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ESPÉCIES DE DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: TESTAMENTO VITAL (LIVING WILL) E MANDATO DUREDOURO (DURABLE POWER OF

3 UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE

3.4 ESPÉCIES DE DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: TESTAMENTO VITAL (LIVING WILL) E MANDATO DUREDOURO (DURABLE POWER OF

ATTORNEY FOR HEALTH CARE)

Como já dito anteriormente, as DAV constituem um gênero de manifestação de vontade para tratamento médico, do qual são espécies o testamento vital (living will) e o mandato duradouro (DPAHC).

Opta-se pela terminologia testamento vital, por este ter se tornado majoritariamente aceito pela doutrina e já estar consolidado, em que pese algumas impropriedades que esta possa ter, concordando-se aqui com Gabriel Furtado ao afirmar que “apesar de a ciência se fazer também pelo rigor conceitual, mais importante do que escavar o conceito é se ter um bom conceito”.86

85 DADALTO, Luciana. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Revista bioética do Conselho Federal de Medicina. V. 21, n. 3, 2013, p.463-476. Disponível em

<http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/855> Acesso em 05 de janeiro de 2018

86 FURTADO, Gabriel Rocha. Considerações sobre o testamento vital. In: Revista eletrônica de direito civil. A.2. n.4. 2013. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-

O testamento vital é um documento no qual um indivíduo expressa seus desejos acerca dos “cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar livre e autonomamente sua vontade”87, ao

passo que o mandato duradouro é outro documento em que o indivíduo nomeia uma ou mais pessoas para que tomem decisões relativas a tratamentos médicos quando encontrar-se impossibilitado de assim o fazer, tratando-se, portanto, de espécie em que há uma expressão substituta dos interesses do paciente.

O testamento vital enquadra-se no modelo de pura autonomia, de Beauchamp e Childress, vez que o paciente, quando ainda capaz, expressa manifestamente sua vontade, ao passo que o mandato duradouro se adequa ao modelo de julgamento substituto, pois imputa ao procurador de saúde a obrigação de decidir conforme o paciente decidiria se capaz estivesse.88

O testamento vital, por se tratar de instrumento que visa refletir os desejos médicos do paciente, sendo sua voz alta e clara quando só restar seu silêncio, trata- se, dos dois, do instrumento mais complexo. Como explicado, no Brasil, este instrumento encontra como limites para a discricionariedade do paciente as práticas distanásticas e ortotanásticas, já devidamente diferenciadas. Disso entende-se que não estão autorizadas disposições contrárias ao ordenamento jurídico vigente, tais quais a eutanásia ou o suicídio assistido, e que devem ser igualmente descartadas “as disposições que sejam contraindicadas à patologia do paciente ou tratamento que já esteja superado pela Medicina”.89

Dito isso, resta claro que, para que cumpra a função com que foi pensada é fundamental que o declarante especifique minuciosamente os tratamentos, medicamentos, procedimentos e cuidados que pretende ou não ter quando não puder manifestar-se livremente, fugindo portanto dos primeiros modelos norte- americanos, e que gerou grande parte das críticas ao instrumento dada a dificuldade na sua aplicação. Dada essa dificuldade de prever as situações limítrofes em que poderia se encontrar, mas que, ainda assim, gostaria de ver suas vontades

2017

87 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.. Resolução nº 1995 de 2012. Disponível em

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2012/1995_2012.pdf> 28 de outubro de 2017. 88 BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Loyola.

3a edição. 2013. p. 199.

89 DADALTO, Luciana. Aspectos registrais das diretivas antecipadas de vontade. Revista Síntese Direito de Família. Ano XV, 2013.

respeitadas, Dadalto indica hipóteses de orientações antecipadas que este poderá decidir sobre:

a) Ressuscitação cardiopulmonar, entendida como a abstenção da equipe de saúde em me reanimar caso meu coração pare de bater e eu pare de respirar; b) Respiração artificial; c) Grandes procedimentos cirúrgicos; d) Diálise; e) Quimioterapia; f) Radioterapia; g) Pequenas cirurgias que não servirão para me dar conforto ou aliviar minha dor; h) Exames invasivos; i) Antibióticos; j) Nutrição e hidratação artificiais, pois reconheço que a Medicina já comprovou que em graus avançados de doenças terminais o paciente não sente fome nem sede e, mais, muitas vezes estes procedimentos podem trazer mais desconforto;90

Em que pese a possibilidade de decisão acerca da nutrição e hidratação artificiais (NHA) terem sido listadas, trata-se tema extremamente controverso, como desenvolvido alhures.

Contudo, ainda que siga corretamente todas as indicações formais e legais, por se entender que trata-se de documento com eficácia erga omnes, necessário o esclarecimento que apesar dessa imposição dos desejos do paciente, o médico possui direito à objeção de consciência, previsto no Capítulo II, IX, do Código de Ética Médica (podendo, portanto recusar levara a efeito o quanto posto no testamento vital, devendo ser registrada a fundamentação da sua recusa).

O mandato duradouro (DPAHC), por sua vez, permite ao indivíduo que este indique uma ou mais pessoas de sua confiança, que serão responsáveis por tomar as decisões de saúde em caso de incapacidade temporária ou definitiva, por meio da substituição do consentimento informado, sendo imprescindível que o mandatário assine as DAV, aceitando o encargo para o qual está sendo nomeado. Destaca-se que este procurador para fins de saúde deverá decidir de acordo com as vontades do paciente, tentando expressar as decisões que provavelmente o paciente tomaria se capaz estivesse.

Em que pese tratarem-se de documentos distintos, eles podem vir condensados num mesmo instrumento. Tratam-se de espécies complementares que auxiliam-se mutuamente na tomada de decisão conforme a vontade do paciente,

90 DADALTO, Luciana. Aspectos registrais das diretivas antecipadas de vontade. Revista Síntese Direito de Família. Ano XV, 2013.

“vez que o procurador poderá decidir pelo paciente quando o testamento vital for omisso e, mais, poderá auxiliar a equipe médica quando a família se colocar contra a vontade manifesta no testamento vital”, pois este “sente dificuldade em respeitar a vontade do paciente, ainda que escrita, quando toda a família é contrária a essa vontade”, garantindo portando maior repeito à autonomia do declarante.91

Destaca-se que, apesar da extrema importância das DAV como forma de assegurar a autonomia do paciente, estas continuam tendo pouca adesão, quando analisada a situação nos países que já legislaram sobre o tema. De acordo com a American College of Emergency Physcians, em matéria divulgada em março de 2016, apenas pouco mais de 1/3 dos americanos possuíam alguma diretiva antecipada, ressaltando que se trata do primeiro país a legislar sobre o tema92.

Dadalto reforça essa informação indicando que a maioria destes optam por fazer em apenas um instrumento o testamento vital e o mandato duradouro, em menor quantidade apenas o mandato duradouro, e baixíssima é o engajamento ao testamento vital individualmente considerado.93

91 DADALTO, Luciana. Aspectos registrais das diretivas antecipadas de vontade. Revista Síntese Direito de Família. Ano XV, 2013.

92 AMERICAN COLLEGE OF EMERGENCY PHYSICIANS. Nearly Two-Thirds of Americans Don't Have Living Wills. Do You? 2016. Disponível em: <http://newsroom.acep.org/2016-03-21-Nearly- Two-Thirds-of-Americans-Dont-Have-Living-Wills-Do-You> Acesso em 22 de janeiro de 2018 93 DADALTO, Luciana. Op., cit, p. 467.