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1. Entre a memória e a imaginação, entre a realidade e a ficção

1.3 Um escritor realista

Poucos meses antes de publicar o romance Sefarad, em depoimento recolhido em um artigo da jornalista espanhola Rosa Mora19, Muñoz Molina explicava:

19 Artigo Una mirada reciente: repaso a la llamada Nueva Narrativa, publicado em um número especial do suplemento Babelia do jornal espanhol El país, em 27 de maio de 2000. Era uma edição comemorativa dos vinte e cinco anos da literatura espanhola pós-abertura democrática. Por se tratar de uma edição antiga do jornal, o sítio do El país disponibiliza apenas um fac-símile da capa do suplemento. O trecho citado foi encontrado em: CORBELLINI, Natalia. Trayectoria poética de Antonio Muñoz Molina. 2010. 224 f. Tese (Doutorado) – Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, Universidad Nacional de La Plata, La Plata, 2010.

Mis intereses son ahora muy distintos a los que tenía hace 12 o 15 años. Antes, lo que me importaba era resaltar lo literario de la literatura, es una tentación a la que nadie se resiste. A lo que aspiro ahora es a que la literatura se note lo menos posible, aspiro ser un escritor realista sobre todo. (MORA apud CORBELLINI, 2011, p. 149 – 150) Nesse depoimento, Muñoz Molina ratifica a virada criativa de sua carreira, sua transição de escritor preocupado em demonstrar uma imensa capacidade inventiva, o que redundou na escrita de três romances em que prevaleciam a intriga romanesca, para um escritor interessado em narrar a experiência contida na memória.

A questão da representação da realidade pela literatura está posta desde a antiguidade clássica, quando Aristóteles propôs, na Arte poética, o conceito de mimeses, a imitação da vida pela arte. Roman Jakobson (1976, p. 125) afirmou que o termo realismo é relativo, pois dependente dos contextos de produção e de recepção da obra. Um texto literário, escrito em qualquer outro momento da história da literatura que não seja exatamente o realismo do século XIX, pode ser considerado realista, seja porque o autor que o escreve afirma tê-lo escrito tendo a verossimilhança como principal horizonte estético, seja porque o leitor reconhece, nesse texto, algum diálogo com a realidade. No contexto da literatura contemporânea, Perrone-Moisés (2016, p. 36) lembra que a veracidade ainda é um valor buscado pelos escritores. Portanto, é natural que, em um dado momento da carreira, Muñoz Molina tenha proclamado o desejo de ser um escritor realista. O que questionarei a partir de agora, nos epitextos20 e no próprio texto de Sefarad, é o fato de o autor opor os conceitos de ficção e realidade, como se mesmo a narrativa mais colada à realidade não fosse, ela também, uma ficção.

Logo após a publicação de Sefarad, Muñoz Molina concede à jornalista espanhola Amelia Castilla a seguinte declaração:

El escritor debe romper los códigos de la ficción [...] Hay que ampliar los límites de lo literario. Se ha identificado ficción con literatura, pero la literatura puede ser muchas cosas más. La ficción tiene unos códigos que a veces pueden cansar. De hecho, la invención es bastante convencional. (MUÑOZ MOLINA apud CASTILLA, 2001, p. 2)

Ao propor a ruptura dos limites da ficção, acredito que Muñoz Molina estivesse referindo-se a um determinado tipo de romance, cuja intriga é inventada pelo autor. A esse tipo de romance, o escritor andaluz opõe a narrativa de Sefarad, um romance em que são relatadas

20 Termo apresentado por Gérard Genette em Paratextos editoriais para referir-se a textos externos ao texto literário, que surgem e circulam na sociedade por ocasião da publicação de um livro, tais como entrevistas de autores, debates, resenhas, artigos, etc. Segundo Genette (2009), o texto literário transcende seus limites e mantém, para com os textos que surgem em função dele, uma relação transtextual que o envolve e contribui para as interpretações de sua forma e sentido.

