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7.1 CATEGORIAS A PRIORI

7.1.1 Eu-Tu

7.1.1.1 Espaço de Diálogo

No modo Eu-Tu, o diálogo aparece como primeiro elemento da relação treinador-atleta, onde a importância da abertura e da troca entre os atores está presente nas falas dos entrevistados. Na filosofia de Buber (2006), a relação Eu-Tu é

entendida como uma vida em diálogo, “[...] onde o Eu confirma o Tu em seu ser e é por ele confirmado. O Eu exerce uma ação, atua sobre o Tu e este atua sobre o Eu” (ZUBEN,2006, p.128). Com isto, o diálogo real possibilita a abertura de um caminho para o outro, permitindo, segundo os depoimentos, que o encontro entre treinador e atleta aconteça. Para Buber (2006), é no diálogo que a existência humana se manifesta em seu sentido mais intenso, entendendo que somente no encontro dialógico poderá ser revelada a totalidade do homem.

O espaço de diálogo na relação treinador-atleta fica claro, por exemplo, na fala da treinadora 3 quando diz: “hoje é só isso que tem, uma dando opinião na vida da outra [...]. A relação se tornou profissional de amizade, não existe uma relação de eu que mando e ela obedece, ou ela manda e eu obedeço. Hoje realmente é um.... digamos que é um rio com duas margens e a gente fica transitando.” Na mesma direção, o treinador 7 aborda a importância da cumplicidade e do diálogo ao afirmar que “tem alguma coisa na questão emocional, né, na conversa, no, na, na... na cumplicidade com os atletas que ele consegue... tipo ter um rendimento maior né? Do que os outros”. A relação dialógica e de confiança entre treinador e atleta, onde a cumplicidade, a liberdade e o respeito mútuo dão sustentação aos aspectos do próprio treinamento, parece ser fundamental na opinião dos entrevistados. A asserção ganha sustentação na fala do treinador 5 ao afirmar que “a liberdade eu acho que é o principal do relacionamento, né? Técnico-atleta, porque fica muito ruim tu... o cara às vezes tá pensando em alguma coisa e o cara não dizer pro técnico, que o técnico... Tu tem que ter uma liberdade muito grande, né? Pra... tu... passar a liberdade pra ele poder te dizer, senão ele vai ficar muito preso e isso pode refletir na pista, na hora que ele tiver jogando”. Na mesma linha, a treinadora 3 diz que “eu acho que tudo tem isso, é você...tem que ter essa abertura com, com a aluna, pra ela poder te dizer também aonde é o seu ponto fraco, senão não tem...feedback nenhum, o treino passa a ser algo tão mecânico que ele nunca vai chegar no objetivo”.

Desta forma, os trechos extraídos das entrevistas mostram como a relação treinador-atleta coloca ambos no que Buber (2006) entende como a existência mútua de dois indivíduos, caracterizada como um encontro entre iguais, que se reconhecem deste modo. Da mesma maneira, Morgan e Guilherme (2013), com base na teoria do autor, também ressaltam que a relação Eu-Tu promoverá uma riqueza de situações profundas e dinâmicas no momento em que dois indivíduos se descobrem e se identificam como semelhantes.

Ainda seguindo com o mesmo pensamento, a teoria de Buber (2006) pode ser vista no depoimento do treinador 7 quando fala que “a relação é de respeito, né? Tem que ter respeito e tem que ter uma coisa muito clara assim, às vezes tem treinadores que querem ser maior do que o atleta, entendeu? E não tem, não tem disputa de hierarquia, né? [...] Eu vejo assim meus colegas são muito... em muitos casos muito vaidosos, eles se acham, eles.... o dono do conhecimento, e eles não fazem o feedback com o atleta, eles não ouvem o atleta.” Percebe-se, a partir do discurso do treinador, a importância de ver o atleta ocupando um lugar ao lado do seu, sem níveis ou hierarquia, em que o respeito mútuo dá o tom da relação e existe a real intenção de estabelecer um contato, uma comunicação. Corroborando as ideias, Fonseca Filho (2008) afirma que em uma relação Eu-Tu os atores estarão inseridos no mundo da ligação e da união, realizando-se quando são capazes de sair de si e entender que é justamente este “entre” existente entre o Eu e o Tu que oferece a possibilidade para que os dois componentes da relação possam se integrar.

Para a atleta 7, esta integração a que se refere Fonseca Filho (2008) torna a relação com o treinador saudável, onde não existe uma separação em função do lugar que cada um ocupa: “Ah cara eu... eu acho que é uma relação super saudável, sabe? Eu acho muito legal a abertura que ele me dá e o relacionamento não é ele é o técnico e eu sou a atleta e não tem ligação, eu acho que isso é legal”. A declaração da atleta mostra como o elo formado entre ela e o treinador forja o caráter da relação entre os dois, existindo um encontro, uma abertura e um reconhecimento mútuo.

