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As metrópoles têm caminhado cada vez mais no sentido de aglutinar ao redor de si grande parte da atividade sócio-econômica dos seus estados. Santos(a) (2005) afirma que o perfil urbano tende a ficar mais complexo sob a hegemonia da metrópole, através de múltiplos fluxos de informação que se sobrepõem aos fluxos de matéria e são o novo arcabouço dos sistemas urbanos .

Essa hegemonia da metrópole não significa, contudo, o aumento do ritmo de crescimento populacional observado no século passado. Ao contrário, os resultados do Censo Demográfico de 2000 (BRASIL/IBGE; 2001) apontam para a continuidade da tendência de arrefecimento do ritmo de crescimento dos municípios centrais das metrópoles brasileiras.

Vale ressaltar como fato importante do final do século passado, que os anos 90 consolidaram um marcante processo de periferização da população residente nas metrópoles, com os seus centros registrando taxas de crescimento de suas populações inferiores a 1% ao ano, (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém e Recife) permanecendo a tendência de taxas superiores nas periferias metropolitanas (BARBOSA; FRANÇA, 2006).

Santos(a) (2005) afirma que entre 1940 e 1980 dá-se a inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Em 1940 a taxa de urbanização era de 26,35% e, em 1980 alcançava 68,86%, ante uma população que triplicou no mesmo período. Atualmente a população brasileira ultrapassa os 77% em áreas consideradas urbanas.

Siqueira e Osório (2001) já discutiam a posição de diversos autores quanto às conceituações entre rural e urbano. Para eles, José Graziano da Silva (SILVA(a),

1997) relaciona os limites entre o rural e o urbano como uma linha tênue, especialmente quando há uma reintegração do campo e da cidade, resultante da intensificação da globalização, marcados pela transição de complexos rurais para complexos agro-industriais 16. Solari (1979, apud SIQUEIRA; OSÓRIO, 2001), ainda na visão dos autores, parte para a definição clássica do conceito de rural, buscando

16 Os autores ainda relatam que Silva

(a) (1997) considera que clássicos como Weber e Marx (anteriores a

Sorokin e Zimmermann) tinham na distinção entre o rural e o urbano, a expressão do conflito entre duas realidades sociais diferentes, uma que havia incorporado o capitalismo... e outra, refratária ao capitalismo e à técnica... . (SIQUEIRA, D.; OSÓRIO, R. 2001. p. 74).

autores como Sorokin e Zimmermann, onde a base do conceito é a dimensão econômica, o rural se caracteriza por um determinado tipo de atividade: a produção de alimentos através da criação de plantas e animais . (SIQUEIRA; OSÓRIO, 2001. p. 74).

Para esses autores, as práticas sócio-espaciais, especialmente quanto às atividades características e definidoras do território, as dinâmicas culturais e econômicas e as relações de poder vigentes, constituem-se em padrões mais concretos e pertinentes para a identificação e demarcação dos espaços rurais e urbanos.

As Áreas de Transição Rural e Urbana variam em um gradiente partindo do tipicamente rural, para um ambiente tipicamente urbano ou vice e versa. Esse processo pode variar de intensidade e velocidade quanto à sua evolução e dinâmica. Depende mais de fatores exógenos que da intencionalidade humana ainda que seja fruto da produção social. Durán e Perez (2000, p.12) ao analisar introdutoriamente a expressão do ambiente rural, destaca o conceito de ruralidade:

La ruralidad es el resultado de una construcción social. Con ello no queremos decir que la ruralidad sea una especie de constructo o invención de la sociedad humana, sino que la misma constituye una situación social cuya construcción o conformación es un efecto (no intencional ni previsto, en la mayoría de los casos) resultante a partir de procesos de acción social humana, entendida aquí esta acción en un sentido amplio que engloba lo socioeconòmico, lo político-institucional y lo simbólico-cultural17.