experiências vividas por seres ficcionais que têm, ou que tiveram, uma existência real. Para fazer com que a experiência adentrasse a forma do romance, o autor lançou mão dos procedimentos da intertextualidade, aludindo e citando textos escritos, e da transcrição de relatos orais. Desse modo, Muñoz Molina colocou, lado a lado, a ficção e a não ficção, a “história inventada” e a (re)escrita da experiência. Quanto aos limites do romance, que desde muito já são bastante flexíveis, o escritor andaluz os forcejou mesclando vários gêneros e abusando das reflexões ensaísticas. No entanto, ao apontar um certo esgotamento da ficção, acredito que Muñoz Molina estivesse pensando esse conceito de modo restrito, referindo-se à ficção apenas como sinônimo de “história inventada”, ou seja, uma forma romanesca que exige do escritor uma capacidade mais de criação, que de recriação.

Desprestígio da invenção em detrimento da valorização da narrativa da experiência, é nesse sentido que se direciona o discurso de Muñoz Molina à época da publicação de Sefarad, como nesta entrevista concedida a Alfonso Armada em 2002, por ocasião da publicação da tradução do romance para o inglês:

En el libro juego con cosas reales y de ficción, pero no soy un posmoderno y no creo que sea lo mismo la realidad que la ficción. Hay cosas reales que merecen ser contadas como tales y las que pertenecen al mundo de la novela, que son de ficción. […] En conjunto, creo que las lindes entre lo real y lo ficticio están bastante claras, por una razón, sobre todo ideológica, porque no soy posmoderno, sino moderno. (MUÑOZ MOLINA, 2002, p. 2)

Está claro que Sefarad é um romance constituído de experiência e de invenção. Nos capítulos em que o narrador básico, para usar uma expressão de Valdivia (2012), narra suas próprias experiências, como em Olympia, por exemplo, embora não esteja explícita a mistura, um leitor mais experimentado na biografia e na obra de Muñoz Molina, é capaz de perceber o jogo. O protagonista anônimo de Olympia é um jovem de vinte e sete anos, auxiliar administrativo em uma repartição pública da prefeitura de uma cidade que não é nomeada mas que, pelas referências deixadas no texto21, é possível perceber que se trata de Granada. Descontente com o trabalho e com o casamento, o personagem aspira a uma carreira como escritor. Em uma viagem de trabalho a Madri, o protagonista decide procurar por uma ex- namorada, na esperança de ver reacender uma antiga paixão, e de dar um novo sentido à vida. Mas, essa é uma obra de ficção, e qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Aos vinte e sete anos de idade, Muñoz Molina era funcionário público da prefeitura de Granada, estava casado com sua primeira esposa e tinha um filho. O

descontentamento com o trabalho e o casamento naquele momento de sua vida são de conhecimento do público, são informações que estão em textos não literários e literários, como por exemplo, no recente romance autobiográfico Como la sombra que se va (2014). No entanto, quanto à possível ida do escritor à Madri em busca de uma ex-namorada, não há qualquer informação biográfica que a confirme. Justo Serna (2014, Novelas ejemplares22) destaca que

um dos procedimentos mais recorrentes nos romances de Muñoz Molina é a mescla do autobiográfico com as vidas possíveis que o autor imagina poder ter vivido: “[...] vidas supuestas que sin haberse dado cuenta han sido fantaseadas como posibles”.

O capítulo Berghof, ao contrário da maior parte dos capítulos de Sefarad, não teve seu argumento central extraído de nenhum livro que o autor tenha lido23, nem de um relato que ele tenha escutado. Os personagens e o enredo surgiram da imaginação do escritor, mas alguns materiais, tais como, os espaços em que a narrativa se desenvolve e detalhes descritivos desses ambientes, tiveram sua origem em experiências pessoais de Muñoz Molina.

Em algumas passagens do romance, como nas composições dos cenários da morte do personagem Willi Münzenberg (1889 - 1940) e da viagem de José Luis Pinillos (1919 – 2013) à cidade estoniana de Narva, o narrador admitirá a intervenção de seu imaginário artístico.

