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6. AS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS DIVERSAS DA PRISÃO

6.2 INICIATIVA

6.3.8 Fiança

A fiança esteve prevista em todas as Constituições brasileiras, com exceção da Constituição de 1937, tendo sido igualmente disposta nos Códigos de Processo Penal pátrios, bem como no Código de Processo Penal em vigor.411

A natureza jurídica da fiança sempre foi controvertida, uma vez que a medida não incide diretamente sobre a pessoa, não parecendo, dessa forma, constituir providência cautelar pessoal, fugindo, de outro lado, também da lógica das medidas cautelares reais, porque estas visam precipuamente à satisfação do dano experimentado pela vítima, já a fiança não se destina exatamente a esta finalidade.

A fiança criminal constitui caução, que assegura a liberdade provisória do indiciado ou acusado, bem como representa a assunção por parte deste, dos deveres provenientes de eventual condenação.412

A fiança também pode ser conceituada como garantia real de adimplemento das obrigações processuais pelo imputado, nos termos do art. 330, “caput”, do Código de Processo Penal.413

Conforme pontuam Marques da Silva e Walmer Freitas: “Atualmente não se fala mais em fiança fidejussória, que era uma garantia pessoal, baseada apenas na palavra do acusado. A fiança passou a ser uma cautelar nominada, prevista no art. 319, VIII, do CPP.”414

410 LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 993. 411 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 316.

412 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. Atualizado com a Lei da Prisão (Lei 12.403/2001). 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 271.

413 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

414 SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 518.

Nos termos do art. 327 e 328 do Código de Processo Penal, a fiança concedida, obriga o afiançado a comparecer perante a Autoridade, todas as vezes que restar regularmente intimado para atos do procedimento (processual ou investigativo), sob pena de quebramento da medida. Ademais, o réu afiançado, não poderá, sob pena de também ter quebrada a fiança, modificar de residência, sem prévia autorização da Autoridade processante, ou ficar afastado por mais de oito dias de sua residência, sem informar àquela Autoridade o local em que poderá ser encontrado.415

O Código de Processo Penal não elenca os crimes afiançáveis, mas sim, as hipóteses de inafiançabilidade, o que traduz a admissibilidade da concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança toda vez que não houver proibição legal para tanto. Registre-se, no entanto, que leis extravagantes também mencionam hipóteses de inafiançabilidade a determinados delitos, como a Lei 9.034/95, precisamente no seu art. 7º, aos agentes que tenham efetivamente contribuído com organização criminosa.416

Conforme já ventilado alhures, os crimes inafiançáveis, segundo determinação de nossa Lei Maior, são: racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, e os definidos como crimes hediondos, e as práticas vinculadas à “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado de Direito”, nos termos do art. 5º, incs. XLII, XLIII e XLIV da Magna Carta de 1988.417

O Código de Processo Penal repete a Lei Maior sobre as hipóteses de inafiançabilidade, bem como estabelece algumas circunstâncias (art. 324 do mesmo código), nas quais também não poderá ocorrer o arbitramento de fiança, quais sejam:

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II - em caso de prisão civil ou militar; III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011). IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). 418

415 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

416 BRASIL. Lei n. 9.034, de 03 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9034.htm>. Acesso em: 20 de janeiro de 2013.

417 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2013.

418 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

Na dicção do dispositivo legal acima referido, que já consta com a redação ditada pela Lei 12.403/11, aqueles que tiverem sido beneficiados com fiança e tiverem quebrado-a, ou seja, infringido obrigações inerentes à condição de afiançado, não poderão ser novamente beneficiados com a medida no mesmo processo em que tiveram a revogação da fiança.

Da mesma forma, não poderá ser concedida fiança na hipótese de prisão militar, porque nesta justiça tal providência inexiste, nem tampouco poderá sê-la em se tratando de prisão civil, pois o objetivo da constrição da liberdade nesta esfera é propiciar o pagamento de uma dívida, proveniente de obrigação alimentar.419

Na mesma senda, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva ou da prisão temporária, a fiança não poderá constituir um sucedâneo destas.

