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Com a intenção de se tornarem atletas, um grande número de crianças ingressa todos os anos na prática de modalidades esportivas. Muitas destas crianças acabam passando por várias etapas do treinamento e podem, inclusive, permanecer no esporte por muitos anos, participando de competições até chegar à idade adulta. Entretanto, a pergunta a ser feita é: quantas delas são consideradas talentos esportivos e reunirão condições necessárias para realmente tornarem-se atletas de alto rendimento e alcançarem resultados expressivos dentro da modalidade praticada?

Na esteira da primeira pergunta, surge uma segunda: todas as crianças especializadas precocemente no esporte são talentos esportivos e chegarão a altos níveis de desempenho? Parece importante, então, procurar definir o que é um talento esportivo, quais são suas principais características, como ele é descoberto e de que forma é desenvolvido.

Gaya (2009, p.64) entende que “[...] o talento esportivo detém qualidades que não estão ao alcance de qualquer simples mortal”. Para o autor, o talento esportivo apresenta uma excepcionalidade ímpar, o que é comprovado com base em resultados de estudos realizados em países do leste europeu, que evidenciam que talentos esportivos surgem na proporção de 1 a cada 10 mil jovens que ingressam no esporte. Um talento esportivo, para Gaya et al (2002) pode ser identificado como um indivíduo que é capaz de apresentar desempenho superior num conjunto de habilidades e capacidades e de manter uma elevada estabilidade nestas habilidades e capacidades excepcionais, apresentando-se como um sujeito atípico no seio de sua

população. Para os autores, a ideia de desempenho superior ou atípico é decorrente do conceito estatístico de normalidade, que significa a probabilidade de ocorrência de um fenômeno de acordo com a curva normal. Portanto, indivíduos de desempenho superior ou atípicos irão se situar além de dois desvios padrão da média. Assim, para a identificação de um talento é preciso situá-lo no cerne de sua população e, além disso, observar se ele está colocado além dos critérios de normalidade.

Em relação à manutenção elevada da estabilidade em habilidades, os autores entendem que o talento esportivo é capaz de manter um conjunto de indicadores de desempenho permanente, ou seja, com a ausência de alteração significativa de performance ao longo do tempo. Entretanto, Gaya et al (2002) alertam para os riscos de se afirmar que um jovem atleta que possa apresentar níveis superiores de desempenho em relação a seus colegas de mesma faixa etária irá manter esta superioridade ao longo do tempo. O processo de crescimento e desenvolvimento de uma criança e um adolescente é envolto por fatores biológicos, ambientais e de intervenção, havendo também fatores genéticos que provavelmente definirão potencialidades e indicarão capacidades máximas de desempenho.

A partir das considerações torna-se possível refletir acerca do treinamento de crianças e adolescentes, uma vez que do ponto de vista do desempenho físico e motor, aqueles que estiverem mais maturados biologicamente apresentarão melhor potencial de resposta ao treino. Com isso, é provável que estes jovens atletas comecem a apresentar melhores resultados também nas competições, o que em alguns casos poderá gerar uma confusão na definição do talento esportivo. A questão que surge a partir desta discussão é de que o atleta maturado mais precocemente pode ser considerado um talento esportivo por apresentar um desempenho superior ao dos seus pares, o que não significará, obrigatoriamente, que consiga manter esta superioridade em períodos mais tardios do desenvolvimento e da maturação.

Em consonância com esta ideia, Gaya et al (2002) afirmam que, embora os fatores ambientais, como por exemplo, os programas de treino, sejam importantes, não se pode pensar neles como determinantes únicos da performance. Assim, para os autores, os programas de detecção do talento esportivo só se tornarão viáveis se for mantida a noção de que a intervenção das características genéticas será o principal elemento de determinação do desempenho. Deste modo, percebe-se que independentemente do grau de maturação de uma criança ou adolescente, suas

capacidades inatas devem figurar em primeiro plano em um processo de identificação e detecção de talentos esportivos.

Segundo Weineck (2003), o termo talento pode ser dividido em dois tipos: o talento estático e o talento dinâmico. O talento estático é definido por características como disposição (mobilização do potencial), prontidão (mobilização da vontade), ambiente social (possibilidades) e resultados (determinação do desempenho). O talento dinâmico, conforme o autor, estrutura-se no transcurso de um processo ativo de treinamento, com objetivos bem definidos (especialização), relacionando-se à natureza e as alterações desta especialização. Para Weineck (2003) é preciso entender o talento dinâmico como um processo ativo de mudanças, com orientações através do treinamento e de competições, tendo um acompanhamento pedagógico.

