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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRISÕES CAUTELARES

3. A CAUTELARIDADE NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

4.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRISÕES CAUTELARES

O encarceramento de infratores existe desde os tempos mais remotos, de forma que na Antiguidade não possuía o caráter de pena, baseando-se em outras razões. Até o final do século XVIII, a prisão tinha por finalidade exclusiva a contenção e a guarda de acusados, para que fossem preservados fisicamente até que sobreviesse o momento do julgamento, ocasião em que poderiam ser executados.146

Bitencourt também pontua:

Grécia e Roma, pois, expoentes do mundo antigo, conheceram a prisão com finalidade eminentemente de custódia, para impedir que o culpado pudesse

144 SILVA JR, Euclides Ferreira da. Prisão, Liberdade Provisória, Habeas Corpus. Teoria e Prática. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 29.

145 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 249-251. 146 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 04.

substrair-se ao castigo. [...] A finalidade da prisão, portanto, restrigia-se à custódia dos réus até a execução das condenações [...]. A prisão dos devedores tinha a mesma finalidade: garantir que cumprissem as suas obrigações.147

Na Idade Média, a situação não foi diferente, ou seja, a privação da liberdade permanece sendo utilizada com o objetivo de custódia do indivíduo, até o seu julgamento, momento em que recebia bárbaros tormentos, como a mutilação de vários membros do corpo, ou mesmo era queimado na fogueira.148

Na Idade Moderna, a prisão-custódia é transformada em prisão-pena, não por intuitos humanitários, mas porque os encarcerados deveriam se adequar ao capitalismo. Surgem, então, as primeiras instituições de reclusão na Inglaterra e na Holanda. Assim, Melossi e Pavarini (apud Bitencourt) pontuam que:

É na Holanda, na primeira metade do século XVII, onde a nova instituição da casa de trabalho chega, no período das origens do capitalismo, à sua forma mais desenvolvida. É que a criação desta nova e original forma de segregação punitiva responde mais a uma exigência relacionada ao desenvolvimento geral da sociedade capitalista que a genialidade individual de algum reformador.149

Em nosso ordenamento processual penal, a privação da liberdade do imputado, anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, muito antes da legislação da época do Império, precisamente as Filipinas, do século XIV, sempre foi justificada no risco de não comparecimento do imputado no processo, para o julgamento.150

De outro lado, existiam diversas modalidades de liberdade provisória que poderiam ser concedidas ao acusado para garantir a sua presença no dia do julgamento, como, por exemplo, aquela concedida mediante fiança. Todavia, a liberdade do acusado preso em flagrante durante o processo não constituía a regra, mas sim, a sua prisão. Tal benefício era considerado mera faculdade do Poder Público e não um direito do indivíduo.151

147 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 08.

148 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 09.

149 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 21-22.

150 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 572.

151 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 572.

Ou seja, porque a presunção que imperava contra o imputado preso em flagrante era de culpabilidade, durante todo o processo, é que só eventualmente se concedia ao mesmo a liberdade, e isso explica a utilização até os dias de hoje da expressão liberdade provisória, que nada mais indica do que um ranço dessa época de presunção de culpabilidade, em que o que era provisória era a liberdade, parecendo que a prisão não.

A Constituição de 1824, chamada de “Constituição Política do Império do Brasil”, outorgada por Dom Pedro I, em 25.03.1824, adotou a Monarquia como forma de governo, dividindo os territórios em províncias, e instituiu além dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Poder Moderador, exercido exclusivamente pelo Imperador.152

A Constituição de 1937, intitulada de “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, foi inspirada na Constituição fascista da Polônia, e por isso ficou conhecida como Constituição Polaca. Houve o fortalecimento do Poder Executivo Federal, de forma que restaram concentrados nas mãos do Presidente da República os Poderes Executivo e Legislativo. Inclusive, sob a égide de tal Constituição: “Getúlio Vargas legisla por via de Decretos-leis que ele próprio depois aplicava como órgão do Executivo.”153

Assim, o Código de Processo Penal de 1941, apesar de ter sido o resultado de uma ditadura imposta por Getúlio Vargas, sob a égide da Constituição pátria de 10.11.1937, continuou o ideal de presunção de culpabilidade que imperava anteriormente, desde a época das Ordenações do Reino.

O Ato Institucional n. 5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do General Costa e Silva, mais conhecido como AI-5, representou ao País a não apreciação pelo Poder Judiciário de diversas lesões a direitos praticadas pelos órgãos de repressão política, porquanto o “habeas corpus” foi suspenso pelo referido ato institucional para os chamados crimes políticos. Isso não significa que a violência, naquela época, era institucionalmente permitida, mas também não havia como ser questionada.154

De outro lado, mesmo na época da Ditadura, de Vargas e a Militar, o Código de Processo Penal de 1941 passou a evoluir para o caminho da liberdade. A Lei 5.349, de 03 de novembro de 1967 acabou com a prisão preventiva obrigatória. A Lei 5.941, de 22 de

152 OLIVEIRA, Erival da S.; ARAUJO JR., Marco Antonio.; BARROSO, Darlan (Coord.). Direito Constitucional. Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 159.

