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3. A CAUTELARIDADE NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

4.4 ESPÉCIES

4.4.1 Prisão em flagrante

4.4.1.4 Procedimento

O devido processo legal, em matéria processual penal, deve ser compreendido no sentido “lato”, abarcando também a fase de autuação do infrator em flagrante.

O auto de prisão em flagrante nada mais é do que a documentação da situação verificada de flagrante, indispensável, até para que a legalidade da prisão possa ser analisada posteriormente.

Essa documentação da prisão em flagrante não pode ocorrer sem a observância de formalidades legais, sob pena de relaxamento da prisão em flagrante por vício formal.

Nos termos do art. 304 do Código de Processo Penal, uma vez apresentado o preso à Autoridade Policial, “ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso.”197

Em seguida à entrega do preso à Autoridade Policial, esta deverá colher o depoimento das testemunhas e, após, realizar o interrogatório do suposto infrator “sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.”198

Após a lavratura do auto de prisão em flagrante, a Autoridade Policial determinará o recolhimento do autuado à prisão, desde que não se mostre cabível a liberação imediata do mesmo por meio do arbitramento de fiança, nos termos do que prescreve o art. 322 do Código de Processo Penal: “a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.”199

Registre-se que a possibilidade de a Autoridade Policial conceder fiança foi ampliada pela Lei 12.403/11, porque anteriormente à reforma só poderia fazê-lo em delito apenado com detenção ou prisão simples.

Se por acaso a Autoridade Policial não se afigurar competente para o prosseguimento do inquérito policial, deverá enviar os autos à Autoridade que o seja, nos termos do art. 290 e art. 304, parágrafo 1º, ambos do Código de Processo Penal.

197 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

198 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

199 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

A nota de culpa também constitui uma garantia do preso em flagrante, sobretudo para que o mesmo possa saber sobre os motivos de sua prisão. Tal formalidade deve ser observada, de modo que a Autoridade Policial tem o prazo de 24 horas para entregar referido documento ao preso, a contar da prisão, nos termos do art. 306, parágrafo 2º do Código de Processo Penal.200

A prisão em flagrante deve, em regra, ser formalizada pela Autoridade de Polícia Judiciária, mas a Magna Carta de 1988 não dispensa um controle judicial da legalidade dessa medida, notadamente porque o art. 5º, inc. LXV dispõe que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”, e ainda no inc. LXII, prescreve que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.”201

A Autoridade Policial tem até 24 (vinte e quatro) horas, após a efetivação da prisão, para encaminhar ao juiz competente o auto de prisão em flagrante, a fim de que possa ser realizado o controle de legalidade da prisão, bem como o juízo de necessidade quanto à sua manutenção.

Se no auto de prisão em flagrante, o autuado não informar o nome de seu advogado, deverá ainda ser remetida cópia integral do auto para a Defensoria Pública.

A partir da Lei 12.403/11, o magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, não mais pode determinar simplesmente, se é que algum dia pôde, a espera do transcurso do prazo para finalização do inquérito policial.

Nos termos do art. 310 do Código de Processo Penal, tão logo receba o magistrado o auto de prisão em flagrante, deve analisar sobre a legalidade e, logo em seguida, acerca da necessidade da prisão. Se desejar manter o autuado em flagrante na prisão, após constatar a legalidade da medida, necessariamente deverá primeiro asseverar a sua respectiva legalidade e, assim, homologar o flagrante, e deverá também converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, de forma fundamentada, se presentes as necessárias condições (arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal).202

200 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível

em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

201 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2013.

202 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

Dessa forma, assim que receber o auto de prisão em flagrante, o magistrado não poderá determinar simplesmente o aguardo do prazo para finalização do inquérito policial, devendo analisar a sua legalidade, bem como sobre a necessidade de privação cautelar da liberdade do autuado.203

Há necessidade de conversão judicial da prisão em flagrante em prisão preventiva para que a privação da liberdade do autuado permaneça no caso concreto. Nesse sentido, a prisão em flagrante deve ser substituída pela prisão preventiva, se presentes os requisitos desta.204

Registre-se que a reforma ditada pela Lei 12.403/11 também estabeleceu, por meio do art. 306 do Código de Processo Penal, que a prisão em flagrante deve ser comunicada imediatamente não apenas ao juiz competente, à família do preso ou à pessoa por ele indicada, e à Defensoria Pública, se o preso não tiver advogado, mas também ao Ministério Público.205

Assim, o art. 306 do Código de Processo Penal passou a determinar que a prisão em flagrante seja cientificada também ao Ministério Público, embora o parágrafo único do mesmo dispositivo legal dispense a remessa de cópia do auto à mesma Autoridade. Contudo, esta desnecessidade de remessa ao Ministério Público de cópia do auto de prisão em flagrante, se deve ao fato deste ter ciência dos atos processuais nos próprios autos.

A grande questão é estabelecer em que momento o Ministério Público deve ter vista dos autos, ou seja, se antes da decisão do magistrado sobre a ratificação ou não da prisão em flagrante, ou depois dela.

