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Participação política nas associações comunitárias e formação de grupos de

CAPITULO III O DESVENDAR DOS SUJEITOS DA PESQUISA: as mulheres

3. Quem são as mulheres quilombolas na Paraíba?

3.1. Participação política nas associações comunitárias e formação de grupos de

116 dentro das associações comunitárias35, quanto fora delas. Ser liderança e estar liderança nestas comunidades não significa necessariamente exercer um cargo dentro do quadro administrativo das associações. Ser liderança comunitária significa muito mais que administrar as associações, significa estar disposta a lutar por terra, por saúde, por educação, por melhores condições de vida, direitos que lhes forma negados historicamente. As mulheres lideranças carregam consigo uma história constante de lutas cotidianas que permeam e permearam as suas vidas, uma história de enfrentamento aos preconceitos sofridos, aos poderes públicos instituídos, aos fazendeiros e ao Estado36. Estão se politizando e compreendendo que não basta o Estado reconhecer uma dívida histórica com o povo negro que vive no campo, hoje, é preciso mais, é preciso garantir terra e condições de permanecer vivendo e trabalhando nela. Entenderam que para garantir o território tradicionalmente ocupado é preciso lutar, uma vez que a política de acesso a terra às comunidades negras rurais, protagonizada pelo Estado se torna cada vez mais ineficiente. Compreenderam também, as múltiplas questões étnico- raciais, que perpassam as desigualdades sociais na sociedade brasileira. Há que lutar por terra, por melhores condições de vida, contra a exploração do trabalho e a concentração fundiária, mas também contra uma sociedade racista que se reveste e se camufla em uma suposta democracia racial37.

Foi protagonizando cotidianamente distintas lutas, que as mulheres quilombolas estão presentes na presidência de 71% das associações organizadas nas comunidades pesquisadas. Cabe enfatizar que ser liderança comunitária independe do cargo ocupado, podem exercer essa função de forma histórica dentro das comunidades em que vivem. Estas mulheres estão à frente das associações das comunidades quilombolas de Gurugi Mituaçú, Ipiranga, Paratibe localizadas na Zona da Mata Paraibana; Caiana dos Crioulos, Pedra D’Água, Grilo, Cruz da Menina e Sitio Matias situadas na região do Agreste Paraibano; Talhado Urbano, Serra do Talhado Pitombeira localizadas na região da Borborema. Mesmo quando não estão presentes no quadro administrativo das

35Estamos nos referindo às associações comunitárias legalmente constituídas, com registro em cartório.

36 As trajetórias e histórias de vida das mulheres quilombolas junto as associações comunitárias será melhor apresentadas no capitulo IV da dissertação, quando discutiremos o protagonismo destas mulheres na luta no território e pelo território na Paraíba.

37 Na década de 1930 é lançado um discurso no meio intelectual que estimula uma apologia da igualdade e da harmonia social, ocultando o racismo, a desigualdade social e a discriminação da sociedade brasileira. Esse discurso foi chamado de mito da democracia racial da qual o principal expoente foi Gilberto Freyre, que expôs suas ideias na obra Casa Grande e Senzala. Gilberto Freire defendeu que no Brasil ocorreu uma boa escravidão, e entendeu a mestiçagem brasileira não como fruto de uma relação social assimétrica, ou de determinada conjuntura histórica e social desigual, mas como um modelo de civilização a ser reconhecido e talvez exportado (SCHWARCZ, 1996).

117 associações, as mulheres quilombolas participam de forma expressiva nas reuniões e nas tomadas de decisões das comunidades em que vivem, algo que pudemos presenciar nas nossas inúmeras idas a campo e nas entrevistas realizadas com as lideranças comunitárias38. As mulheres quilombolas, que fizeram parte desta pesquisa são majoritariamente camponesas, 95% tem filhos, 75% ou são casadas ou vivem uma união estável. Ao passo que as mulheres solteiras representam 16%, as viúvas 9% e as que não têm filhos 5%.