A existência de um espaço de diálogo e de cumplicidade na relação treinador- atleta é expressa também na declaração do atleta 6 quando diz que o treinador “abre, abre, abre até porque essa relação não teria como, se fosse uma coisa só, se fosse uma via de uma mão só, entendeu? Então tem que ser uma via de mão dupla. Ele abre esse espaço de eu chegar, achar umas coisas diferentes, ó professor eu trouxe isso, isso o que que tu acha?”. O atleta continua dizendo que [...] até da minha parte que eu era um pouco mais contido, a gente conseguiu melhorar, eu consigo trazer, igual, eu consigo trazer pra ele minha insatisfação, assim como ele também tem abertura total de chegar e falar, olha, isso não tá bom, isso não tá legal e não é dessa forma que eu trabalho e eu também tenho esse espaço”. Ainda para o mesmo atleta esta abertura de espaço é dada para a discussão de aspectos do treinamento, bem como da vida pessoal, onde declara que [...] então eu consigo dialogar e conversar com ele sobre aquele tipo de...de problema...”, mostrando que a abertura e o espaço

de diálogo não servem apenas às questões técnicas, mas farão parte da relação como um todo.

Na esteira do atleta 6, a atleta 3 afirma que “tudo a gente, a gente conversa, né? Nunca é feito assim... só de um lado, mesmo que ... que seja uma coisa é ... assim pessoal a gente sempre pede a opinião uma da outra. [...] Ela fala, ah eu acho que fica melhor assim e eu falo que eu acho que fica melhor de outro jeito, até a gente chegar num consenso, entendeu?” Na mesma linha, o treinador 1 diz que “[...] e a gente conversa bastante também e até no intervalo da luta, entre um round e outro, ela conversa bastante óh ... tá ruim, não dá pra fazer isso não, vamos mudar”, mostrando que o diálogo pode estar presente também nos momentos da competição.

Para o treinador 7, é importante sempre ouvir a atleta e conversar até chegar a um acordo, dizendo que “eu sempre ouço, sempre, se eu não aceito, hã... se eu não concordo, com o que ela fala, eu, eu vou ao, eu, eu vou... ah... eu debato, debato, debato, debato, debato até chegar ao lugar comum”. A fala do entrevistado mostra que treinador e atleta nem sempre terão a mesma opinião, o que não significa que não estarão disponíveis para escutar o outro lado, abrindo-se para o diálogo. Da mesma forma, o atleta 4 afirma que “às vezes falo mais que o necessário, mas a gente fala bastante, conversa bastante, se tá ruim, o que tá bom...[...]é democrático o negócio, se eu não vou me sentir bem, se eu não tô me sentindo muito bem, de acordo com o treino que ele passou eu falo, e aí vê se a gente continua ou a gente dá uma mudada, umas coisas assim”. As falas dos entrevistados mostram que chegar ao acordo por meio do diálogo, com disponibilidade e abertura para ouvir o outro, significa permitir que o "entre" seja a chave para que o Eu-Tu se manifeste. Desta forma, este “entre” representa o meio do caminho, o acordo, o lugar comum que se refere o treinador em sua entrevista, onde o diálogo possibilita o encontro dos envolvidos na relação. Luczinski e Ancona-Lopez (2010, p.79) falam deste espaço do “entre”, o qual leva o indivíduo ao contato consigo mesmo e com o outro, entendendo que na filosofia de Buber esta relação é uma necessidade inata do ser humano, que é buscada permanentemente e caracteriza o caminho para seu crescimento, “pois a relação eu- tu confronta, provoca e remete ao paradoxo da existência”.

Nesta direção, o treinador 4 declara que “ah, sempre, sempre , eu… eu até gosto que eles sugiram o que que pode ser é... é … o que pode ser melhorado no treino, hã... talvez mudado né? Às vezes, hã... é, eu falo pra eles, ó, tem certas coisas do treinamento que a gente não pode mudar porque hã... é... a tendência é sempre

das pessoas, e sempre generalizando, ou relativizando, é de entrar numa zona de conforto, né?”. Esta abertura para sugestões a que o treinador 4 se refere mostra como pode existir um espaço de escuta, mesmo que não haja concordância em todos os aspectos, evidenciando uma tentativa de contato com o outro. Este espaço do “entre” é visto também no depoimento da atleta 2 quando diz: “sim, daí ele fala contigo: ‘o que que aconteceu?’ Né? tipo, porque que não tá tão bem, às vezes é sei lá... o dia, ou às vezes tá com alguma dor, ele vai conversar contigo”, mostrando que o diálogo dará a possibilidade do encontro, do entendimento do outro.

O valor do diálogo para Buber (2006) está no cerne do seu pensamento, entendendo que não pode haver existência sem comunicação e da mesma forma, os depoimentos dados nas entrevistas mostram que o diálogo entre treinador e atleta torna-se valioso não só para a aprendizagem e o desempenho esportivo, mas também para outros aspectos da vida de ambos.