Esses exemplos, que logo adiante serão discutidos mais detidamente24, servem apenas para ilustrar alguns dos procedimentos que o autor utiliza para mesclar experiência e imaginação. Entretanto, não é necessário ser um escritor pós-moderno para suspender a fronteira entre realidade e ficção. Essa é uma das mais pronunciadas tendências do romance na atualidade, quer o classifiquemos como pós-moderno, quer o chamemos apenas de romance contemporâneo, entendendo a contemporaneidade como um prolongamento da experiência estética moderna, ao menos no que diz respeito à narrativa de ficção. A realidade e a ficção de fato não são a mesma coisa, mas quando a realidade adentra a forma do romance, ela se torna ficção. Ao escolher o romance como forma para contar as coisas da realidade, essas coisas deixam de pertencer ao mundo do real e passam a fazer parte do mundo da ficção. Portanto,

22 Citação extraída do livro Antonio Muñoz Molina: el tiempo en nuestras manos. Não há referência de página por se tratar de e-book. Todas as referências a esse livro constarão do nome do autor, do ano de publicação da obra e do título do capítulo em que se localiza a citação.

23 O enredo do capítulo, isto é, a história de um médico que lida com a angústia de ter de dar a um de seus pacientes o diagnóstico de HIV, e que rememora uma de suas viagens de veraneio ao litoral espanhol, na qual se vê lançado ao dilema de ter de salvar a vida de um ex-oficial das SS, é uma invenção moliniana. Entretanto, há uma inegável relação entre o capítulo Berghof e o romance A montanha mágica de Thomas Mann, obra da qual Muñoz Molina seguramente extrai alguma inspiração para imaginar o capítulo. A intertextualidade com o célebre romance alemão será explorada no capítulo 2. A intertextualidade em Sefarad.

diante das colocações de Muñoz Molina sobre a presença da ficção e da não ficção na feitura de Sefarad, alguns questionamentos me ocorrem. De que maneira um autor pode distinguir, dentro da forma do romance, o que é real do é que fictício? É possível deixar nítida a linha que separa essas duas dimensões? O autor pode até dizer para o seu leitor: “Veja bem, aqui estou contanto a verdade como ela realmente aconteceu, e somente ali estou inventado!” Mas, quando a realidade é contada no romance, não se torna também ela uma ficção?

Segundo Jakobson (1976, p. 121) em uma forma de arte como a literatura, que tem como veículo a linguagem, torna-se mais difícil verificar o grau de veracidade entre a realidade e sua representação. Um escritor, quando deseja ser mais expressivo, tem à sua disposição, dentro de uma mesma língua, uma série de diferentes palavras para se referir a um mesmo objeto. Às vezes, a escolha do escritor é a palavra menos óbvia, aquela que mais indiretamente remete ao objeto, mas, ainda assim, o objeto será reconhecido pelo leitor por causa do contexto em que este está inserido. Isso quer dizer que, uma mesma realidade pode ser representada com menos desvios, da maneira mais colada possível ao real, como pretendiam os romances produzidos pela escola realista do século XIX, ou pode ser recriada com desvios e deformações, o que não impede que essa realidade ainda seja identificada como tal. Por isso, para Jakobson, o realismo é um termo vago, infeliz, convencionado e relativo.

No ensaio Que é a literatura, Sartre defende que a prosa é como a fala, um discurso que se serve do signo como instrumento. E o signo, por sua vez, remete sempre a algo exterior a ele. O signo não é o objeto em si, mas uma designação, uma representação dele: “Falar é agir; uma coisa nomeada não é mais inteiramente a mesma, perdeu a sua inocência.” (SARTRE, 2004, p. 20) Ao escolher com que palavras deseja representar uma determinada realidade, um escritor está agindo, direcionando significados. Logo, os signos utilizados na prosa para referir- se ao real, não são a realidade, mas uma representação dela.