A delimitação, uma vez que é estabelecida através da Lei de Perímetro Urbano pelos municípios, torna-se mais complexa quando se subordina às relações e estruturas de poder local, como bem descreve Monte-Mór (2006, p.07):

A cidade, na visão histórica dominante na economia política, constitui o resultado do aprofundamento da divisão sócio-espacial do trabalho em uma comunidade. Este aprofundamento resulta de estímulos provocados pelo contato externo e abertura para outras comunidades envolvendo processos regulares de troca baseados na cooperação e na competição. Implica, assim, de um lado um sedentarismo e uma hierarquia sócio-espacial interna à comunidade e de outro, movimentos regulares de bens e pessoas entre comunidades. Localmente, exige uma estrutura de poder sustentada pela extração de um excedente regular da produção situada no campo.

17Tradução do Autor: A ruralidade é o resultado de uma construção social. Com isso não queremos dizer que a

ruralidade seja uma espécie de construto ou invenção da sociedade humana, senão que a mesma constitui uma situação social cuja construção ou conformação é um efeito (não intencional, nem previsto, na maioria dos casos) resultante de processos de ação social humana, esta aqui entendida em um sentido mais amplo que engloba o econômico, o político-institucional e o simbólico-cultural .

De fato, o único setor que realmente infere produção à economia é o setor primário. A partir dele, todos os demais setores, de uma forma ou de outra, transformam o resultado dessa produção em bens e serviços para atendimento das necessidades e dos ímpetos de consumo da população.

Essa relação de produção primária no campo em relação à manufatura da cidade vem sendo transformada com a evolução das relações sócio-espaciais e a introdução de um forte viés técnico e tecnológico, cada vez mais abrangente em todo o espaço municipal. Assim, o espaço municipal vem modificando-se historicamente, em função dessas construções e reconstruções estabelecidas pela ação humana, através de suas representações e interações sociais. Santos(a)(2005; pp.37-52) relata esse processo evolutivo de transformação do território estabelecendo três momentos: o meio natural, o técnico e o técnico-científico- informacional, sendo este último momento aquele que se constitui, sobre territórios cada vez mais vastos [...] isto é, o momento histórico em que a construção ou reconstrução do espaço se dará com um crescente conteúdo de ciência, de técnicas e de informação (ibidem, p.38).

Dessa forma, as relações de poder tendem também a modificar-se visto que a prática burguesa de extração de excedentes do campo para financiamento de suas estruturas hegemônicas nas cidades tende a se adaptar ou a sucumbir ante essa nova realidade, sendo nesse último caso, substituída por outros grupos de poder que se tornarão hegemônicos na condução do processo de desenvolvimento e, consequentemente, no reordenamento das relações sócio-espaciais e políticas constituídas. O impacto direto dessas transformações dá-se na conformação dos territórios, principalmente quanto à apropriação do espaço por novos grupos de pressão, diferentes daqueles que ali produziam e constituíam o padrão dos diferentes lugares.

Em outro enfoque, a partir de uma leitura marxista, Harvey (2000, p.41) ao analisar a prática burguesa na transformação e apropriação do espaço geográfico no mundo, especialmente quanto as suas estratégias hegemônicas e imperialistas referente ao solapamento externo dos poderes feudais adstritos aos territórios, discorre que, por meio de tais estratégias:

(...) a burguesia transformou o Estado (com suas forças militar, organizacional e fiscal) no executor de suas próprias ambições. E uma vez no poder, continuou a realizar sua missão revolucionária, em parte via

transformações geográficas internas e externas. Internamente, as criações de grandes cidades e rápidas urbanizações fazem com que as cidades governem o campo (ao tempo em que o resgatam da estupidez da vida rural e reduzem o campesinato a uma classe subalterna).

Em concordância a David Harvey, Monte-Mór (2006, p.07) ao referir-se às transformações do espaço decorrentes das relações de poder entre o meio urbano e o rural, especialmente quanto à apropriação de excedentes de produção em função da força de trabalho e da geração de riquezas, diz que:

Assim, a cidade implica a emergência de uma classe dominante que extrai e controla este excedente coletivo través de processos ideológicos acompanhados, certamente, pelo uso da força.

