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3. A CAUTELARIDADE NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

4.4 ESPÉCIES

4.4.1 Prisão em flagrante

4.4.1.3 Espécies de flagrante

Três são as espécies de flagrante previstos em nosso Código de Processo Penal, quais sejam: 1) flagrante próprio ou real – quando o infrator é surpreendido praticando a infração penal, ou quando acabou de cometê-la, nos moldes dos incs. I e II do art. 302 do Código de Processo Penal; 2) flagrante impróprio ou quase flagrante – quando o infrator é perseguido, logo após o cometimento da infração penal, em uma situação que faça presumir ser ele o autor do fato criminoso, nos termos do inc. III do art. 302 do Código de Processo Penal; 3) flagrante presumido, ficto ou assimilado – quando o infrator é encontrado, logo depois ao cometimento do delito, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.186

Deve haver relação de imediatidade entre o momento da prática do delito, e o início da perseguição do infrator, empreendida por agente policial ou por terceiras pessoas, na hipótese do inc. III do art. 302 do Código de Processo Penal. Isso porque quando o dispositivo legal em questão menciona “perseguição do agente logo após o crime”, por certo, não admite que o início da perseguição do infrator possa ocorrer muito tempo depois do cometimento do crime.

A configuração do flagrante na modalidade presumido (art. 302, inc. IV do Código de Processo Penal), da mesma forma, não admite um elastério temporal muito grande entre o momento da prática do delito e a localização do suposto infrator, mesmo porque, nesta situação, a certeza quanto a autoria já não é algo que se possa atestar, uma vez que nem perseguição do agente houve, após a infração.187

Em relação ao flagrante nos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal privada, a Autoridade Policial e seus agentes devem fazer cessar a prática da respectiva infração, a fim de manter-se a paz social. Entretanto, a lavratura do auto de prisão em flagrante resta condicionada à concordância da vítima (na ação penal privada e pública condicionada à representação) e à requisição do Ministro da Justiça (na ação penal pública condicionada à requisição de tal Autoridade).

186 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012

187 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 19312 / GO – Goiás. Habeas Corpus. Relator: Min. Edson Vidigal. Quinta Turma. Data do Julgamento: 26-03-2002. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=habeas+corpus+193 12&b=ACOR>. Acesso em: 11 de janeiro de 2013.

Tais exigências devem ser observadas no auto de prisão em flagrante porque a lei, nas referidas ações penais, impôs certas formalidades, verdadeiras condições de procedibilidade, sem as quais nem mesmo a ação penal pode ser intentada. Assim, se houver a lavratura do auto de prisão em flagrante sem a observância de ditas formalidades, a prisão será ilegal.

Em se tratando de crime permanente, considera-se o agente em flagrante delito enquanto não findar a permanência, nos termos do art. 303 do Código de Processo Penal.188

Assim, por exemplo, nos crimes (permanentes) de sequestro ou cárcere privado (art. 148 do Código Penal), extorsão mediante sequestro (art. 159 do Código Penal), e quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal), enquanto não cessar a permanência, poderá ser efetuada a prisão em flagrante.189

Os crimes habituais podem ensejar a prisão em flagrante, desde que sejam angariadas, recolhidas, provas contundentes acerca da habitualidade no momento da prisão. São exemplos de crimes habituais os seguintes: curandeirismo (art. 284 do Código Penal); manutenção de casa de prostituição (art. 229 do Código Penal); e, exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282 do Código Penal).190

A propósito, por meio do “habeas corpus” n. 36.723, julgado em 27-05-1959, com publicação no Diário da Justiça em 05-09-1960, o órgão Pleno do Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Nelson Hungria, deixou assentada a possibilidade de ocorrer prisão em flagrante em crime habitual.191

Existem ainda quatro modalidades de flagrante, comumente tratadas pela doutrina, as quais, em um primeiro momento, podem causar certa confusão, mas que, em verdade, indicam situações distintas, com consequências jurídicas também diversas. Está-se aqui falando dos flagrantes preparado, esperado, forjado e prorrogado.

O flagrante preparado ocorre quando o agente é instigado, de forma insidiosa, pela polícia ou por particular, a praticar um delito, mas ao mesmo tempo são adotadas providências que impedem a sua consumação.