São estas as mulheres que vêm se articulando atualmente em grupos produtivos voltados principalmente para a confecção de artesanato, corte e costura, produção de sabão e cultivo de horta. Estas ações são constituídas eminentemente por mulheres, ocasionalmente há a participação masculina, são elas que estão à frente, organizando esses grupos. Estas representam iniciativas que partiram dos estímulos da AACADE que viabilizou junto às mulheres quilombolas cursos de formação e projetos voltados para produção e para a confecção de artesanatos; das associações comunitárias; e iniciativas das próprias mulheres quilombolas, no caso da comunidade do Talhado Urbano, que já produziam tradicionalmente um artesanato em argila no Talhado Rural, e continuaram confeccionando-a quando migraram para a cidade de Santa Luzia. Em 1996 foi construído um galpão onde as louceiras continuam trabalhando até hoje. No ano de 2004 foi formada a Associação das Louceiras Negras do Talhado Urbano registrada oficialmente em cartório, o que a difere dos outros grupos os quais não se constituíram enquanto associações, ver Fotografias 17 e 18 (p.118). A formação da associação das louceiras do Talhado Urbano lhes permitiu obter mais autonomia, uma vez que não dependem de uma associação comunitária para viabilizar projetos de seu interesse. Ao contrário, é por meio da associação das louceiras, que são viabilizados projetos para a comunidade.

38 Não fizemos registro fotográfico desses momentos coletivos, por que muitas mulheres não concordaram em serem fotografadas.

118 Historicamente a confecção das louças pelas mulheres de Serra do Talhado representava umas das formas de sustento das famílias. Eram as mulheres, que faziam à cerâmica, desciam a Serra do Talhado e vendiam as peças nas feiras livres do município de Santa Luzia39. A confecção das louças representa uma tradição transmitida de uma geração a outra de mulheres. Como já mencionamos, a partir da década de 1960 as louceiras foram migrando da Serra do Talhado onde originalmente faziam o artesanato para a cidade de Santa Luzia e aos poucos passaram a fazer o artesanato somente no Talhado Urbano onde organizaram a sua associação. A renda obtida por meio da comercialização das peças, não representa uma renda significativa para as mulheres que as confeccionam.

As louças são vendidas por um valor que, segundo a presidente da associação, muitas vezes não compensa o trabalho. Relata-nos que as peças não são valorizadas como deveriam na cidade de Santa Luzia, por isso o baixo preço. Apesar de ter um forno próprio para queimar as peças e um espaço para confeccioná-las, necessitam comprar a argila. Morando na cidade essas mulheres não têm mais disponibilidade a matéria prima em abundância como tinham na Serra do Talhado. Tem também que pagar o transporte para trazê-la até a cidade e comprar a lenha, dentre outras despesas que tornam a confecção das peças onerosa. Esses custos de produção fizeram com que muitas mulheres se desarticularem do grupo e buscassem alternativas de trabalho e renda na cidade.

39 Ver o curta-metragem Aruanda.

Fotografia 17: Cerâmica produzida pelas louceiras do Talhado Urbano

Fonte: Trabalho de campo (2012)

Fotografia 18: Placa, que fica na entrada do “barracão” das louceiras do Talhado Urbano. Fonte: Trabalho de campo (2012)

119 Na Comunidade Quilombola de Gurugi algumas mulheres vêm se articulando em um grupo denominado de Mães do Barro que teve início em 2009 através de uma capacitação do Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (SEBRAE) viabilizada pela associação comunitária. O SEBRAE deu um curso voltado para produção de cerâmica. As mulheres que fazem parte desse grupo estão confeccionando peças em argila e comercializando o que produzem na feira de artesanato no Bairro de Tambaú em João Pessoa. Atualmente, no Grupo Mães do Barro participam ativamente seis mulheres de uma comunidade de 160 famílias, ver Fotografias 19 e 20 (p.119). As Mães do Barro tem sido uma alternativa buscada geralmente pelas mães solteiras, que não obtém nenhuma renda com o trabalho na agricultura. Existe também uma tentativa de articulação das mulheres na Comunidade Quilombola de Paratibe, também voltada para confecção de diversos tipos de artesanato em fase inicial.

Fotografia 19: Exposição do artesanato das Mães do Barro na festa da consciência negra no Gurugi (2010)

Fonte: Trabalho de campo (2010)

Fotografia 20: Peças produzidas pelas Mães do Barro, pronta para passar pelo processo de queimação (2010).

Fonte: Trabalho de campo (2010)

Nas comunidades de Caiana dos Crioulos, Pedra d’Água, Cruz da Menina e Pitombeira existem iniciativas recentes de grupos de mulheres com trabalhos voltados para a costura, artesanato e para o cultivo de horta. Estas ações foram viabilizadas pela AACADE em parceria com as associações. São iniciativas que vêm se fortalecendo, apesar das dificuldades enfrentadas pelas mulheres para consolidar os grupos e comercializar o que produzem.

Na comunidade de Serra do Abreu também há uma tradição das mulheres na confecção do artesanato em argila, porém foi se perdendo no decorrer do tempo. No

120 trabalho de campo que realizamos nesta comunidade encontramos apenas uma senhora de 80 anos que dominava a técnica da confecção da cerâmica, ver Fotografia 21 (p.120).