Ainda Harvey (2006, p.41) tratando a apropriação do poder político e econômico também como forma concentradora e transformadora do espaço geográfico, mediante o uso da força de Estado , resultando na transformação do meio natural18 através da implantação de técnicas e tecnologias de estrutura urbana, diz que:

[...] a urbanização concentra no espaço as forças produtivas e a força de trabalho, transformando populações dispersas e sistemas descentralizados de direitos de propriedade em imensas concentrações de poder político e econômico que acabam por se consolidar no aparelho legal e militar da nação-Estado. As forças da natureza tornam-se sujeitas ao controle humano à medida que sistemas de transporte e de comunicação, divisões territoriais do trabalho e infra-estruturas urbanas são criadas para servir de fundamento à acumulação de capital.

As abordagens desses autores, ainda que eivadas de forte viés citadino em detrimento do campesino referem-se, em boa parte, aos processos macro- econômicos e à ordem nacional e internacional estabelecida nas relações entre países e regiões.

Mas é importante observar que em determinadas localidades, especialmente aquelas aonde o agronegócio impõe-se como determinante na conformação de territórios (como os territórios da soja, da carne, do milho, do trigo, do algodão, etc.) o empresariado rural expressa uma diversificação dos processos tradicionais de atendimento de demandas urbanas, constituindo commodities com forte inserção no mercado internacional, resultando em influência marcante na conformação de territórios diferenciados das tradicionais relações campo-cidade, observadas na

18 Ver também SANTOS

maioria das cidades, estabelecendo, portanto, uma relação de poder inversa entre a hegemonia atual da cidade sobre o campo.

É importante entender-se o processo contemporâneo de apropriação dos espaços e as dinâmicas imputadas sobre eles. A cidade como espaço inventado pelo homem tem sido objeto de análises quanto à pertinência de sua manutenção como tal ou, então, de sua reconstrução em novas bases estruturais, assentada sobre novos valores. Como avalia Brandão (2006, p. 10):

Refletir sobre a cidade é também examinar a relação histórica por ela estabelecida com o campo , o que ela significa, e quais as condições de cidadania pretendida para o século XXI e, ao mesmo tempo e se for o caso, reinventar a cidade e reinventar o ser humano que nela habita... perguntar pelo local em que habitamos, envolve a nossa relação com a natureza, com a cultura, com nós mesmos, com o absoluto, com a história, com o político, o artístico, o técnico e o científico. E entrelaçar todas essas dimensões no composto que lhe dá forma: a cidade enquanto polis, local do encontro não só entre as pessoas, mas entre vários tempos, espaços, saberes, tecnologias, produtos, tradições e culturas.

A passagem do meio técnico para o meio técnico-científico-informacional19, apesar das barreiras sócio-econômicas e políticas que se interponham a atuação do capital, se expressa na modificação do ambiente rompendo fronteiras, transformando conceitos e valores, e tornando os espaços urbano e rural, mais permeáveis ao estabelecimento de novas relações. Segundo Linhares; Magalhães; Monte-Mór (s.d., p.08) ao aprofundar e espalhar o componente tecnológico e informacional pelo território, aumenta a fluidez do espaço reduzindo o atrito da distância e assim, as distâncias econômicas efetivas em determinada região .

Dessa forma, torna-se muito difícil a definição genérica das relações estabelecidas entre o campo e a cidade, quando referentes às relações intra- regionais ou locais, de forma a que reflita as características intrínsecas de suas conformações e de sua identidade histórica, que as diferencia das demais. Abreu (1998, pp. 19-20) ao lembrar os ensinamentos do professor e geógrafo Milton Santos destacava a necessária diferenciação entre a história urbana e a história da cidade. Enquanto a primeira tem como referencial o abstrato, o geral, o externo , o segundo diz respeito ao particular, ao concreto, ao interno . Diz o autor:

[...] a história do urbano seria a história das atividades que se realizam na cidade, não numa determinada cidade, mas no ambiente urbano de modo

geral. Seria portanto a história do emprego não-agrícola, das classes urbanas, da divisão do trabalho entre a cidade e campo e dentro das próprias cidades... A história da cidade seria... a história dos processos sociais que se materializam de forma mais objetiva: a história dos transportes, a história da propriedade, da especulação, da habitação, do urbanismo, da centralidade [...].

