• Nenhum resultado encontrado

Reconhecendo-se como agricultoras: as mulheres quilombolas do Agreste

CAPITULO III O DESVENDAR DOS SUJEITOS DA PESQUISA: as mulheres

3. Quem são as mulheres quilombolas na Paraíba?

3.5. Reconhecendo-se como agricultoras: as mulheres quilombolas do Agreste

Análogo às comunidades quilombolas da Zona da Mata, a negação do direito a terra e as condições de nela permanecer e trabalhar, é uma realidade presente e enfrentada pela maioria das comunidades das regiões do Agreste Paraibano e da Borborema atualmente. Essas comunidades ocupavam um território maior em um tempo passado, quando da chegada das primeiras famílias, hoje essa realidade é bem distinta. O latifúndio pecuarista foi aos poucos avançando sobre as suas terras, expropriando os seus territórios, reduzindo as suas posses a casa e aos terreiros. Se não foi o latifúndio pecuarista, que lhes tolheu o acesso a terra foi a atividade canavieira, tendo como unidade produtiva os engenhos de açúcar. Assim como única alternativa restou ás famílias negras deixar “cativa” a sua mão de obra, como último recurso para viver e trabalhar na terra como as famílias quilombolas das comunidades Senhor do Bonfim e Mundo Novo localizadas no Brejo paraibano. A comunidade do Senhor do Bonfim

133 conseguiu, mediante a política de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas, garantir seu território ocupado tradicionalmente, todavia, a segunda, a comunidade Mundo Novo vivencia uma situação de conflito com os novos descendentes de antigos senhores de escravos.

Se o trabalho na agricultura possibilita que as famílias do Senhor do Bonfim comercializem seu excedente e garantam uma renda familiar por meio da agricultura não ocorre o mesmo com a maioria das comunidades quilombolas das regiões do Agreste e Borborema. Refém dos pequenos espaços ocupados, uma parcela das famílias quilombolas necessita constantemente aforar as terras de fazendeiros e esperar os períodos chuvosos para “botar os roçados”, uma vez que além da escassez de terra vivem em regiões atingidas ocasionalmente por períodos de grandes estiagens. Para aforar as terras dos fazendeiros é preciso se submeter a algumas regras, dentre elas deixarem o que sobra das plantações para o gado comer; colher os roçados em tempo hábil caso não queira, que o rebanho bovino devore as plantações; não levar animais para os roçados; não plantar determinadas culturas que não sirvam para alimentar o gado; roçar o mato e deixar o pasto pronto para o rebanho se alimentar. O avanço da pecuária significa a diminuição das áreas de roçado, pois como nos relata Lurdes, liderança comunitária de Pedra D’Água: [...] onde se planta capim não dá roçado.

Dito de outra forma, além dos limites impostos pelas pequenas áreas de terra há também a falta de acesso a créditos, as sucessivas estiagens, o cercamento das águas que impossibilitam uma produção agrícola maior. No período em que realizamos os trabalhos de campo nas regiões da Borborema e do Agreste Paraibano a maioria das famílias não havia plantando em função do baixo índice pluviométrico do ano de 2012, impossibilitando tanto os roçados quanto a criação de animais. As cisternas secaram e a água para o consumo das famílias, em algumas comunidades, escasseou. O abastecimento de água nesses momentos tem sido realizado por carros pipas, pela prefeitura ou exército ou ainda pelas próprias famílias que compram água. Esse quadro tem se repetido em todas as épocas de estiagem e tem sido historicamente naturalizado nas regiões do Semiárido brasileiro. No período de seca aumenta a precariedade das condições de vida das famílias quilombolas.

A agricultura desenvolvida nas comunidades quilombolas do Agreste Paraibano e Borborema representa uma fonte de alimento essencial para as famílias e da mesma forma que na Zona da Mata Paraibana, não significa uma atividade que garanta fonte de renda para as mulheres quilombolas, pois a produção é destinada eminentemente para o

134 consumo familiar. Apenas ocasionalmente é comercializado o feijão, a macaxeira, a fava quando sobra um excedente. Diferente das comunidades da Zona da Mata apenas algumas famílias conseguem criar gado. Tem lugar nestas comunidades a criação de bodes e cabras. Se a agricultura representa eminentemente uma fonte de alimento para as famílias, como as mulheres quilombolas conseguem obter o que necessitam para lhes garantir as condições materiais de existência? Mais da metade das mulheres quilombolas que fizeram parte desta pesquisa com um percentual de 89% para a região do Agreste Paraibano e 76% para a Borborema afirmaram serem agricultoras como demonstra os Gráficos 09 e 10 (p.134).

GRÁFICO 09: Ocupação das mulheres quilombolas do Agreste Paraibano (2012)

GRÁFICO 10: Ocupação das mulheres quilombolas da Borborema (2012)

Fonte: Trabalho de campo (2012)

Org. Monteiro (2013) Fonte: Trabalho de campo (2012) Org. Monteiro (2013)

As mulheres quilombolas dessas regiões não somente trabalham nos roçados na época certa de plantar as sementes e colher. Associado ao trabalho na agricultura vem o trabalho como artesã fazendo Labirinto ou louças, o trabalho como pedreira, como comerciante, prestando serviços para as prefeituras. Há também as políticas públicas, como o PFBF e as aposentadorias rurais que complementam a renda dessas mulheres. São diversas as estratégias acionadas, que possibilitam as famílias quilombolas do Agreste Paraibano e Borborema se reproduzir socialmente enquanto grupo, a migração é uma delas. Migrar faz parte dos objetivos e da história de vida de muitos homens e mulheres quilombolas. É muito comum as famílias relatarem a história de um

89% 11% Agricultora Outros 76% 12% 6% 5% Agricultora Dona de Casa Louceiras Outros

135 filho, filha, sobrinho ou irmão, de algum parente que migrou e não retornou que migrou e voltou. A migração de um membro da família possibilita muitas vezes que o restante do grupo continue vivendo na comunidade, que continue se reproduzindo socialmente nos lugares que escolheram viver.

Um percentual de 11% das mulheres representado no Gráfico 09 como “Outros” trabalham como auxiliar de serviços gerais em prefeituras, professora, agente de saúde e funcionária pública. Todavia, a maioria das mulheres dentro desse percentual acumula o trabalho com as atividades desenvolvidas na agricultura. As mulheres que se declararam donas de casa, com um percentual de 12% no Gráfico 10 trabalhavam anteriormente na agricultura, na confecção de louça ou estudavam. O percentual de 6% deste gráfico corresponde às mulheres louceiras e representa apenas a comunidade do Talhado Urbano.

4. Os espaços de atuação de homens e mulheres quilombolas