proteção da trabalhadora gestante. Referida Carta garantiu, portanto, o descanso, antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego. Essa prescrição denotou uma grande evolução no cenário protetivo nacional.

Nesse sentido, Feijó Coimbra120 assevera que “na Constituição de 1934 já se espelhava a evolução universal em favor da solidariedade social. O diploma constitucional tratava do trabalhador, para deferir-lhe proteção social”.

Diante da proteção à maternidade determinada pela Constituição de 1934, o Decreto n.º 54, de 12 de setembro daquele ano, regulado mais tarde pelo Decreto n.º 40.858, de 5 de fevereiro de 1957, criou o IAPB – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, que trouxe disposição referente a um auxílio- maternidade121.

A mesma proteção foi repetida pela Constituição de 1937 (artigo 137, l), que dispôs da seguinte maneira:

“Art. 137. A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:

119

“Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: (...) h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.”

120

Feijó COIMBRA, Direito previdenciário brasileiro, p. 37.

l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto.” (grifamos)

Referida Carta suprimiu a garantia de retorno ao emprego da trabalhadora gestante, garantindo-lhe apenas a percepção do salário.

Com a promulgação da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (1943), a mulher passou a ter direito a um descanso remunerado quando da gestação, antes e após o parto, sem prejuízo do emprego e do salário, pelo período de 12 semanas (artigo 392). Além disso, assegurou-se o pagamento de salários integrais, calculados de acordo com a média dos seis últimos meses de trabalho, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava, bem como passou a ter o direito a um auxílio-maternidade por parte da instituição de Previdência Social, sem, contudo, isentar o empregador da obrigação antes aludida (artigo 393).

Após a Segunda Grande Guerra, a preocupação com a proteção do trabalho se fez evidente com a questão social, tendo sido criadas normas que garantiam a segurança do trabalhador no emprego.

Dessa forma, e diante dos acontecimentos mundiais, a Constituição de 1946, nos artigos 157, incisos X, XIV e XVI, e 164, assegurou à gestante o descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário, e a assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica, além do direito a prestações previdenciárias em relação à maternidade. Essa prescrição constitucional se fez tal como existe nos dias atuais.

A primeira Constituição a garantir a proteção à maternidade com a responsabilidade do órgão protetor foi a de 1967. Mas, como não houve regulamentação desse dispositivo constitucional, o ônus continuou com o empregador. Assegurou ainda o descanso remunerado da gestante (artigo 158, incisos XI e XVI).

A Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, repetiu os direitos relativos à maternidade previstos no texto original da Constituição de 1967.

Somente a partir de 1974122, com a edição da Lei n.º 6.136123, de 07.11.1974, o salário-maternidade foi erigido à categoria de benefício previdenciário, proteção, portanto, sujeita a todas as normas relativas ao Direito Previdenciário. Com essa inovação legislativa, o empregador efetuava o pagamento do salário-maternidade, mas procedia à devida compensação com o órgão previdenciário, quando dos respectivos recolhimentos.

Em 1976, foi instituída a Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS, pelo Decreto n.º 83.080, de 24 de janeiro, que também dispôs acerca da proteção à maternidade (artigos 23, inciso I, alínea h, e 50). O seu regulamento (Regulamento de Benefícios da Previdência Social – RBPS) também tratou da matéria nos artigos 103 a 111.

O custeio do salário-maternidade (Lei n.º 7.787, de 30 de junho de 1989), de conformidade com o artigo 4.º da lei suso mencionada, consubstanciava-se na incidência da percentagem de 0,3%124 sobre a folha de salários, contribuição esta de responsabilidade da empresa.

João Paulo II, em 1988, ao escrever sobre o papel da mulher – Mulieris Dignitaten –, aduziu que “a verdadeira promoção da mulher exige que seja reconhecido o ‘valor’ do seu papel materno e familiar”125.

Entendemos, contudo, que a mulher conquistou o seu espaço na sociedade contemporânea, espaço este decorrente da luta que empenhou no sentido de

122 A Década de 1970 foi eleita pela ONU como a Década da Mulher, em razão dos benefícios que lhe

foram atribuídos, bem como das conquistas no cenário nacional e internacional. E o ano de 1975 foi o eleito como Ano Internacional da Mulher.

123 A Lei n.º 6.136/74 foi regulamentada pelo Decreto n.º 75.207, de 10.01.1975, que prescreveu o

seguinte: “O salário-maternidade, incluído entre as prestações da previdência social pela Lei n.º 6.136/74, será devido, independentemente de prazo de carência, no período de descanso remunerado de 4 (quatro) semanas antes e 8 (oito) semanas depois do parto, à empregada de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que como tal se filie ao regime de previdência social instituído pela Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS)”.

