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Escravos e formação dos quilombos na Paraíba

CAPITULO II A PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO PARAIBANO: a

2. Processo de ocupação do espaço agrário e formação do campesinato paraibano

2.1. Escravos e formação dos quilombos na Paraíba

obra compulsória utilizada na atividade canavieira no início da colonização e, posteriormente, perdeu importância para a mão de obra dos escravos africanos. A distribuição dos escravos negros no espaço agrário paraibano dependeu da dinâmica do capital mercantil.

Durante os primeiros séculos da colonização foi no Litoral da Paraíba onde a atividade canavieira concentrava a maior população escrava. Essa população estava inserida tanto nos trabalhos ligados diretamente à fabricação do açúcar quanto nas atividades auxiliares que sustentavam a atividade canavieira. Mesmo presente de forma significativa na atividade açucareira, o trabalho do escravo também se fez presente nas fazendas de gado sertanejas, muito embora utilizassem a mão de obra indígena e mestiça. Em meados do século XVIII em comparação com séculos anteriores o trabalho do cativo negro passa a ser utilizado com mais frequência nas fazendas de gado. A participação da população negra escrava no interior do estado aumentará nos séculos seguintes com a introdução da cultura do algodão (SÁ, 1999; GALLIZA, 1979).

Com a disseminação da cotonicultura no interior da Paraíba, os fazendeiros passam a utilizar de forma expressiva o trabalho do negro escravo nas plantações. No decorrer do século XIX se registra um aumento da população escrava nas áreas produtoras de algodão. Segundo Pinto (apud SÁ, 1999):

Os resultados demográficos da expansão do algodão, puxando escravos para o interior, aparecem na Estatística da População da Província, em 1851. Nela as freguesias que possuem maior número de escravos são as mesmas que se destacavam como produtoras de algodão. É o caso das vilas de Campina Grande, Mamanguape, Independência (Guarabira) e da cidade de Areia (p.66).

66 Na segunda metade do século XIX verificou-se um aumento da concentração de escravos nos municípios tradicionais criadores de gado localizados no Sertão paraibano, que vivenciavam nesse período o momento áureo da produção do algodão. Em 1852 essa região concentrava 33, 5% do total da população escrava na Paraíba, porcentagem que cresce para 38% em 1872 e para 41% em 1884, ultrapassando a porcentagem de escravos da região canavieira que no ano de 1884 representava 30% do total da população cativa da Paraíba. Desse modo, segundo Galliza (1919, p.39) “a zona canavieira rivalizava com a criatória no tocante a quantidade de escravos”. Não obstante os números apresentarem um adensamento de escravos no Sertão paraibano no decorrer do século XIX, na Paraíba como em todo o Brasil, vivenciou-se um período de decadência do sistema escravista.

Após a proibição do tráfico de escravos na segunda metade do século XIX a Paraíba registra um declínio da população escrava. Os fatores responsáveis por essa diminuição além do impedimento do tráfico tem-se a venda dos cativos pelos os seus senhores para as regiões Sudeste e Centro Oeste, tradicionais produtoras de café. Teria contribuído também para redução dessa população a concessão da liberdade aos escravos, o movimento abolicionista e as epidemias. Os escravos poderiam obter a liberdade mediante declaração em batismo, legado em testamento e por meio das cartas de alforrias concedida pelos seus senhores. Na segunda metade do século XIX, a maior parte das cartas de alforrias foi conferida às mulheres, uma vez que eram elas que desempenhavam os serviços domésticos nas casas e tinham um valor inferior no mercado de escravos em relação aos homens escravos (GALLIZA, 1979; MEDEIROS E SÁ, 2005).

Os escravos negros na Paraíba como nas demais regiões do Brasil protagonizaram diversas formas de resistência, que resultaram também na formação dos quilombos. Como já assinalamos, o trabalho escravo representou a principal mão de obra e a base para o desenvolvimento da atividade açucareira e estiveram presentes também nas fazendas pecuaristas sertanejas, e em todos os ciclos econômicos da Paraíba. Compunha parcela significativa da população do estado e não estava inserido nela de forma passiva.

No período da escravidão na Paraíba, tem-se o registro segundo Galliza (1979) da existência de dois quilombos, que afrontavam as autoridades, situados em áreas de terras das várzeas litorâneas. O quilombo do Cumbe localizado onde hoje se encontra a Usina Santa Rita (município de Santa Rita, Zona da Mata Paraibana) teria sido formado

67 por negros oriundos do Quilombo dos Palmares e por índios que haviam sido catequizados. Os quilombolas do Cumbe com frequência faziam incursões pelo interior da Paraíba cometendo pequenos roubos e até assassinatos. Teria sido destruído por uma expedição particular no início do século XVIII. O segundo quilombo denominado de Espirito Santo, foi aniquilado em meados do século XIX por uma expedição constituída por autoridades paraibanas. De acordo com a autora se outros quilombos se formaram durante a escravidão na Paraíba não teriam protagonizado ações que chamassem a atenção das autoridades, ou ainda provocassem a repressão policial e/ou incursões de expedições particulares como ocorreu com os quilombos do Espirito Santo e do Cumbe. Embora não cite datas, Sá (2005) menciona a formação do Quilombo do Livramento durante o período da escravidão nas imediações do atual município de Princesa Izabel localizado no Sertão da Paraíba. Já Almeida (1978, p. 201) faz referência ao quilombo do Cumbe, porém formado nas imediações da cidade de Campina Grande como “maloca de escravos foragidos”. Menciona também núcleos de escravos fugidos que haviam sobrevivido nas “cristas das serras” nos municípios de Alagoa Grande e Santa Luzia localizados respectivamente nas regiões do Agreste e Borborema.

