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Os quilombos históricos e o emergir das comunidades negras rurais

CAPITULO I COMUNIDADES NEGRAS RURAIS E COMUNIDADES

1. Os quilombos históricos e o emergir das comunidades negras rurais

Os regimes escravocratas no continente americano utilizaram de forma compulsória a força de trabalho de milhões de homens e mulheres capturados e retirados das mais diversas regiões da África (REIS; GOMES, 1996). O tráfico de escravos se constituiu em um grande negócio que permeou a formação do mundo moderno e consolidou o capitalismo mercantilista no continente americano. O Brasil foi responsável por colocar no cativeiro grande parte da população retirada da África compulsoriamente. Embora os colonizadores tenham utilizado a força de trabalho escrava do indígena, foram os africanos e os seus descendentes que constituíram a principal mão de obra durante os mais de trezentos anos em que perdurou o regime escravista no Brasil.

Os escravos negros estavam inseridos nos mais diversos setores da economia e da sociedade e impuseram ao regime escravista distintas formas de resistência4. Uma

4 Os escravos protagonizaram inúmeras formas de resistência à escravidão que constituíram desde as revoltas e a formação dos quilombos até a resistência cotidiana, individual ou coletiva como os abortos, a

30 das mais recorrentes durante a escravidão no Brasil foi a fuga, que levava a formação de grupos negros que se refugiavam nos quilombos, fenômeno que, ocorreu em todas as regiões brasileiras (REIS; GOMES, 1996). A formação de quilombos, embora não tenha constituído a única forma coletiva de resistência dos negros cativos à escravidão no Brasil, se configurou numa das mais expressivas, entretanto não a mais importante.

As comunidades formadas por negros que fugiam do trabalho forçado e resistiam a recaptura receberam diferentes designações em países do continente americano onde ocorreu a escravidão5. No Brasil foram evocadas as qualificações de quilombo e/ou mocambo, para se referir à fuga dos negros escravos e seu refúgio e resistência em determinado lugar. Dependendo da região em que estavam localizados os quilombos tinham diferentes formas de sobrevivência e estabeleciam também distintas formas de relacionamento com a sociedade escravista. Não estavam excluídos e/ou margem do sistema escravista, pelo contrário estavam inseridos e/ou faziam parte da própria lógica de reprodução da sociedade escravista. Não constituíam fenômenos isolados, fechados e nem homogêneos. Não estavam isolados, posto que, se relacionavam constantemente com a sociedade escravista, e nem homogêneos, uma vez que não eram formados apenas por escravos fugidos, mais também por mestiços, índios e camponeses pobres (FREITAS, 1982; REIS E GOMES, 1996; REIS E SILVA, 2005).

Findada a escravidão, não havia sentido para a população negra considerada liberta fugir para constituir o quilombo. Ao passo que o seu significado enquanto resistência do negro escravo a apropriação compulsória da sua força de trabalho deixou de existir juridicamente como ato ilegal. O termo quilombo só reaparece um século depois na Constituição Federal, associada agora outros termos como o de “comunidade” e de “remanescentes”, como destaca Almeida (2002):

Na legislação republicana nem aparecem mais (quilombo), pois com a abolição da escravatura imaginava-se que o quilombo automaticamente desapareceria ou não teria mais razão de existir. Constata-se um silêncio nos textos constitucionais sobre a relação entre os ex-escravos e a terra, principalmente no que tange ao símbolo

má qualidade do trabalho, o suicídio, o assassinato de senhores, que contribuíram para tornar o regime escravista insustentável.

5 Na Colômbia e em Cuba eram conhecidos como pelenques; na Venezuela receberam a denominação de

cumbes; no Haiti e demais ilhas do Caribe de colonização francesa foram designadas de marrons; em

diversos países de colonização espanhola na América foram chamados de cimarrones; na Jamaica, Suriname e Estados Unidos receberam também a denominação de marrons (CARVALHO, 1997). Em geral segundo Reis e Gomes (1996) na América de colonização espanhola foram chamados de pelenques

e, cumbes, nos países americanos colonizados pela Inglaterra ficaram conhecidos como marrons e nos

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de autonomia produtiva representado pelos quilombos. E quando é mencionado na Constituição de 1988, 100 anos depois, o quilombo já surge como sobrevivência, como “remanescente” (p.53).

Ainda no século XIX grupos que haviam se refugiado em quilombos permaneceram neles com o fim da escravidão, em 1888. Outros se estabeleceram em terras devolutas ou continuaram trabalhando na condição de meeiros e/ou parceiros nas fazendas em que haviam sido escravos. Houve grupos, que com advento da abolição da escravidão receberam terras dos seus antigos senhores por meio de doação, legado em testamento ou adquiriram terras mediante a compra (FIABANI, 2008; ALMEIDA, 2002). Outros grupos de ex-escravos e seus descendentes formaram comunidades a partir da: desagregação de fazendas monocultoras e/ou do abandono das propriedades por antigos senhores; da desestruturação de ordens religiosas; se estabelecerem em terras obtidas por meio da prestação de serviços militares e da ocupação de terras de índios.

Nesta perspectiva foram diversas as formas como as comunidades negras rurais ocuparam terras segundo seu uso comum6, no Brasil. Podemos, assim, afirmar que as comunidades negras rurais, que se formaram das mais diferentes formas tiveram as suas origens intrinsecamente associadas ao regime escravista e à própria história da estrutura agrária brasileira. Segundo Fiabani (2008) esses grupos não tiveram atenção dos estudos e pesquisas nas ciências sociais e/ou acadêmicas após o fim da escravidão, somente nas décadas de 1970 e 1980 foram desenvolvidos estudos sobre as comunidades negras rurais. Foi a partir da instituição da Constituição Federal em 1988 que pesquisas sobre as comunidades negras foram intensificados, desvendando uma realidade social pouco conhecida pela sociedade e pela academia. O termo quilombo também foi objeto de discussões e debates políticos e acadêmicos, como já destacamos no início do capítulo.

O termo quilombo foi interpretado segundo diversas concepções na história do Brasil, como nos lembra Fiabani (2004; 2008). Foi compreendido enquanto crime e um elemento ofensivo, ameaçador ao sistema escravista por cronistas, viajantes e intelectuais, como também pelas autoridades durante o Brasil Colônia. Em meados do século XX, o termo quilombo foi apropriado e compreendido por historiadores marxistas como ícone da luta de classes. O termo quilombo também foi apropriado por último pelo movimento negro, como símbolo da luta do povo negro no Brasil.