124

Miguel HORVATH, Curso de direito previdenciário, p. 61, critica o artigo 4.º da Lei n.º 6.136/74, aduzindo que este dispositivo fere a regra da contrapartida. Nesse sentido, preleciona que “a Lei n.º 6.136/74, ao transferir o encargo do pagamento do salário-maternidade para a Previdência, previa a redução da alíquota para o salário-família de 4,3% para 4% e criava uma taxa de 0,3% para o Fundo de Assistência e Previdência Social (FPAS). Ora, essa criação de alíquota de 0,3% só existe formalmente, na realidade não projetou aumento de arrecadação, de base de incidência, constituindo- se num malogro ao princípio da contrapartida”.

alcançar a igualdade com os homens, e, por isso, merece proteção do Estado diante das contingências que a atingem.

Dessa forma, a Constituição da República de 1988 erigiu a maternidade a um direito social, ampliando o prazo de descanso remunerado da gestante126, bem como estabeleceu regras de proteção à maternidade, garantindo-se, ainda, o emprego e o salário.

Em 1989, houve a preocupação do legislador em estabelecer a fonte de custeio do salário-maternidade. Para tanto, editou a Lei n.º 7.787, de 30 de junho de 1989, estabelecendo a percentagem de 20% a incidir sobre o total da remuneração paga a todos os trabalhadores.

A Lei de Benefícios (Lei n.º 8.213/91), em seus artigos 71 a 73, prescreveu regras acerca do salário-maternidade. Mais tarde, em 1994, o artigo 71 foi alterado pela Lei n.º 8.861, de 28 de março, incluindo no rol das beneficiárias do salário- maternidade a segurada especial e a doméstica.

A reforma previdenciária, dada pela Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998, quis inovar quando previu o teto da Previdência como limitador do pagamento do benefício pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. Isso não vingou127 porque se tratava de nova forma de discriminação do trabalho feminino, o que não poderia ocorrer em razão das garantias fundamentais asseguradas à trabalhadora gestante na Constituição da República de 1988.

As seguradas contribuinte individual e facultativa passaram a ter direito ao salário-maternidade a partir da edição da Lei n.º 9.876/99, que estabeleceu um prazo de 10 meses de carência para fazerem jus ao benefício.

Até a edição da Lei n.º 9.876/99, não havia exigência de período de carência para a concessão do salário-maternidade. Todavia, ao ampliar o rol de beneficiárias, o legislador ordinário entendeu que seria necessário um tempo de contribuição para

126 “Art. 7.º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de

sua condição: XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento vinte dias.” (grifamos)

127

Vide Capítulo 4, sub-item 4.2.5.1 que trata da Emenda Constitucional n.o 20/98 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.946, de abril de 2003, dispondo sobre a questão do limite imposto ao valor do benefício salário-maternidade.

assegurar o pagamento da prestação, com o intuito de se estabelecer o equilíbrio financeiro e atuarial.

Em 2002 foi editada a Lei n.º 10.421/2002, responsável pela garantia à percepção do salário-maternidade pela mãe adotante. Trata-se de uma inovação na legislação pátria de proteção social e que será por nós analisada mais adiante.

Nessa ordem cronológica de evolução da concessão do benefício salário- maternidade, ainda podemos citar a Lei n.º 10.710, de 5 de agosto de 2003, norma que teve por escopo o retorno do pagamento da prestação à empresa, ou seja, esta, a partir de setembro de 2003, passou a ter responsabilidade de pagar o benefício à empregada, fazendo a devida compensação quando do recolhimento das contribuições à Previdência Social.

Vale salientar que essa regra é válida, tão-somente, para as empregadas, excluindo-se a empregada doméstica, a trabalhadora avulsa, a segurada especial, a facultativa e a contribuinte individual. A legislação ainda expurgou dessa incidência legal a empregada adotante, que também receberá o pagamento do salário- maternidade diretamente do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.

Por intermédio do escorço histórico acima delineado, percebemos uma nítida evolução positiva da proteção à maternidade, que objetivou demonstrar a importância dessa cobertura no Sistema de Seguridade Social.

Infere-se, destarte, que sempre existiu uma preocupação do legislador em ampliar a abrangência desse instituto protetivo, pautando-se no bem-estar da sociedade, com o fito de garantir um equilíbrio nas relações sociais.