Na sistemática anterior à reforma processual ditada pela Lei 12.403/11, ao receber o auto de prisão em flagrante, antes de analisar sobre a concessão da liberdade provisória sem fiança, o juiz deveria propiciar a prévia manifestação do Ministério Público, de acordo com a antiga redação do art. 310, parágrafo único do Código de Processo Penal. Quando se tratava

203 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Processo: 2011.068085-7 (Acórdão). Habeas Corpus. Relator: Newton Varella Júnior. Origem: Joaçaba. Orgão Julgador: Primeira Câmara Criminal. Julgado em: 04/10/2011. Disponível em:

http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp?q=20110680857%20&cat=acordao_&radio_campo= integra&prolatorStr=&classeStr=&relatorStr=&datainicial=&datafinal=&origemStr=&nuProcessoStr= &categoria=acordao#resultado_ancora. Acesso em: 10 de janeiro de 2013.

204 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 108215 / MG – Minas Gerais. Habeas Corpus. Relator(a): Min. Marco Aurélio. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 30/10/2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28108215+%29&base=base Acordaos&url=http://tinyurl.com/arsqruj. Acesso em: 10 de janeiro de 2013.

205 BRASIL. Lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei n. 3689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade

provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em: 09 de março de 2013.

de concessão da liberdade provisória mediante fiança, o juiz poderia determiná-la sem prévia oitiva do Ministério Público, nos termos do art. 333 do Código de Processo Penal.

O art. 333 do Código de Processo Penal não restou alterado pela Lei 12.403/11, de maneira que o Ministério Público continua tendo vista dos autos depois do arbitramento da fiança pelo magistrado.206

Todavia, na sistemática atual, o art. 310 do Código de Processo Penal, modificado, não mais prescreve a prévia manifestação do Ministério Público antes de o juiz decidir pela manutenção ou não da prisão em flagrante.

Assim, acreditamos que em prol da razoabilidade na duração do processo e, precisamente, diante da necessidade de celeridade quanto à verificação da soltura do autuado, o legislador preferiu estabelecer a manifestação do Ministério Público após a decisão do magistrado sobre a questão da prisão em flagrante, desde que este verifique, de plano, a manifesta necessidade de soltura do autuado.

É que a liberdade constitui bem de valor inestimável, de maneira que a necessidade de soltura do autuado não poderá ser ignorada, quando o magistrado, de plano, evidenciar que é caso de imediata concessão da liberdade, mormente diante da evidente impossibilidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.

Da mesma forma, pensamos que o magistrado deverá agir se detectar, de plano, a necessidade de substituição da prisão em flagrante por medida cautelar diversa da prisão, a despeito de o art. 282, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal estabelecer que antes do processo o juiz não pode determinar medida cautelar de ofício.207

Todavia, se considerar ser o caso de imposição da prisão preventiva, antes de decidir, deve o juiz ouvir o Ministério Público, não podendo decretá-la de ofício antes do curso da ação penal.

Esta, ao que parece, é a interpretação que melhor prestigia a liberdade e a dignidade do acusado, princípios estes, bastante colimados pela Lei 12.403/11 e pela Lei Maior.

206 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível

em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

207 Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). [...]§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).” (BRASIL, 1941)

Não se olvide que a prisão em flagrante constitui medida precária, porque sua efetivação não ocorre a partir da verificação da existência de todos os requisitos exigidos à tutela cautelar. Assim, se a necessidade de concessão de liberdade plena ou medida cautelar descarcerizadora ao autuado for detectada de plano, pelo juiz, diante do auto de prisão em flagrante recebido, pensamos que tal situação deverá ser imediatamente amparada.

De outro lado, não se quer aqui restringir a atuação do Ministério Público sobre a análise da prisão em flagrante, e assim nem poderia sê-lo, mormente porque em todas as demandas criminais o órgão é fiscal da lei e, na maioria das ações penais, é titular da ação penal. Acreditamos apenas que, diante da sistemática atual, se for o caso de soltura imediata ou da concessão de medida descarcerizadora, também identificada de plano, deve o juiz deferir tais medidas, não podendo retardar o procedimento de soltura do autuado.

Isso porque a Lei 12.403/11 enalteceu as garantias constitucionais da liberdade e da celeridade, o que deixa claro em diversos dispositivos legais, mormente quando registra que a prisão cautelar é sempre medida excepcional. Se é assim com a prisão cautelar, preocupação ainda maior deve existir com a prisão em flagrante, a qual constitui medida pré- cautelar, que, por si só, não mais se mantém.

Em outro giro, não se pode deixar de mencionar que a Lei 12.403/11 não previu expressamente no art. 310, do Código de Processo Penal, um prazo dentro do qual o magistrado deve realizar a análise sobre a conversão da prisão em flagrante em preventiva, ou concessão de liberdade provisória.

Não obstante tal silêncio legislativo, ao que parece, o prazo a ser observado pelo magistrado é aquele constante no art. 322, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o qual, determina que o prazo para o juiz conceder fiança, nos casos em que a Autoridade Policial não a arbitrou, é de 48 (quarenta e oito) horas.

Assim:

[...] Conclui-se que a autoridade policial dispõe de 24 (vinte e quatro) horas para remeter o auto de prisão em flagrante ao Juízo competente, ao passo que este terá 48 (quarenta e oito) horas para se pronunciar quanto à convalidação judicial da prisão em flagrante. Enfim, a partir do momento da captura do agente, o prazo global será de 72 (setenta e duas) horas, findo o qual a prisão em flagrante já deve ter sido relaxada, convertida em preventiva, ou ao acusado deve ter sido concedida liberdade provisória.208

Ou seja, parece que na atual sistemática processual penal, o indivíduo somente poderá perdurar preso em flagrante por, no máximo, 72 (setenta e duas) horas, eis que ao término desse prazo deverá ser adotada pelo magistrado uma das providências elencadas no já referido art. 310 do Código de Processo Penal.