Nascimento Filho (2006) em sua pesquisa sobre o processo de produção do espaço da Zona da Mata Sul da Paraíba, identifica nesta região a existência e/ou presença dos quilombos de Paratybe e do Guajú no final do século XVIII. Segundo esse autor, os negros do quilombo de Paratybe frequentemente assaltavam viajantes e comerciantes que faziam o percurso da Cidade da Paraíba ao Recife. Paratybe estava localizado em terras doadas pelos portugueses no século XVII à ordem religiosa dos Carmelitas. Já o Quilombo do Guajú estava localizado nas terras da Vila de Conde e há poucas informações sobre a sua existência. Ao contrário dos quilombos do Cumbe e do Espírito Santo não há registros de incursões de expedições para a destruição dos quilombos mencionados.

Sobre os quilombos localizados na Zona da Mata Paraibana, Nascimento Filho (2006) destaca que:

[...] ao menos alguns quilombolas, embora as fontes não esclareçam como, foram não só importantes agentes produtores do espaço, como também se tornaram proprietários do disputado solo da Mata Sul da Paraíba (p.158).

Além da resistência dos negros escravos mediante a formação dos quilombos, Medeiros e Sá (2005) e Lima (2001) nos lembram das fugas que ocorreram de forma

68 intensa na Paraíba durante à seca de 1877 a 1879 e da rebelião do Quebra Quilos (1874-1875) que se disseminou por vários municípios do Agreste paraibano. Foi registrada nesta revolta a presença de um número considerável de escravos e negros libertos organizados24. A rebelião do Quebra Quilos se transformou num momento oportuno para os escravos exigirem a sua liberdade e lutarem pelo fim da escravidão. De acordo com Sá (1999) os escravos demonstraram nessa revolta :

[...] o entendimento da legalidade da sua situação jurídica, além de anteceder os movimentos urbanos pela abolição, que a historiografia tradicional localiza na década de 1880. Enquanto revoltosos invadiam, incendiavam e quebravam nas cidades os lugares que simbolicamente representavam as leis que os oprimiam, em Campina Grande alguns escravos buscavam um livro, o de registro, que poderia significar a liberdade (p.43).

A concorrência e a crise enfrentadas na produção do algodão e do açúcar principais produtos agrícolas exportados pela Paraíba para os mercados internacionais na década de 1870, forçou os produtores a expulsar os moradores e arrendatários das suas terras. Ao passo que os camponeses sem acesso a terra, que antes eram empregados na lavoura canavieira e na cotonicultura passaram a não ser mais contratados. Nas feiras livres espaços onde os camponeses pobres detinham certa autonomia para comercializar a sua produção, o governo passou a cobrar impostos sobre os gêneros alimentícios vendidos e sobre o solo ocupado.

Em 1873, o Governo determinou que se cumprisse imediatamente uma lei que havia sido criada em 1862 na qual decretava a substituição dos pesos e medidas até então utilizados, pelo sistema métrico decimal de litro, metro e quilo. Qualquer descumprimento seria punido com prisão de cinco a dez dias e o pagamento de multa. Por outro lado às novas regras implantadas em 1874 para o recrutamento militar determinava que somente homens sem posses e sem poder aquisitivo deveriam ser convocados para as guerras (SÁ, 1999; MEDEIROS E SÁ, 2005).

Eram muitas as insatisfações da população pobre, que culminou na revolta do Quebra Quilos em 1874, quando feirantes e camponeses inconformados com a miséria, o recrutamento militar, a cobrança de imposto nas feiras livres e as mudanças dos tradicionais pesos e medidas até então utilizados, saíram armados de foice, cacetes

24 Entendemos que a resistência dos negros a sua escravidão e ao regime escravista não se fez somente mediante a formação dos quilombos e da efetuação das fugas e das revoltas. Partimos da compreensão que essas ações não representaram uma forma de resistência superior ou mais importante que as demais. A resistência dos negros escravos se fez de maneira ampla dentro do regime escravista. Os cativos cotidianamente se posicionaram contra a sua condição de mercadoria, de coisa, efetuando desde o trabalho mal feito, até os abortos praticados pelas mulheres e os assassinatos de senhores e feitores.

69 e bacamartes nas comarcas, vilas e cidades, quebrando os pesos e medidas do novo sistema métrico decimal. Merece destaque na revolta do Quebra Quilos a ação protagonizada por escravos quando ocuparam um sítio localizado na cidade de Campina Grande e exigiram dos seus senhores que os libertassem. A revolta do Quebra Quilos cessou um ano depois com a ostensiva e violenta repressão policial, que prendeu e torturou muitos revoltosos, restando aos escravos que participaram da revolta fugir (SÁ, 1999; MEDEIROS E SÁ, 2005).