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4. Morfologia dos espaços rural e urbano

4.1 Expansão urbana e ocupação dos espaços rurais

Pode-se verificar que a expansão da área urbana de São Gonçalo do Amarante em direção às áreas rurais, vem se dando espontaneamente e através de projetos habitacionais e turísticos privados (condomínios rurais) e públicos (conjuntos habitacionais), bem como por investimentos governamentais em infraestrutura produtiva, especialmente voltada para a indústria e para o sistema aeroviário nacional, com a construção do novo Aeroporto de São Gonçalo do Amarante.

Figura 17 - Tendência de expansão urbana no município de São Gonçalo do Amarante/RN para o ano de 2020.

Fonte: TINÔCO FILHO, A. F (Coord.). Perspectivas de expansão urbana para São Gonçalo do Amarante. START PESQUISA, 2007.

O crescimento espontâneo se dá sem articulação e mediação através de projetos ou determinações urbanísticas voltadas à expansão da cidade. Muitas vezes esse processo também está associado a movimentos especulativos de sobrevalorização de espaços no território rural buscando a constituição de novos nichos de expansão imobiliária. O reflexo do crescimento urbano aleatório e da forte periferização na vida das cidades, como verificado nas áreas com maior concentração populacional, vem se dando em seus territórios municipais na expansão urbana, notadamente, por processos econômicos.

Esse fenômeno vem sendo observado em diversos municípios metropolitanos, nos quais, segundo Grostein (2006, p. 02):

[...] prevaleceu a difusão do padrão periférico, condutor da urbanização do território metropolitano, perpetuando, assim, o loteamento ilegal, a casa auto-construída e os distantes conjuntos habitacionais populares de produção pública, como seus principais propulsores [...]

Em São Gonçalo do Amarante, também prevalecem a criação de condomínios rurais de segunda residência e de refúgios da classe média sem

opções de moradia no centro metropolitano. (TINÔCO; RIGHETTO; ANDRADE NETO; 2006).

Barbosa e França (2006), ao referir-se sobre o processo de evolução da segregação urbana e ao procurar identificar suas raízes, verificam que autores como Ribeiro (2003; apud BARBOSA; FRANÇA, 2006. pp.01-02) atribuem que:

[...] o aumento da segregação urbana origina-se dos impactos da globalização e aponta como elementos causais três fenômenos: O primeiro, segundo o autor, ocorreu em vários países e se refere à liberalização do mercado de terras e da moradia. Como conseqüência, os preços dos imóveis tornaram-se indiscutivelmente, um dos principais fatores geradores da desigualdade de renda na organização do espaço urbano. Um segundo fator, apontado pelo autor, diz respeito à privatização dos serviços urbanos, fato que ocasiona uma desigualdade mais acentuada no acesso aos serviços urbanos, no sentido de que a camada mais abastada da população é provida por uma oferta de serviços com qualidade, enquanto que para as populações socialmente menos privilegiadas há escassez de oferta de serviços, além dos mesmos mostrarem-se, muitas vezes, condições adversas. Um último fator, apontado pelo autor, como causa da segregação residencial, reside no fato de que a globalização ocasiona mudanças estruturais nas transformações da base produtiva das cidades.

A periferização sentida nas áreas de São Gonçalo do Amarante, limítrofes à Capital, também se caracterizou de um lado, pela ação do poder público com a construção dos conjuntos habitacionais em Natal, típicos dos anos 70 e 80, e o avanço de forma abusiva do tecido urbano, sem planejamento adequado, sobre os municípios vizinhos, caracterizando as suas ATRU s como o espaço citadino dos pobres e dos excluídos, sem infra-estrutura e serviços públicos de qualidade, uma cidade ilegal, ainda que muitas vezes legítima (excetuando-se os loteamentos clandestinos e as ocupações ilegais dos especuladores imobiliários de condomínios horizontais).

Em Natal, Silva (2003) ao analisar a formação dos espaços de pobreza nas áreas periurbanas da cidade verificou que esse processo trazia implicações no desenho e configuração urbana, bem como no acirramento da pobreza e desigualdades sociais no território municipal. A articulação dessas áreas periurbanas de Natal, especialmente o bairro de Igapó e Parque dos Coqueiros, às localidades limítrofes de Jardim Lola, Amarante e Golandim (estas, em São Gonçalo do Amarante), determinaram fortemente o padrão de ocupação nessas localidades.

