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3 UMA REFLEXÃO SOBRE AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE

3.3 A NECESSÁRIA DIFERENCIAÇÃO DAS DESIGNAÇÕES QUE COMUMENTE ENVOLVEM O PROCESSO DE TERMINAÇÃO DA VIDA:

3.3.1 Eutanásia e Suicídio Assistido

A palavra eutanásia, derivada da expressão grega euthanatos (eu: boa;

thanatos: morte), implica, em sua significação etimológica, trata-se da “boa morte”.

Atualmente, o conceito de eutanásia mais difundido é aquele que relaciona a expressão com a antecipação da morte de paciente incurável, geralmente terminal, e em grande sofrimento, que não precisa ser necessariamente físico, sendo admitido, por exemplo “o sofrimento moral do tetraplégico, o sofrimento por antecipação do portador de Alzheimer ou o sofrimento presumido do indivíduo em estado vegetativo persistente”, que declara previamente preferir a morte a tal situação, sendo que todos os casos estão ligados pelo sentimento de compaixão para com o paciente, ante a percepção de que não há caminhos na Medicina que tragam a cura ou mesmo conforto ao enfermo55.

Hodiernamente, entende-se que a eutanásia pode ser classificada em diversas espécies, nos interessando aqui apenas a classificação de eutanásia ativa e passiva. A eutanásia ativa ocorre quando a intenção de cessar o sofrimento daquele que padece se transforma numa ação, que põe termo à vida do paciente, antecipando a morte tida como iminente ou inevitável.56 Essa prática é comumente

confundida com o suicídio assistido em que pese a clara distinção.

54 MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito penal e biotecnologia. Disponível em:

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp009064.pdf>. Acesso em 12 de novembro de 2017

55 VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Revista Bioética do Conselho Federal de Medicina. 2008, p. 62. Disponível em:

<http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/56/59> Acesso em: 22 de novembro de 2017.

56 LEMOS, Tamiles Ferreira. O respeito pela autonomia: a admissibilidade do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. 2017. p. 53.

No que toca ao suicídio assistido, os indivíduos, em regra, são pessoas que possuem “diagnóstico de grave enfermidade, física ou mental, incurável, e que, embora não estejam submetidos a um sofrimento extremo”57 ou em estado terminal,

situações que em geral estão relacionadas com a eutanásia, preferem antecipar o caminho delineado pelo destino, pois “em decorrência da significação por eles ofertada à própria vida, esta não teria mais valor algum, tornando a morte um desejo.”58. Contudo, como, em sua maioria, esses indivíduos estão incapacitados de

tomar todas as providências, um terceiro apenas fornece os meios necessários à consecução do resultado morte desejado pelo paciente, podendo se tratar de assistência tanto material quanto intelectual, ao contrário da eutanásia ativa, em que existe uma conduta comissiva, por parte do médico, por exemplo, no ato de findar a vida do indivíduo.59

Há ainda a eutanásia passiva ou omissiva, que consiste na omissão ou “suspensão arbitrária de condutas que ainda são indicadas e proporcionais, ou seja, condutas que ainda poderiam beneficiar o indivíduo”60. Assim como na eutanásia

ativa, a passiva também tem como objetivo pôr fim ao sofrimento através do resultado morte. Este tipo situação é muitas vezes classificada erroneamente como ortotanásia, mas em verdade tratam-se de condutas absolutamente distintas, vez que nesta “a intenção não é matar, mas sim evitar prolongar indevidamente a situação de esgotamento físico”, optando-se pela abstenção ou interrupção quando o tratamento não mais opera a função que deveria exercer e em nada melhora a existência do paciente terminal.61

Assim, estabelecidos os conceitos e realizados as competentes distinções, faz-se jus destacar que as práticas de eutanásia e de suicídio assistido encontram- se tipificadas no Código Penal Brasileiro, respectivamente nos arts. 121, §1°62, que

trata do homicídio privilegiado, vez que a eutanásia é sempre realizada por motivo

57 SOUZA, Davi Santana. Do dever à vida ao direito de morrer. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. 2017. p. 83. 58 Idem.

59 MOREIRA, Mayana Sales. Testamento Vital: uma análise da extensão da eficácia às situações diversas da terminalidade da vida. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal da Bahia. 2015. p. 73.

60 LEMOS, Tamiles Ferreira. O respeito pela autonomia: a admissibilidade do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. 2017. p. 54.

61 VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Revista Bioética do Conselho Federal de Medicina. 2008, p. 63. Disponível em:

<http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/56/59> Acesso em: 22 de novembro de 2017.

de relevante valor social ou moral, e no art. 12263, que, diversamente do tipo penal

anterior, não prevê nenhum privilégio para o suicídio assistido, “sendo desconsiderados os motivos impulsionadores da conduta delituosa”64. Aqui,

fundamental se faz a crítica acerca de se ter colocado no mesmo patamar aquele que apenas fornece assistência material ou intelectual para a consecução do ato desejado pelo paciente, em regra, impelido por compaixão, daquele que instiga ou induz alguém a cometer o suicídio, pois estas, ao contrário da primeira, interferem no caráter de voluntariedade do suicídio.

Na mesma linha segue o Código de Ética Médica de 2010, em seu art. 41, ao vedar categoricamente a abreviação da vida do paciente, ainda que seja solicitado por ele ou por seu representante legal65, levando a efeito o Juramento de Hipócrates

feito pelos médicos: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. [...] A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda”.66

Assim, não resta dúvida que, em que pese estarem tais condutas expressamente vedadas pelo ordenamento jurídico pátrio, tratam-se de temas de altíssima relevância e que urgem pela reavaliação da forma como são interpretadas, pois a sociedade, as técnicas médicas, e o mundo muito mudou desde 1940 quando essas regras foram delineadas. Talvez seja a hora de olhar em volta e se inspirar nos países que já compreenderam que as situações que envolvem a eutanásia, a renúncia à vida e o desejo de morrer já são demasiadamente dolorosas, e que a morte, por si só, já é um acontecimento muito difícil de entender e de aceitar, pelo que completamente desnecessária a criminalização de tais condutas.

62 Art. 121. Matar alguem: § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

63 Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça

64 MOREIRA, Mayana Sales. Testamento Vital: uma análise da extensão da eficácia às situações diversas da terminalidade da vida. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal da Bahia. 2015. p. 74.

65 Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Resolução CFM nº 1931/2009. Capítulo I, inciso I. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp> Acesso em 01 de fevereiro de 2018 66 JURAMENTO DE HIPÓCRATES. Disponível em: <http://www.cremesp.com.br/?