Com isso, a compreensão do significado de talento esportivo passa por duas noções. A primeira, a de que um talento deverá reunir um conjunto de fatores ligados ao potencial para o desempenho, genética, possibilidades de prática, estimulação e fatores emocionais. A segunda, é a de que o talento necessita percorrer um processo dinâmico, com uma prática orientada e acompanhada. Em vista disso, o talento esportivo é entendido como aquele indivíduo que reunirá fatores intrínsecos para a execução e a performance de tarefas específicas de uma modalidade esportiva e paralelamente terá, ao longo de seu processo formativo, a condução adequada ao desenvolvimento de suas potencialidades.

Nessa linha, Joch (2005) define como talentoso aquele que apresenta disposição e prontidão para o desempenho e a exibição deste desempenho é acima da média para a sua faixa etária. Este desempenho deve ser comprovado em competições e obtido graças ao acompanhamento de um treinador que orienta ativa e pedagogicamente todo o processo de desenvolvimento. Seria então adequado, a partir desta definição, assumir que um campeão Olímpico, por exemplo, será considerado um talento esportivo, por reunir um conjunto de capacidades e potencialidades para a execução dos gestos de sua modalidade e, ao mesmo tempo, por ter passado por um longo e contínuo treinamento com o objetivo de aperfeiçoar sua performance.

Vieira, Vieira e Krebs (2005) entendem que, na formação esportiva, três noções operacionais estão associadas ao desenvolvimento do talento: a identificação, a seleção e a promoção. Para os autores, a identificação situa-se na comparação das características do indivíduo com um atleta de alto rendimento. Esta identificação

acontece em três fases distintas: a fase primária, que ocorre na infância, entre os 3 e 8 anos de idade e consiste em avaliar o estado geral de saúde e o desenvolvimento corporal da criança, sua coordenação motora de base, sua curiosidade, sua capacidade de ampliação do repertório motor por meio da imitação, sua coragem e seu gosto pela prática. A segunda fase, a secundária, é estabelecida nas idades pré- púbere e púbere, porém em algumas modalidades esportivas como a ginástica, a natação ou a patinação artística, o início desta fase pode recuar para idades mais precoces. A fase secundária irá avaliar possíveis desvios posturais, as fragilidades do aparelho locomotor ao nível das articulações, os traços de crescimento, a composição corporal e o somatotipo. A terceira fase, complementar, se estabelece de acordo com as características de cada modalidade, conforme limites temporais médios de pico. A fase complementar culmina com o processo de identificação do talento, a partir da observação dos resultados de competições.

No tocante à composição corporal e o somatotipo, Gaya et al (2002) afirmam que, no processo de detecção do talento esportivo, existe uma dimensão que será em maior ou menor escala condicionada por características inatas do sujeito, como a sua estrutura morfológica e funcional. Com isto, para os autores, é necessário assumir que a influência das características genéticas aparece como a principal determinante da performance. Na mesma lógica, Raković et al (2015) também trazem o somatotipo como parte vital do mosaico que vai, juntamente com outros fatores (processo de formação, nutrição, motivação), determinar o desempenho.

Queiroga et al (2008, p.57) entendem que cada atividade esportiva específica terá uma estrutura corporal em relação a um perfil somatotipológico adequado ou indicado, apontando para a relação existente entre características físicas específicas e resultados esportivos.Os autores apresentam estudos que confirmam que atletas olímpicos apresentam predominância de somatotipo apropriado a uma determinada prática, o que pode indicar que “o perfil corporal de atletas de elite pode ser um indicador de que esta estrutura física é mais adequada tanto para a modalidade quanto para atletas que almejam melhores resultados”.

Por outro lado, Raković et al (2015) afirmam que em muitos esportes os componentes do somatotipo não são homogêneos, havendo diferenças significativas dentro da mesma modalidade. No entanto, os autores apontam que estas diferenças acontecem especialmente em esportes coletivos, enquanto que nas modalidades individuais os somatotipos são mais homogêneos.