188 Permanentes são aqueles crimes em que a consumação se prolonga no tempo, de acordo com a vontade do agente.

189 BRASIL. Decreto Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 de dezembro de 2012.

190 Habituais são crimes que só restam caracterizados pela prática repetida de atos, e não com um ato isolado apenas, constituindo um estilo ou hábito de vida do agente.

O flagrante em questão é ilegal e, por conseguinte, autoriza o relaxamento da prisão. A Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal dispõe sobre o flagrante preparado nos seguintes termos: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.192

Importante identificar que a referida Súmula exige dois elementos imprescindíveis à configuração do flagrante preparado: preparação e não consumação do delito. Assim, se o flagrante for preparado, mas houver consumação do crime, haverá delito e o indivíduo pode ser preso em flagrante.193

O flagrante esperado, diferentemente, ocorre quando terceiras pessoas, normalmente agentes policiais, recebem notícias a respeito da futura prática de uma infração penal que irá acontecer em determinado lugar, e, assim, dirigem-se ao local indicado, aguardando a ocorrência da mesma. Quando surpreendido na prática do delito, nessa situação, o infrator será enquadrado em flagrante, que será legal.

O que ocorre no flagrante esperado é apenas uma situação de vigilância, em que terceiras pessoas, normalmente policiais, aguardam o momento da prática da infração penal para realizarem a respectiva abordagem do infrator, não havendo que se falar em instigação da vontade deste, que age sem qualquer incentivo externo, mas sim, por sua exclusiva vontade. O flagrante forjado ocorre quando agentes policiais inescrupulosos, abusando do poder conferido pelo art. 244 do Código de Processo Penal, realizam buscas (pessoal ou domiciliar) e, nessas ocasiões, colocam no bolso do indivíduo abordado ou no interior de sua residência, instrumentos ou drogas ilícitas, por exemplo, a fim de incriminá-lo, falsamente. Obviamente que, nesta situação, o agente abordado não cometeu crime, devendo ser relaxada a prisão, porque ilegal, mas os agentes policiais sim, nos termos da Lei n. 4.898/65.194

De outro lado, o flagrante prorrogado, também chamado de diferido, retardado ou ação controlada, previsto na Lei 9.034/95, permite que agentes policiais retardem a abordagem do que se supõe ação praticada por organizações criminosas, desde que, nos termos do art. 2º, inc. II da Lei em questão: “[...] mantida sob observação e acompanhamento

192 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 145, de 06 de dezembro de 1963. Disponível em: < http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0145.htm>. Acesso em: 10 de janeiro de 2013.

193 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 757. 194 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 757- 758.

para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.”195

Portanto, a não autuação em flagrante de imediato, por agentes policiais, de indivíduos que, ao que tudo indica, fazem parte de organização criminosa, não configura crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal). Todavia, deve haver prévia observação e acompanhamento por parte de agentes policiais sobre a organização criminosa, a fim de concluir-se que a ação desenvolvida por um único agente, por exemplo, está ligada àquela empresa do crime, pois, do contrário, a não realização de um flagrante “menor” poderá constituir omissão do policial e, assim, configurar crime de prevaricação.

O flagrante prorrogado, desde que realizado nas referidas condições, e visar à interdição de organização criminosa, é legal.

Oportuno ainda registrar que a Lei 11.343/06 também autoriza o flagrante prorrogado nos crimes trazidos pela mesma (art. 53, inc. II), desde que o objetivo seja identificar e responsabilizar o maior número de pessoas ligadas a operações de tráfico ilícito de entorpecentes. Entretanto, nessa situação, deverá haver prévia autorização judicial para que os agentes policiais possam retardar a sua atuação quanto à efetivação do flagrante, e o Ministério Público deverá sempre ser ouvido previamente. Ademais, nos termos do que dispõe o art. 53, parágrafo único da Lei 11.343/06: “[...] Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.”196

Assim, para poder haver retardamento da atuação policial quanto ao flagrante delito em ações criminosas ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes, deve haver prévia investigação policial, e a mesma deve ter identificado o trajeto provável dos autores e colaboradores do delito.

195 BRASIL. Lei n. 9.034, de 03 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9034.htm>. Acesso em: 20 de janeiro de 2013. 196 BRASIL. Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 10 de janeiro de 2013.