Uma noção importante para o pensamento sartriano nesse ensaio é a de desvendamento. Para o filósofo francês, mais que apresentar ou representar a realidade, o que a prosa faz é desvendá-la. O objeto literário não começa a existir quando é escrito. Para existir enquanto tal, ele precisa de um outro movimento, o da leitura. A realidade, portanto, só passa a fazer parte de um dado objeto literário no instante em que ela é percebida pelo leitor:

O erro do realismo foi acreditar que o real se revelava à contemplação e que, em consequência, podia-se fazer dele uma pintura imparcial. Como seria isso possível se a própria percepção já é parcial, se a nomeação, por si só, já e modificação do objeto? (SARTRE, 2004, p. 50).

Já Roland Barthes (1980) apresenta duas opiniões contraditórias no tocante à relação da literatura com a realidade, a primeira diz respeito à mathesis e a segunda à misesis, duas das três forças da arte literária. Mathesis é como Barthes se refere ao carácter interdisciplinar da literatura. Uma obra literária pode conter saberes de diferentes áreas, o que faz da literatura a mais importante disciplina dentre todas as outras, porque ela não pode se referir a outra coisa que não seja a realidade: “É nesse sentido que se pode dizer que a literatura, quaisquer que sejam as escolas em nome das quais ela se declara, é absolutamente, categoricamente realista: ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real.” (BARTHES, 1980, p. 17 – 18)

A mimesis, a segunda força da literatura, remete ao aspecto representativo da arte literária. Desde a antiguidade, o afã da literatura é representar o real. Barthes não acredita na possibilidade da representação do real pela literatura, mas afirma que a literatura só existe porque o homem está, incessantemente, tentando representar o real. Apoiado no argumento lacaniano de que o real não pode ser apreendido pelo consciente e, portanto, não pode ser representado pelo discurso, e no argumento de que a realidade é pluridimensional e, por isso, não pode ser representada pela linguagem que é unidimensional, Barthes aponta a ambiguidade da literatura:

Eu dizia há pouco, a respeito do saber, que a literatura é categoricamente realista, na medida em que ela sempre tem o real por objeto de desejo; e direi agora, sem me contradizer, porque emprego a palavra em sua acepção familiar, que ela é também obstinadamente: irrealista; ela acredita sensato o desejo do impossível. (BARTHES, 1980, p.22)

É importante ressaltar que, nessa passagem, as palavras realista e irrealista não são colocadas em oposição, pelo contrário, o que afirma Barthes é que a literatura lida, ao mesmo tempo, com as duas dimensões, com o real e com o irreal. A matéria que a literatura está continuamente tentando representar é a realidade, mas a representação não pode obter outro produto que não seja a ficção.

Escolhi apenas três exemplos para ilustrar como, ao longo do século XX, a filosofia e a teoria literária tendem a desconfiar da capacidade da literatura de representar a realidade, ou, em casos menos radicais, relativizam o realismo na literatura, entendendo que, pelo simples fato de se tratar de um trabalho de linguagem, a transposição da realidade ao texto literário acaba por criar ficção. Diante desse cenário, proponho três questionamentos:

1. Por que Muñoz Molina escreve um romance e tenta silenciar o caráter imaginário da memória?

3. Por que ressalta a experiência em detrimento da invenção, desconsiderando que a experiência, ao ser narrada no romance, também se torna ficção?

Para responder à primeira pergunta, argumento que o narrador de Sefarad quase que silencia a problemática sobre a natureza imaginária da memória, porque Muñoz Molina é um escritor que acredita no que Ricœur chama de dimensão veritativa da memória.

Ainda na antiguidade clássica, Aristóteles postulou que, se não se pode memorizar o futuro e sobre ele pode-se apenas formar conjecturas; se não é possível memorizar o presente, mas apenas senti-lo; resta a certeza de que “A memória é [...] do passado”. (ARISTÓTELES apud TOMÁS DE AQUINO, 2016, p. 31)

Ricœur (2007, p. 25) chama a atenção para uma tradição filosófica que vai do empirismo de língua inglesa ao racionalismo de criação cartesiana, que preferiu abordar a questão da memória ressaltando sua condição imaginária. Para o filósofo, é curioso como essa tradição ignorava a função da memória como recurso de acesso ao passado, o que ele entende como uma forma de desvalorização da memória. Em sua extensa fenomenologia, Ricœur quer operar na contracorrente dessa desvalorização, começando por deixar um pouco de lado a questão da imaginação, entendida como criação que tem como produto a ficção, para assumir a memória como fenômeno cuja principal função é retomar uma realidade anterior.