Isto pode ser explicado pela diferença nas funções de cada posição dentro dos esportes coletivos, o que indica que dependendo da colocação e atribuição do atleta dentro do time, este poderá apresentar características físicas específicas. Já nos esportes individuais, não existe variação nas exigências das competências físicas e motoras, havendo a necessidade de o atleta apresentar um perfil somatotipológico muito particular. As considerações têm suporte na análise das modalidades de Voleibol e Ginástica Artística, por exemplo, ao se observar no primeiro esporte as diferenças de estatura dos jogadores que ocupam distintas posições e realizam diferentes funções, enquanto que ginastas mantêm um padrão físico muito mais regular e homogêneo.

Em uma revisão de pesquisas acerca do tema, Raković et al (2015) apresentam comparações entre o somatotipo de atletas em vários esportes, confirmando existir especificidades de somatotipia de acordo com a prática, entendendo que esses resultados são importantes na seleção de talentos no campo dos esportes profissionais. Na mesma linha, Queiroga et al (2008, p.57) entendem que a detecção de talentos pode encontrar benefícios na análise de valores somatotipológicos, afirmando também, que existem evidências da relação entre perfil corporal e performance em várias modalidades esportivas. No mesmo sentido, Khaled (2013) diz que a identificação de talentos normalmente é monitorada por vários parâmetros, entendendo que o processo de seleção é construído com base na previsão de padrões físicos, antropométricos e de somatotipos, juntamente com algumas capacidades físicas e motoras que indiquem sinais do nível de habilidade do esportista.

Conforme Purenović-Ivanović e Popović (2014) o tamanho do corpo constitui- se em forte influência no desempenho de muitos esportes, especialmente naqueles que pertencem ao grupo de esportes femininos com elementos estéticos (ginástica rítmica, ginástica artística e patinação artística). Estes esportes apresentam altas exigências específicas tanto físicas, quanto motoras, bem como de capacidades psicológicas, mas também requerem que a estrutura e a composição corporal das atletas de alto nível sejam rigorosamente adequadas. Assim, a análise somatotipológica pode fornecer informações valiosas sobre os requisitos morfológicos nestes esportes, sendo o corpo adequado um pré-requisito para alcançar o sucesso.

Portanto, é importante considerar que o somatotipo de uma criança pode ser um dos critérios para defini-la como um talento para determinada modalidade esportiva. Evidentemente que apenas apresentar um perfil físico adequado a um

esporte específico não garante que o jovem atleta venha a apresentar uma performance de alto rendimento, pois, como já discutido, o talento esportivo deverá reunir uma série de elementos para que possa se constituir como tal. No entanto, entende-se que o somatotipo tem tamanha importância na seleção de talentos, que muitas crianças que apresentam capacidades físicas e motoras adequadas à modalidade podem acabar preteridas por não possuírem o perfil corporal ideal.

Para além das questões já discutidas, Vieira, Vieira e Krebs (2005) apontam para a importância de observar que o jovem talentoso não irá se desenvolver se não existir recompensa imediata e extrínseca, havendo a necessidade de que ele aprecie a prática. No entanto, o alerta dos autores está voltado para os conflitos inerentes ao próprio desenvolvimento do talento e ao suporte dos adultos que cercam a criança e o adolescente. Assim, o foco para que um talento possa ser descoberto e desenvolvido não está apenas na própria criança, mas também na família e no treinador, entendendo-se que este é um processo que requer a inter-relação de vários elementos.

Portanto, a compreensão da trajetória do atleta de alto rendimento desde o seu início, necessita ater-se a esses elementos para uma análise adequada e bem estruturada, onde outro componente estará presente de forma contundente: o treinador. Do ingresso no universo esportivo até alcançar altos desempenhos, o atleta será conduzido pelo treinador, que terá papel determinante na carreira do esportista.

É possível que, ao longo do seu percurso dentro do esporte, o atleta tenha mais de um treinador, cumprindo as etapas iniciais de aprendizagem sob as instruções de um técnico e mudando ao atingir níveis mais elevados de desempenho. Independentemente do nível performático, a figura do treinador é de fundamental importância para o atleta, sendo na maior parte do tempo sua referência e ponto de apoio. O treinador como personagem da trajetória esportiva, a sua relação com o atleta e as implicações desta relação, desde as primeiras aprendizagens até o alto nível, serão tratadas na sequência desta pesquisa.

4 SIGNIFICADOS DE UMA RELAÇÃO