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Especificidades da Violência Conjugal em Casais Homossexuais

CAPÍTULO II – DIFERENTES, ESPECIFICIDADES E VIOLÊNCIA CONJUGAL

5. Especificidades da Violência Conjugal em Casais Homossexuais

Foi a partir dos anos 80 que esta temática começou a surgir na literatura, sendo alvo cada vez maior do interesse e curiosidade de vários estudiosos (Renzetti, 1993, cit. Matos, 2006).

Importa compreender antes de mais que, a maioria dos casais homossexuais funciona de uma forma relativamente semelhante aos casais heterossexuais, mantendo uma relação familiar saudável e funcional (Kurdek, 1994, cit. Matos, 2006). Assim sendo, são também casais onde a violência conjugal pode acontecer. Mais semelhanças foram apontadas entre casais homossexuais e heterossexuais relativamente a esta temática da violência conjugal, estudos iniciais sugeriam que as taxas de violência conjugal eram semelhantes entre estes dois tipos de casais (Elliott, 1996).

Num estudo realizado com o objectivo de examinar a prevalência da violência doméstica em pessoas do mesmo sexo, Kelly e Warshafsky (1987, cit. Brown & Groscup, 2009), verificaram uma taxa de perpetração de 47% de uma amostra constituída por homossexuais.

Por sua vez, Waldner-Haugrud, Gratch e Magruder (1997), constataram que 47,5% das mulheres homossexuais questionadas, foram vítimas da companheira e 29,7% dos homens homossexuais inquiridos indica o mesmo tipo de abuso por parte do companheiro. Straus & Gelles (1990, cit. Brown & Groscup, 2009), apontam índices de violência doméstica entre casais homossexuais no valor dos 33%. Estudos realizados na área sugerem que mesmo o Ciclo da Violência, verificado nos casais heterossexuais, também se manifesta em casais homossexuais (Stanley, Bartholomew, Taylor, Oram & Landolt, 2006). Ainda no campo das semelhanças relativamente à perpetração de violência doméstica entre casais homo e heterossexuais, em termos da gravidade e dos tipos de abuso, os indicadores são semelhantes entre ambos (Elliot, 1996; Island & Letellier, 1991; Renzetti, 1992, cit. Brown & Groscup, 2009).

No relatório elaborado pelo New York City Gay and Lesbian Anti-Violence Project verificou-se que, entre outros aspectos, a taxa de homicídios entre parceiros íntimos do mesmo sexo, taxa essa com um valor de 1%, é comparável àquela que diz respeito aos casais heterossexuais (Brown & Groscup, 2009).

Apesar de existirem semelhanças no que respeita à violência conjugal entre casais homossexuais e heterossexuais, as diferenças também se manifestam e será

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sobre elas que as próximas palavras se irão debruçar. Existem duas características que marcam e caracterizam a violência conjugal entre casais homossexuais: em primeiro lugar existe a ameaça de um dos companheiros(as) expor a orientação sexual do parceiro a terceiros (ameaça de outing) e por outro lado existe para estas vítimas um maior isolamento social, faltando apoios nos seus direitos civis e no acesso ao sistema jurídico (Matos, 2006).

Estes dois aspectos mencionados apresentam uma importância significativa na questão da violência conjugal em casais homossexuais, visto que os mesmos podem ter consequências na vida pessoal e profissional da vítima. Designadamente, a exposição da orientação sexual da vítima pode afectar o seu emprego e as suas relações familiares de amizade quando essa exposição é feita de forma hostil, sem consentimento da pessoa e sem a preparação psicológica necessária que requer tal tomada de decisão (Matos, 2006). Por outro lado, mesmo que a vítima esteja disposta a denunciar a situação, a admitir e revelar a sua homossexualidade, depara-se com uma sociedade que ainda não é suficientemente capaz de responder às suas necessidades específicas, devido à falta de estruturas capazes de auxiliar e refugiar as vítimas adequadamente (Rohrbaugh, 2006; Mahoney et al., 2001, cit. Matos, 2006). Por outro lado, estas vítimas podem deparar-se ainda com a pressão social, nomeadamente vinda de organizações homossexuais para que, de modo a combater o preconceito e estereótipos associados à homossexualidade, não denunciem a situação (Mahoney et al., 2001, cit. Matos, 2006). Este último aspecto poderá também relacionar-se com o facto de se verificar posteriormente uma fraca procura de apoio junto das instituições (Renzetti, 1993, cit. Matos, 2006).

Foram também realizados estudos que possibilitaram fazer a comparação entre agressores masculinos homossexuais e heterossexuais, concluiu-se que não existem diferenças significativas, apresentando ambos os grupos as mesmas características: fraco sentido de identidade, dependência, arrogância, emocionalmente reprimidos, medo do abandono, receio de experimentar situações que não controlem (Island & Letellier, 1991; Merrill, 1998, cit. Matos, 2006). Os estudos que se debruçaram sobre agressoras homossexuais revelam características pessoais como: dependência emocional, desconforto físico e emocional com a intimidade e ciúme extremo. Tal como como os agressores masculinos heterossexuais estas agressoras também manifestam o medo de ser abandonadas, usam a violência para manter um certo nível de distância nos relacionamentos e para rejeitar ou evitar que sejam rejeitados(as) em primeiro lugar (Matos, 2006).

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Numa investigação conduzida por Renzetti (1992, cit. Matos, 2006), acerca de relações homossexuais femininas, verificou-se a partir do discurso de algumas vítimas que procuraram por auxílio em algumas instituições (casas-abrigo, autoridades) e que a resposta obtida era na sua maioria negativa. Tal situação sugere uma certa incapacidade para que, em situações de violência em casais homossexuais, seja prestado o apoio necessário (Matos, 2006). Assim sendo parece compreensível que na sua maioria estas pessoas recorram ao apoio de amigos ou à psicoterapia (Girshick, 2002).

De referir também que, no que respeita à defesa, nos casais homossexuais existe uma maior tendência para que a vítima procure defender-se das agressões. Por todas estas especificidades mencionadas até então, torna-se essencial obter um histórico detalhado do tipo de agressão praticada, do conflito e dos vários incidentes associados à violência nas relações íntimas. A complexidade de cada situação, designadamente da violência conjugal em casais homossexuais, exige de todos os profissionais o adquirir de competências específicas para trabalhar com estas pessoas (Matos, 2006).

Relativamente às críticas apontadas aos estudos efectuados na área, surgem aspectos relacionadas com a pequena dimensão da amostra, bem como o facto destas serem ―auto-identificadas‖(Renzetti, 1993, cit. Matos, 2006), aspecto que poderá de algum modo auxiliar na compreensão de determinadas investigações revelarem percentagens de violência tão altas.

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