153 BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 10 de dezembro de 2012.

154 BRASIL. Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. Disponível em:

novembro de 1973, que ficou conhecida como Lei Fleury, modificou o Código de Processo Penal atual, passando a prever a possibilidade de o réu aguardar o trânsito em julgado do processo em liberdade, desde que fosse primário e de bons antecedentes (antiga redação do art. 408, parágrafo 2º do Código de Processo Penal).

Na mesma linha evolutiva de liberdade, a Lei 6.416 de 24 de maio de 1977 criou muitas possibilidades de libertação de acusados antes da sentença com trânsito em julgado, haja vista a inserção do parágrafo único ao art. 310 do Código de Processo Penal (atualmente já alterado pela Lei 12.403/11) que previa a possibilidade de concessão de liberdade provisória, desde que não presentes os requisitos da prisão preventiva, o que, segundo alguns posicionamentos, inclusive de Tribunais, abarcou também os crimes inafiançáveis.

Não obstante todas essas leis tenham alterado dispositivos do processo penal em questões atinentes à prisão e à liberdade durante o processo, a perspectiva teórica do Código de Processo Penal, de 1941, permanecia inalterada, autoritária, sedimentada na presunção de culpabilidade e de periculosidade do imputado “prevalecendo sempre a preocupação com a segurança pública, como se o Direito Penal constituísse verdadeira política pública.”155

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi promulgada e publicada em 05.10.1988, e ficou conhecida como a “Constituição Cidadã”, sobretudo porque fundou o Estado Democrático de Direito, “[...] autolimitando o poder do Estado ao cumprimento das leis que a todos subordinam.”156

A Magna Carta de 1988, fundamentada na dignidade humana, estabeleceu garantias individuais bastante importantes, como a presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII) e todo um regramento a ser observado pelo Estado no tratamento com o preso (exemplo, art. 5º, incs. LXI a LXVI).157

O advento da Magna Carta de 1988 representou uma nova ordem constitucional. Se antes o processo penal era visto como uma forma de aniquilar o acusado, com a nova Lei Maior o processo penal passou a ser compreendido como uma maneira de realização do poder

155 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 08.

156 OLIVEIRA, Erival da S. ARAUJO JR., Marco Antonio; BARROSO, Darlan (Coord.). Direito Constitucional. Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 162.

157 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2013.

de punir do Estado, mas também como um “[...] instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado.”158

Já, sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Lei 11.719 de 20 de junho de 2008 também contribuiu para a manutenção da liberdade dos imputados antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, uma vez que, dentre vários dispositivos que alterou e revogou, acabou com a necessidade de o réu, condenado recorrivelmente, ter de recolher-se à prisão ou pagar fiança, esta quando fosse cabível, para poder interpor recurso de apelação, razão pela qual foi revogado o art. 594 do Código de Processo Penal, prevalecendo, assim, o duplo grau de jurisdição e a presunção de inocência.

Se as reformas anteriores foram pontuais, não chegando a sedimentar o paradigma da liberdade como a regra durante o processo, antes do trânsito em julgado da sentença penal, a Lei 12.403 de 04 de maio de 2011, ao menos demonstrou tal intento, uma vez que alterou toda a sistemática das prisões cautelares, modificando o Código de Processo Penal, do art. 282 ao art. 350, deixando claro em várias passagens dos dispositivos legais que a prisão preventiva constitui medida extrema, só devendo ser decretada quando as providências cautelares descarcerizadoras, que inaugurou, entre os arts. 318 a 320 do Código de Processo Penal, não se mostrarem adequadas e necessárias diante do caso concreto.

Greco Filho assinala que a Magna Carta de 1988 prevê várias disposições a respeito do processo penal e da prisão, razão pela qual o Código de Processo Penal de 1941 necessita de uma interpretação que se coadune com a Lei Maior, que realize os princípios desta. Enfatiza, por outro lado, que:

O tema prisão processual sofre, com mais intensidade, a carga emotiva do momento político, social e econômico do País, gerando normas casuísticas, medidas provisórias e leis (e até normas constitucionais), o que dificulta ainda mais uma formulação sistemática e coerente do tema. Todavia, um sistema existe. E bem delineado no Código.159

Com a Lei 12.403/11, pensamos que o sistema das prisões cautelares restou melhor delineado no Código de Processo Penal, bem como mais comprometido com os princípios da Lei Maior, em que pese a efetividade do sistema processual penal depender da real aplicação dos ditames da nova lei, não bastando que fique apenas no papel.

158 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 08.

De qualquer maneira, não obstante a prisão, ainda mais processual, constituir exigência amarga, demonstra também ser indispensável em alguns casos. Inclusive, a história das prisões não identifica a sua paulatina abolição, senão a sua reforma. As reformas têm preconizado o aperfeiçoamento da prisão, quando necessária, bem como a sua substituição, quando possível e aconselhável.160