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3. Análise dos processos de produção sócio-espacial

3.4 Ocupação dos espaços ambientalmente frágeis

A produção socioeconômica da informalidade urbana têm resultado, em um padrão essencialmente especulativo de crescimento urbano, que combina a segregação social, espacial e ambiental (FERNANDES; 2002), com a leniência ou conivência dos grupos políticos dominantes com os interesses privados do capital imobiliário especulativo.

A ocupação de áreas com déficit de infra-estrutura urbana, insalubres, públicas e ambientalmente frágeis, dá-se quando o acesso à moradia é dificultado pela elevação do preço da terra, em comparação ao nível de renda da parcela da população economicamente menos favorecida.

Segundo Bentes; Tinôco (2007, p. 368):

Com expressões desses processos, vivencia-se na atualidade, o contraponto entre as áreas estruturadas das cidades e as periferias urbanas inacabadas, destituídas de infra-estrutura e insalubres. Segundo o IBGE (2001), os assentamentos precários estão presentes em 97% das cidades com mais de 500 mil habitantes. Nas cidades com população entre 100 e 500 mil , estão presentes em 80%, e em 45% daquelas que apresentam entre 20 e 100 mil habitantes.

Fernandes (2002) relata que a partir da década de 80 a ocupação irregular e inadequada de áreas ambientalmente frágeis, se constituiu como uma das conseqüências da falta de alternativas habitacionais para a população mais pobre. Segundo o autor, cada vez mais, os loteamentos irregulares, as ocupações informais e as favelas têm se assentado justamente nas áreas ambientais mais frágeis , bem como em áreas insalubres, que oferecem riscos à população.

Bentes e Tinôco (2007, p. 368), ao analisarem os movimentos de atualização do escopo jurídico que trata do parcelamento do solo urbano, a ocupação de áreas especialmente protegidas e ante as especificidades regionais brasileiras, avaliam que:

Para além das diferenças nas formações físico-ambientais, a exemplo dos biomas, são os processos sociais relacionados sobretudo à questão da moradia que de fato definem as principais inadequações e dificuldades na abordagem das ocupações irregulares em áreas de preservação permanente.

Por essas características de fragilidade e riscos, boa parte dessas áreas foi protegida por lei através de fortes restrições de uso e ocupação de seus espaços, tornando-se assim pouco atrativas para o mercado imobiliário formal.

Por outro lado, a população mais pobre, excluída do seu direito à moradia e imbuída da vontade de ter um local onde habitar e, de preferência, perto do lugar onde trabalha, acaba por ser expulsa de seu território e, em decorrência, opta por invadir essas áreas de fragilidade ambiental, normalmente distantes dos reclamos da iniciativa privada em relação às ocupações espontâneas, bem como da responsabilidade social do Estado. O reflexo direto desses processos na vida dessas cidades pode ser observado na urbanização espontânea com sintomas de segregação na periferia das cidades.

A história mostra que cidades metropolitanas (como São Gonçalo do Amarante, pertencente à RMN) cresceram ocupando terras férteis, próximas às fontes de água doce (Rio Potengi; Rio Mipibu, Rio Ceará-Mirim, Rio Pitimbu, sistema lacustre de Nísia Floresta, etc.). Com o desenvolvimento da urbanização, as áreas de produção agropecuária foram sendo afastadas dos centros consumidores, em direção às terras nem sempre férteis e muitas vezes com baixa disponibilidade de água e de infra-estrutura produtiva, como conseqüência da relação dicotômica do construído sobre o não construído.

Muitas áreas ambientalmente frágeis também vêm sendo ocupadas pela evolução da malha urbana, pressionando os ecossistemas existentes, principalmente aqueles com ocorrência de dunas (litoral), de recursos hídricos e de remanescentes de mata atlântica (litoral e interior), levando a supressão de importantes elementos cênico-paisagísticos, representantes da biodiversidade da zona costeira, bem como poluindo e contaminando fontes de água superficiais e subterrâneas, por exemplo, com a presença de matérias orgânicas, micro- organismos (termotolerantes) e de matérias minerais (nitratos), os quais se constituem em riscos efetivos à saúde pública. (TINÔCO; RIGHETTO; ANDRADE NETO, 2006).

Esse processo vem evoluindo desde o período colonial, sendo intensificado a partir do terceiro terço dos anos 90 (SANTOS(a), 2005), impulsionado pela revolução industrial e pelo forte processo de urbanização no Brasil.

A ocupação de Áreas de Preservação Permanente APP nas áreas urbanas decorre do processo excludente de desenvolvimento urbano, associado à baixa capacidade de governo nos níveis federal, estadual e municipal, os quais não respondem satisfatoriamente à aplicação dos instrumentos regulatórios de proteção ambiental, como também não apresentam alternativas quando do planejamento e implantação da política urbana, especialmente voltada à população socialmente vulnerável. Segundo Bentes (2006, p. 112-113):

Abordamos o tema das áreas de preservação permanente em meio urbano, estabelecendo interação com questões de cidadania, demandas de políticas públicas e movimentos sociais, na cidade e no campo. Consideramos que o modelo urbano-industrial brasileiro adotado a partir do século passado contribuiu fortemente para agravar as dificuldades de acesso á terra e à moradia adequada pela grande maioria das populações urbanas, cujo crescimento, em algum nível, está relacionado igualmente ao problema da concentração fundiária e condições de vida no campo. Decorre desses processos a ocupação intensiva de assentamentos urbanos precários em áreas protegidas. Favelas, loteamentos irregulares e outras formas de ocupação em área de preservação ambiental configuram o padrão habitacional dominante em nossas cidades para aqueles que não têm condições de acessar a terra e os benefícios da urbanização.