A liberdade provisória em nosso País, durante muito tempo, foi concentrada na fiança. Todavia, com o passar dos anos restou esquecida, mormente diante de reformas introduzidas no Código de Processo Penal, que estabeleceram, como regra, a liberdade provisória sem fiança.

Isso ocorreu, precipuamente, porque a Lei 6.416/77, inseriu o parágrafo único ao art. 310 do Código de Processo Penal, propugnando que quando não presentes as condições para a decretação da prisão preventiva, seria cabível a concessão de liberdade provisória sem fiança. Dessa forma, quando não presentes as condições para a prisão preventiva, a regra passou a ser a concessão de liberdade sem fiança, aos crimes afiançáveis e, também, porém não sem críticas, aos delitos inafiançáveis.420

Com a reforma, a fiança foi revigorada, permanecendo a proibição quanto ao cabimento da fiança aos crimes considerados inafiançáveis pela Magna Carta de 1988, o que, inclusive, o legislador fez questão de reiterar no art. 323 do Código de Processo Penal.421

As situações do art. 324 do Código de Processo Penal, conforme verificado, também não autorizam o arbitramento de fiança.

A Autoridade Policial também restou com poderes ampliados para a concessão da fiança, haja vista que, sob a ótica da lei anterior, somente poderia arbitrar fiança nos crimes

419 O Orgão Pleno do STF, em 03 de dezembro do ano de 2008 decidiu, por unanimidade, no julgamento do RE 466343, pela impossibilidade de prisão civil do depositário infiel.

420 BRASIL. Lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977. Alterou dispositivos do Código Penal (Decreto-lei número 2.848, de 7 de dezembro de 1940), do Código de Processo Penal (Decreto-lei número 3.689, de 3 de outubro de 1941), da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei número 3.688, de 3 de outubro de 1941), e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6416.htm>. Acesso em: 10 de dezembro de 2013. 421 SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 519.

apenados com detenção ou prisão simples. Agora, poderá fazê-lo nos crimes com pena máxima de até quatro anos de privação de liberdade, nos termos do art. 322 do Código de Processo Penal. Nos demais casos, conforme determina o parágrafo único do mesmo art. 322 do Código de Processo Penal, a fiança deverá ser postulada ao juiz competente. 422

Importante pontuar que, em se tratando de crime inafiançável, ainda que a pena máxima não supere quatro anos de privação da liberdade, é vedado o arbitramento da fiança seja pela Autoridade Policial ou pelo Juiz.

Os patamares de reajuste do valor da fiança foram modificados também pela reforma, nos termos do art. 325 do Código de Processo Penal. Todavia, o valor da fiança ficou vinculado ao salário mínimo nacional, o que, segundo a Magna Carta de 1988 seria vedado, nos moldes do que dispõe o seu art. 7º, inc. IV.423-424

O art. 326 do Código de Processo Penal menciona os critérios para o arbitramento da fiança, a saber:

Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.425

Registre-se que, quando a competência para o arbitramento da fiança for da Autoridade Judiciária, ou seja, nos crimes com apenação máxima, superior a quatro anos de privação de liberdade, ou nas hipóteses em que a Autoridade Policial demorar a conceder o benefício, a lei preconiza que seja arbitrada a medida pelo magistrado sem prévia manifestação do Ministério Público, nos moldes do art. 333 do Código de Processo Penal. A

422 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

423 Dispõe o art. 325 do CPP: “O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. § 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes”. (BRASIL, 1941).

424 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2013.

425 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

propósito, esta já era a dicção do referido código anteriormente à reforma ditada pela Lei 12.403/11.

Tal não significa, todavia, que o Ministério Público não poderá ratificar ou rebater eventual concessão judicial da medida, uma vez que terá acesso aos autos logo após a decisão judicial, conforme também dispõe o art. 333 do Código de Processo Penal.