Mas o autor ainda assim adverte:

[...] para que tratemos da memória das cidades [...] é fundamental que além da história urbana e da história da cidade, fundamentais para que possamos contextualizar os processos sociais no tempo e no espaço, recuperemos também a história daquela determinada cidade, e esta última é mais do que a soma das duas primeiras. Ela é a síntese de como aquelas duas histórias se empiricizaram, como materialidade e como ação humana, não no espaço geográfico em geral, mas naquele lugar (Ibidem).

Portanto, também não é possível fixar características sobre uma determinada Área de Transição Urbana e Rural em relação ao lugar, ao particular, ao concreto, mas é possível verificar as relações sócio-espaciais e suas expressões subjacentes, comuns quanto às suas dinâmicas que lhe conferem graus de transitoriedade em diversas magnitudes e em diferentes tempos e espaços.

Assim, é importante analisar o momento que as populações residentes no campo dos municípios metropolitanos estão experimentando, marcado por fortes mudanças no estágio de desenvolvimento sócio-espacial, econômico e cultural, especialmente, decorrentes do avanço do setor terciário. Nessa mudança, na caracterização estabelecida por Santos(a) (2005), verifica-se a migração do meio técnico para o meio técnico-científico e, posteriormente, para o meio técnico- científico-informacional , especialmente em se tratando das áreas com forte influência do terciário especializado.

Segundo Rémy e Voyé (1992 pp 13-16), vem se evocando, primeiramente, certa densidade de habitat e uma dominância do construído sobre o não-construído, sendo um espaço onde a natureza pode inscrever-se , ainda que não a estruture.

A abordagem desses autores, entretanto, não considera que a ocupação do espaço não se limita a uma relação interdependente ou hegemônica do construído sobre o não construído. Ela perpassa as fronteiras do perímetro urbano, integrando de um lado populações rurais em atividades não agrícolas e, de outro, atraindo citadinos para morarem em locais ambientalmente mais aprazíveis que a turbulenta zona urbana municipal, além das diversas transformações nas produções sócio- espaciais verificadas nos dois ambientes. Essa atribuição definida pelos autores

perde força no meio técnico-científico-informacional, onde as divisas passam a ser difusas e imprecisas especialmente quanto à dinâmica das relações estabelecidas no espaço municipal e no além-fronteiras .

Dessa forma, locais aonde a urbanização não se consolidou ou onde a característica rural prevalece, tornam-se muito atraentes, visto que alia o relativo baixo preço da terra e proximidade aos centros urbanos, à sua infra-estrutura de indústria, comércio e serviços, e à qualidade ambiental de uma área ainda pouco afetada pelo crescimento urbano.

Verifica-se, então, a transição de atividades prevalecentes rurais nessas áreas para atividades de oferta de habitação, tipicamente urbanas, resultando em novas formas de ocupação, constituindo-se em ATRU s. Essa modificação das formas tem importância histórica na vida municipal visto que, segundo Santos(b) (2005, p. 62)

[...] elas não são o envoltório inerte dos instantes que marcam a evolução da sociedade global, mas, igualmente, a condição para que a História se faça. As formas antigas permanecem como a herança das divisões do trabalho no passado e as formas novas surgem como exigência funcional da divisão do trabalho atual ou recente. Elas são também uma condição, e não das menores, de realização de uma nova divisão do trabalho.

Historicamente verifica-se que as expressões da produção social em um determinado espaço condicionam os limites territoriais. No campo, a produção agrícola muitas vezes perdura e expande-se em determinados espaços determinando territórios e lugares. Assim, uma região é denominada como área de produção agrícola , fundamentalmente porque há nela pessoas que desenvolvem práticas agrícolas, assim como região de pesca aonde tem pescadores, região de caça aonde tem caçadores, etc. É a lógica mais singela e ao mesmo tempo, coerente, de delimitação territorial.