O autor ainda avalia que esses espaços de pobreza [...], constituem-se como uma marca da construção desigual das cidades brasileiras, fomentadas pelo tipo de

desenvolvimento econômico, pelas políticas habitacionais e intervenções sociais capitaneadas principalmente pela ação estatal e, em menor grau, por iniciativas privadas nos últimos 50 anos. Ao analisar os impactos sobre a morfologia urbana e sua expressão nos processos históricos de conformação da economia e dinâmica da Capital metropolitana, Silva (2003, pp. 01-02) então destaca que:

De pouco peso na economia regional, Natal sofrerá maiores modificações em sua dinâmica urbana, devido sua participação na Segunda Guerra Mundial como base para operações norte-americanas. Tal fato fez emergir, além de um intenso aumento populacional, um mercado de terras onde a figura do loteador surge como um agente transformador do espaço. Após esse crescimento foi apenas no quarto final da década de 1970 e início dos anos de 1980, que a participação do Estado na expansão definitiva da malha urbana ocorreu com a construção de quase 50.000 unidades habitacionais, além de programas de lotes urbanizados, melhorias em áreas carentes, remoção de favelas, entre outros.

Após o estabelecimento da política habitacional das décadas de 70 a 80, com enfoque na construção de conjuntos habitacionais, os processos de expansão urbana assumiram uma característica mais mercadológica e social, como resultante na diminuição das intervenções estatais.

Nesse contexto, a análise necessita considerar os limitantes de caráter descritivo envolvidos, os quais se fundamentam sobre a forma material de organização das cidades.

Sob outra perspectiva, vem-se conformando a identidade sócio-cultural do citadino e do campesino, expressas, por exemplo, nas formas de ocupação e usos evolutivos de seus territórios, bem como na apropriação desses espaços coletivos e privados, pela maioria da população local ou por grupos ou segmentos privilegiados, endógenos ou exógenos aos lugares.

A integração de dados de dimensões distintas como: ambiental, turística, paisagística, histórica, cultural, econômica, social, urbanística, rural, patrimonial e territorial, associada à infra-estrutura municipal e a capacidade de governo instalada nos três poderes, vêm-se constituindo na referência técnica e sócio-política de leitura dos municípios quando da elaboração de seus Planos Diretores Participativos. Esse espaço de análise tem sido legitimado em São Gonçalo do Amarante, mediante a participação popular, articulando a análise técnica às auscultas à comunidade, consolidando um espaço de análise técnica-política da realidade observada.

Em São Gonçalo do Amarante vem ocorrendo, em suas ATRU s, uma confluência de concepções, valores, culturas, leituras, enfim, de diferentes linguagens características do meio urbano e do rural.

Do ponto de vista dos valores simbólicos, quanto maior o município percebe- se que as diferenças entre as linguagens se aprofundam tendendo a prevalência do ser urbano e, quanto menor, mais difícil se torna identificar tais diferenças entre a sensação de habitat rural ou de habitat urbano, tendendo a prevalência do ser rural . Trata-se de uma mistura de base heterogênea de possibilidades e potencialidades proporcionadas pelas trocas sócio-afetivas imediatas nesses lugares determinados.

Observa-se uma transição de costumes, valores e modos de vida, entre o tipo de apropriação do espaço e a dinâmica coletiva da cidade em direção ao campo, e vice-versa, onde se estruturam as atividades sociais, conferindo uma sistemática à cultura regional circundante ou, contraditoriamente, consubstanciando espaços de ruptura e inovação. Essas transformações do território (ou mesmo a desterritorialização) vêm sendo analisada por diversos autores, ou como avalia Haesbaert (2002, p. 27):

Embora muitos materialistas, em especial os mais mecanicistas, possam simplificar, afirmando que o território se restringe à base espaço-material, sobre a qual se reproduz a sociedade, outros, notadamente os materialistas dialéticos, dirão que o território tem como um de seus componentes essenciais o conjunto de relações sociais. Aqui, entretanto, as divergências também podem ser marcantes desde aqueles que concedem à materialidade do território, seu substrato físico, um papel simplesmente acessório ou quase nulo (uma espécie de palco, reflexo ou produto) diante das relações sociais (vistas em geral de forma dicotômica em relação à materialidade através da qual se realizam), até aqueles que colocam este substrato físico como mediador, componente fundamental ou mesmo determinante dessas relações (o espaço como instância social em Santos, 1978, e Morales, 1983).