Fotografia 21: Dona Tetinha, 80 anos, membro da comunidade de Serra Abreu. A última mestra louceira da comunidade.

Fonte: Trabalho de campo (2012)

Nas comunidades quilombolas do Grilo, Pedra D’Água e Sítio Matias as mulheres confeccionam uma renda conhecida regionalmente como Labirinto, que representa da mesma forma que a cerâmica de Serra do Talhado uma prática tradicional transmitida de uma geração a outra de mulheres. Esse artesanato representava uma fonte de renda para as famílias nos períodos de estiagem, quando não podiam cultivar os roçados. Atualmente as novas gerações não se interessam mais pela prática e as mulheres mais velhas estão deixando de fazer o Labirinto, em função dos problemas de saúde. As mulheres que ainda confeccionam o labirinto fazem as peças por encomenda. Geralmente quem encomenda a peça vende por um preço bem superior se comparado ao valor pago pela mão de obra das mulheres artesãs. Geralmente uma peça leva bastante tempo para ser feita já que envolve varias etapas que são extremamente trabalhosas. Para finalizar o labirinto a peça passa por sete etapas,40 e na maioria das vezes uma única artesã não domina todas as fases. Ver mulheres artesãs nas Fotografias 22 e 23 (p.121).

40 A confecção do Labirinto envolve sete etapas quais sejam: riscar, desfiar, encher, torcer, perfilar, lavar e engomar.

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Fotografia 22: Membro da Comunidade Quilombola de Pedra D’Água apresentado o labirinto.

Fonte: Trabalho de campo (2012)

Fotografia 23: Membro da Comunidade Quilombola do Grilo apresentado o labirinto. Fonte: Trabalho de campo (2012)

As mulheres costumam fazer o labirinto, no período que estão “livres”, tanto do trabalho no roçado quanto dos trabalhos no espaço doméstico. Não podem se dedicar somente ao labirinto. Para poder confeccionar as peças precisam desempenhar todas as outras tarefas da casa e do roçado, que lhe são atribuídas. Costumam também fazer as peças entre uma atividade e outra da casa, pois o funcionamento desta não pode ser comprometido. As mulheres que confeccionam o labirinto não podem se ausentar das tarefas, que envolvem a casa para se dedicar a uma atividade avaliada como “não trabalho”, elas fazem o labirinto, não trabalham fazendo o labirinto. Como nos relata a liderança comunitária de Pedra D’Água:

Cada um faz na sua casa, por que o Labirinto é o tempo dele, é enquanto agente bota a panela no fogo, enquanto a panela tá lá fervendo, agente está aqui fazendo, depois deixa o Labirinto e vai olhar. São nesses intervalos, por que agente não pára. Vou fazer só labirinto hoje, não, por que faz o Labirinto junto com as outras atividades.

[...] por que muitas tem o roçado tem criança para tomar conta, ai a horinha vaga quando não vai para o roçado, quando é pelo verão que faz o labirinto. Não é certo, só hoje vou fazer o labirinto, vou pegar essa peça só vou parar quando terminar, não faz isso.

(Liderança comunitária de Pedra D’Água /Fonte: Trabalho de campo realizado em 2012)

A comercialização é realizada geralmente em feiras ou individualmente, como nos relata Lurdes:

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vai para as feiras e ela comercializa o de todo mundo têm os estandes do governo do Estado, aqui em Campina Grande no salão do artesanato, no mês de junho, sempre vai.

(Liderança comunitária de Pedra D’Água /Fonte: Trabalho de campo realizado em 2012)

Segundo ela o trabalho realizado muitas vezes para fazer o labirinto não compensa a renda recebida com a venda:

[...] por que se agente fosse tirar a diária da agente para fazer uma peça não compensava. Agente vende mais ou menos, mas que dê para pagar o trabalho e o tempo da agente não.

(Liderança comunitária de Pedra D’Água /Fonte: Trabalho de campo realizado em 2012)

São as mulheres quilombolas que fazem o Labirinto, a cerâmica que costuram, cultivam horta, que estão buscando espaços que lhes possibilitem melhorar as condições econômicas e de vida da família e o fazem também em busca de espaços no qual possam exercer certa autonomia. As atividades que desenvolvem para isso advêm dos conhecimentos transmitidos pelas mulheres mais velhas da comunidade. O saber-fazer assim se perpetua geração após geração. O acesso a cursos de capacitação, formação profissional ou inclusão à escolaridade básica é algo incomum na história de vida dessas mulheres.

3.2. O acesso à educação: a escolaridade negada