Para assegurar a defesa da memória como verdade sobre o passado, Ricœur elege a premissa aristotélica como eixo norteador de seu trabalho, recusando-se a aproximar-se do conceito de memória a partir de suas deficiências ou distúrbios, e preferindo abordá-la a partir de sua capacidade de realização, capacidade esta a qual o filósofo chama de memória bem- sucedida:

[...] o que justifica essa preferência pela memória ‘certa’ é a convicção de não termos outro recurso a respeito da referência ao passado, senão a própria memória, [...] Se podemos acusar a memória de se mostrar pouco confiável, é precisamente porque ela é o nosso único recurso para significar o caráter passado daquilo que declaramos nos lembrar. Ninguém pensaria em dirigir semelhante censura à imaginação, na medida em que esta tem como paradigma o irreal, o fictício, o possível [...] (RICŒUR, 2007, p. 40).

A memória sempre ocupou uma posição privilegiada na trajetória literária de Muñoz Molina, sendo a responsável por provocar uma virada estética na produção romanesca do escritor. A publicação de El jinete polaco, mostrou à crítica e ao público, que o autor andaluz era capaz de ir além dos romances de intrigas bem arquitetadas, emolduradas por contextos históricos pertinentes. Foi com a escrita de um romance de memória que Muñoz Molina conquistou os prêmios Planeta (1991) e Nacional de Literatura (1992), garantindo de forma

definitiva seu lugar entre os melhores narradores da ficção espanhola contemporânea. Desde então, o autor não deixou de usar a memória como fonte para a escrita, haja vista a publicação de Ardor guerrero, e dos romances Sefarad, El viento de la luna e o recente Como la sombra que se va. Esse percurso criativo demonstra o valor que o escritor dá à memória como inspiração para a escrita.

Ao contrário do que havia feito em El jinete polaco, em Sefarad, Muñoz Molina prefere não problematizar tanto a condição imaginária da memória, não apenas porque ele acredita na capacidade que a rememoração tem de recuperar a realidade do passado. Esse quase silenciamento se dá porque o autor deseja estabelecer, para com o seu leitor, um pacto de verdade.

Em El jinete polaco, embora as experiências vividas pelo protagonista Manuel tenham sido evidentemente inspiradas nas experiências do escritor, este se sentia mais à vontade em plantar a desconfiança, afinal, tratava-se de suas lembranças pessoais. A desconfiança na fidelidade da memória poderia acrescentar camadas de complexidade ao texto de Sefarad, mas o recalcamento dessa problemática25, além de ser um artifício retórico empregado para não ameaçar o pacto de verdade estabelecido com o leitor, pode ser explicado por duas outras razões. Em primeiro lugar, pelo fato de que a maior parte das experiências narradas no romance pertencem a outros e, em segundo lugar, pela própria natureza traumática desses relatos. Muñoz Molina não se sente confortável em duvidar do que leu nos testemunhos, biografias, autobiografias e diários dos sobreviventes dos campos de concentração nazistas e soviéticos. Assim como não se permite desacreditar os relatos que ouviu de exilados, expatriados e migrantes.

O pacto de verdade que Muñoz Molina deseja manter com o leitor de Sefarad é um argumento que também responde à segunda questão proposta. Quando o romance foi publicado, muitos críticos ressaltaram como um dos valores da obra, a mistura da ficção com a não ficção. Pablo Valdivia destaca:

Antonio Muñoz Molina, por tanto, no escribe esta novela desde la voluntad de dar una clase de Historia, sino desde la idea de que sean múltiples narraciones las que nos expliquen el mundo al entender que la ficción de la realidad, desde el momento que aceptamos que representamos el mundo ficcionalmente está mucho más cercana de la ‘realidad’ misma que una escritura que pretenda ser fiel reflejo del mundo al que