Figura 14 - Tipologia de habitações precárias em áreas ambientalmente protegidas, em São Gonçalo do Amarante, 2007

Fonte: TINÔCO FILHO, A. F. (Coord.). Plano Diretor Participativo de São Gonçalo do Amarante: Relatório técnico de leitura da cidade. Natal: START PESQUISA, 2007 p. 66.

Com o aumento da população nessas áreas, resta ao poder público, a alternativa de urbanizá-la. Isso se dá com elevados custos ambientais, de infra- estrutura e de ordenamento do espaço urbano, normalmente com ocorrência de diversos problemas quanto ao seu traçado e barreiras arquitetônicas que se multiplicam em toda a malha urbana.

O problema é mais grave em municípios metropolitanos. Segundo Tinôco (2006, p. 119):

As regiões metropolitanas concentram a maior parte da população e da pobreza e evidenciam graves níveis de degradação ambiental em relação às outras regiões ou áreas do país [...] Constata-se a devastação ambiental tanto pelos empreendimentos quanto pelas populações dos núcleos litorâneos, que vão se deslocando para as áreas interiores mais distantes da praia, afetando principalmente a vegetação das dunas e os recursos hídricos.

Figura 15 - Extração ilegal de areia no Rio Potengi em São Gonçalo do Amarante, 2007 Fonte: START PESQUISA. In TINÔCO FILHO. Relatório de Leitura da Cidade. Plano Diretor

Participativo de São Gonçalo do Amarante, 2007, p. 197.

Dentre as áreas de recursos hídricos mais pressionados em São Gonçalo do Amarante, confirmando a análise do autor, estão os espaços estuarinos e margens do Rio Potengi, onde a extração ilegal de areia lavada, a extração de argila para a atividade ceramista e a ocupação de áreas de manguezais por atividades de

carcinicultura produzem grandes impactos ambientais negativos, especialmente nas localidades de Jardim Lola, Coqueiros, Uruaçu, Pajuçara e Milharada.

A carcinicultura ocupa uma área de 230 hectares no território municipal. Constitui-se de 17 fazendas, com um total de 102 viveiros de criação, produzindo em média 1.731 toneladas de camarão, gerando 211 empregos diretos (TINÔCO FILHO; 2007).

Figura 16 - Viveiros de carcinicultura às margens do Rio Potengi, em São Gonçalo do Amarante, 2007.

Fonte: Adaptado pelo autor da base de dados do IDEMA/RN. 2007. 2008.

As transformações nos ambientes naturais por pressão antrópica tornam-se mais evidentes nas situações extremas, como em grandes espaços de desmatamento no meio rural ou na forte fragmentação de ecossistemas no ambiente urbano. Entretanto, Tinôco (2007. p.329) pondera sobre a adaptação do tecido social às novas características impostas pelas transformações no meio ambiente. O equilíbrio ambiental tornava-se instável com graves prejuízos aos atributos dos espaços naturais. Relata o autor:

[...] a pressão das atividades econômicas sobre o território vem transformando o meio ambiente urbano, tornando fragmentados os ecossistemas e inviabilizando, em muitos deles, as funções ambientais necessárias à manutenção do equilíbrio ecológico da biota originalmente

existente. Por outro lado, novas realidades ecossistêmicas vêm se estabelecendo, resultando em nova realidade ambiental integrada ao desenvolvimento sócio-econômico e a vida cultural da população residente.

Elevando-se a ocupação urbana nas áreas rurais sem uma legislação que regule todas as relações sócio-espaciais nelas inseridas, resulta em problemas sócio-ambientais como desmatamento, assoreamento de cursos d água, poluição de mananciais, limitando um dos atributos do meio rural, qual seja, a proteção ambiental, bem como ocupando sem a devida atenção porções de solo férteis destinados à produção de alimentos, ficando os mesmos para áreas mais distantes, resultando em alimentos mais caros e de qualidade inferior.

Dessa forma, a produção social atua para redefinir os seus espaços ocupados, surgindo novos territórios ante realidades que vão sendo construídas na transição das áreas, constituindo novos lugares onde as relações sócio-econômicas impõem uma gama diversa de dinâmicas, até então desconhecidas na prática social da população residente, ainda que com perda de qualidade ambiental e exclusão social.

A área no entorno do aeroporto tem sido objeto de ocupações espontâneas e da intervenção do capital imobiliário nos remanescentes de mata atlântica. O próprio aeroporto foi constituído em área de mata ombrófila densa, promovendo uma forte supressão para construção das pistas de pouso e da área destinada às edificações voltadas aos passageiros e a gestão de cargas. A tendência dessas áreas no entorno do aeroporto é de haver uma forte supressão da floresta que ainda resta, visto se tratar de uma área extremamente cobiçada para instalação da logística necessária ao funcionamento de um aeroporto com as características de centro de transbordo e gestão de cargas, bem como de transporte de passageiros.