É instigante observar em suas localidades a Van de transporte alternativo de passageiros, esperando pacientemente o boi que trafega em ritmo próprio, misturado a transeuntes integrados à paisagem sócio-ambiental, cruzar de lado a lado a rodovia que cinge a entrada principal da cidade... Se expressa nesse momento uma contradição: como denominá-la meio urbano ?

Porém, nesse mesmo município, ao aproximar-se os festejos juninos, a Prefeitura local promove uma semana de folia em homenagem a São João,

transmutando aquela cidadela em um grande atrativo turístico, fazendo dobrar, triplicar, decuplicar a população municipal em apenas uma semana.

Em outro caso, um grupo de investidores internacionais, atraídos pela beleza cênica e pitoresca desse município, resolve instalar um Resort, associado a um campo de golfe, envolvendo lagoas e rios, demandando em empregos diretos e indiretos, o dobro da população urbana.42

Ainda que este trabalho concentre-se além desses surtos de explosão demográfica conjuntural, são perceptíveis as dinâmicas distintas entre aqueles que vêm do urbano para o rural, os que vão do rural para o urbano, os que permanecem no rural, mas em transição para um nível tecnológico mais dinâmico e aqueles que vêem o seu ambiente urbano de cidadela transitar de um ambiente tranqüilo e familiar, para um ambiente competitivo e agitado.

São práticas sócio-espaciais distintas. O meio rural denota uma significância como lugar de produção agropecuária, silvícola e não-agrícola, estruturado em complexas relações de interdependência orgânica para com o ambiente urbano e para com sua dinâmica própria de desenvolvimento. Assim, resulta em modos característicos de expressão territorial, ora orientada por fatores externos que o controlam, ora expressando-se de forma aleatória, em processos de ruptura e inovação social, tecnológica, cultural, dentre outras, nem sempre legais ou éticas.

De outro lado, a expansão indevida do perímetro urbano sobre áreas em que predomina a produção agrícola desestabiliza a atividade produtiva local. A tendência de as propriedades serem fragmentadas para o surgimento de loteamentos e a elevação do preço de mercado das terras são fatores que influenciam nessa direção. Ao afastarem dos atuais residentes, as unidades produtivas dessas regiões geradoras de alimentos de primeira necessidade para sítios mais distantes, acabam por impingir reduções crescentes de mobilidade, elevando as restrições de acesso a alimentos passíveis de serem fornecidos ao consumidor final, diretamente do produtor.

Como resultante, percebe-se a elevação dos preços dos produtos por pressão de intermediação e frete, perda da qualidade organoléptica por condições precárias de armazenamento, recorrentes desabastecimentos locais por baixa articulação entre mercados atacadista e varejista, dentre outras.

Nesse aspecto, a área rural limita a sua característica provedora de alimentos de primeira necessidade, geradores do estado de segurança alimentar e nutricional, este, podendo ser definido como a forma de:

[...] garantir, a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana (CONSEA. 2003. p. 02).

Quando esse afastamento não está associado a condições de mobilidade urbana, ocorrem as referidas elevações de preços, perda de qualidade alimentar e desorganização do sistema de abastecimento de alimentos (BASSOLS; BAÑALES, 2007), resultando em instabilidades no estado de segurança alimentar e nutricional da população, muitas vezes levando à insegurança e, em casos mais extremos, à fome.

Também corroborando com a relevância da acessibilidade aos alimentos, o Plano de Ação decorrente da Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar Mundial (FAO, 1996 p. 06), já ressaltava que:

[...] para melhorar o acesso aos alimentos é imprescindível erradicar a pobreza. A grande maioria das pessoas subalimentadas não pode produzir alimentos, ou mesmo comprá-los, em quantidade suficiente. Eles têm um acesso difícil aos meios de produção como a terra, água, insumos, sementes e plantas melhoradas, à tecnologia adequada e ao crédito agrícola... esta intervenção não resolve, a longo prazo, as causas principais da insegurança alimentar [...] Dever-se-á assegurar o acesso eqüitativo a um abastecimento estável de alimentos.

Essa reflexão sobre acessibilidade à alimentação saudável e permanente nos organismos internacionais, ou até mesmo dentro de diversos setores sociais, impõe a necessidade de incluir essa condição, como um dos elementos definidores de cumprimento da função social da terra e da propriedade, visto que a forme é talvez a forma mais cruel e desumana de exclusão social.

O debate deve compor a discussão de temas como a reforma agrária e a reorientação das políticas de abastecimento alimentar, bem como a Política Urbana dos municípios considerando esses fatores locais, mas também refletindo sobre os dados oficiais que mostram os alarmantes indicadores do problema em todo Brasil e no mundo.

O impacto da insegurança alimentar é mais expressivo sobre as camadas mais pobres da população, o que contradiz um dos princípios fundamentais do Estatuto da Cidade43, qual seja: o cumprimento da função social da terra e da propriedade, bem como dos direitos fundamentais do cidadão, dentre eles, o direito a alimentação44 em quantidade e qualidade suficientes às suas necessidades básicas diárias.

No início da década de 90, o IBGE e o IPEA revelaram que havia 32 milhões de brasileiros em estado de extrema pobreza, ou com fome crônica (IPEA; 2006). Destarte o curto espaço de tempo entre 1993 e 1994, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar CONSEA45 trouxe a discussão da fome e a reflexão sobre segurança alimentar para inserção na agenda oficial. Necessita também incluí-la da discussão da Política Urbana dos municípios e nas políticas setoriais.

Este tema já ocupa a agenda de diversos organismos internacionais preocupados com a grave situação verificada na maioria dos países do mundo. À frente desse processo, a FAO (1996) constituiu-se no lócus de reverberação dessa problemática. Outros organismos internacionais, como o PNUD (2004) em conjunto com instituições acadêmicas e do Terceiro Setor, promoveram uma série de pesquisas sobre essa temática. Dentre elas, a definição dos Objetivos do Milênio estabeleceram como Objetivo 01 erradicar a extrema pobreza e a fome . Os principais indicadores desenvolvidos para o acompanhamento da evolução do quadro da fome e da miséria foram as linhas da pobreza e da miséria , sendo definidas da seguinte forma:

O procedimento passa por definir, a partir dos hábitos de consumo, uma cesta de bens que incorpore os componentes nutricionais mínimos. O valor dessa cesta é considerado como a linha de indigência. Agregando-se uma provisão para gastos com transporte, habitação, vestuário e outros, chega- se a um valor monetário que é definido como a linha de pobreza. As famílias cuja renda per capita esteja abaixo desse limite são consideradas pobres (IDHS/PNUD/UFRGS/PUCMinas, 2004 p. 7).

43 Senado Federal. Lei 10.257 de 10 de julho de 2001.

44 Senado Federal. Constituição Federal Brasileira. Brasília: DOU. 1988.

45CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, criado em 1993, no governo

Itamar Franco, vinculado à Presidência da República. As primeiras diretrizes foram apresentadas na I Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional , em 1994. Foi extinto durante o governo Fernando Henrique Cardoso, sendo re-editado em 2003 com o objetivo de assessorar o Presidente da República na formulação de políticas voltadas a garantir o direito à alimentação, com prioridade para a agricultura familiar e reforma agrária.

O enfoque dado à segurança alimentar associada à equidade social não pode, entretanto, limitar-se às questões de renda sem, no entanto, desconsiderar ser este o pilar fundamental de acessibilidade, de redução da vulnerabilidade e mesmo da ascensão social da população.

É importante verificar que a pressão sobre a renda também se dá pelos preços praticados no mercado, o qual tende a elevar-se em função de diversos fatores que agregam custo aos produtos alimentícios, dentre eles, a distância de onde os alimentos são produzidos e a proximidade a unidades de armazenamento e beneficiamento de produtos, o valor da terra e sua proximidade a centros urbanos e outros locais de escoamento da produção (portos, aeroportos, rodovias, etc.).

O impacto que o município de São Gonçalo do Amarante sente sobre esse aspecto, diz respeito a dois fatores fundamentais: de um lado o preço da terra no entorno ao aeroporto e na área de influência da possível Área de Livre Comércio ALC, ou mesmo uma Zona de Processamento de Exportações ZPE e, de outro lado, pela expansão urbana voltada à infra-estrutura aeroviária e de logística, bem como de habitações e condomínios mistos (habitação e lazer).