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Especificidades do Abuso contra as Mulheres na Violência Conjugal

CAPÍTULO II – DIFERENTES, ESPECIFICIDADES E VIOLÊNCIA CONJUGAL

3. Especificidades do Abuso contra as Mulheres na Violência Conjugal

De acordo com as teorias feministas as diferenças de género são determinadas pela sociedade patriarcal em que vivemos, onde existe uma desigual distribuição do poder. Estas desigualdades estarão na base da violência cometida contra as mulheres. Relativamente à violência perpetrada pelo homem em relação à mulher,

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alguns autores defendem que essa violência acontece como uma resposta compensatória do homem face aos acontecimentos sobre os quais o mesmo não tem o controlo desejado (Babcock et al., 1993, cit. Duarte, 2005).

Num estudo levado a cabo por Harris e Miller (2000) verificou-se que os homens apresentam maiores níveis de agressividade quando comparados com as mulheres. Por seu turno, as mulheres apresentam mais receios e uma percepção do perigo mais acentuada.

Um aspecto interessante referenciado por alguns autores (Holtzworth- Munroe & Stuart, 1994) sugere também que as mulheres batidas são consideradas, no sentido mais tradicional, mais femininas e mais tolerantes. Esta constatação vem então indicar que as mulheres vítimas de violência conjugal corresponde, numa perspectiva mais tradicional, ao padrão feminino concebido pelas pessoas, por outro lado a vertente mais tolerante permite-lhes resignarem-se e aceitarem as regras de terceiros, designadamente do cônjuge. De um modo geral, os homens agressores preservam seu domínio através da força física, independente daquilo que a mulher possa pensar ou sentir.

Algumas investigações sustentam também que as mulheres vítimas de violência, manifestam níveis mais baixos de intimidade e compatibilidade para com os seus cônjuges, assumindo um papel feminino mais tradicional (Apt & Hurlbert, 1993, cit. Duarte, 2005). É também sugerido que mulheres agredidas consideram o abuso emocional como aquele que maior carga de ansiedade lhes desperta (Follingstad, Brennan, Hause, Polek & Rutledge, 1991). O tipo de violência cometido contra a mulher é também crucial no despoletar de sentimentos de inferioridade, baixa auto- estima e desespero, sentimentos esses que complicam e tornam ainda mais difícil o terminar da relação.

Apesar das conclusões que estas investigações até agora mencionadas possam sugerir, a homogeneidade não é uma característica das mulheres batidas. Relativamente à questão associada à típica baixa auto-estima deste tipo de vítimas, é importante salientar que nem todas apresentam os mesmos níveis de auto-estima, este é influência por uma série de factores, tais como o tipo de violência que estão sujeitas, a periodicidade da mesma e quando acontece (Duarte, 2005). Também de acordo com Follingstad, Brennan, Hause, Polek e Rutledge (1991) o apoio e suporte disponibilizado pelos amigos e pela família ou a psicoterapia apresentam um papel importante na manutenção da auto-estima das mulheres vítimas de violência conjugal.

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De referir também que para além disso, o número de vezes que a mulher é vítima de violência influência a quantidade e a gravidade dos sintomas desenvolvidos posteriormente, sendo que aquelas que são capazes de prever o comportamento violento revelam mais sintomas. Esta situação pode dever-se ao facto de, conseguindo prever episódios violentos, permanecem ansiosamente à espera que o mesmo se concretize, sendo que essa espera pode ser longa, prolongando assim o estado de alerta e de ansiedade (Duarte, 2005).

Uma questão frequente associada à temática da violência conjugal, prende-se com o facto de, para muitas pessoas, ser difícil compreender o porquê de uma mulher se manter numa relação caracterizada pela violência constante. Na realidade, embora em vários casos a vítima queira o terminar da relação conjugal, nem sempre o agressor permite que essa saída seja efectuada de forma pacífica. Algumas mulheres relatam o facto de ao tentarem sair de casa devido à situação em que viviam, o companheiro procurava-as, levava-as novamente para casa, onde as esperava um verdadeiro inferno, visto que, pelo seu comportamento iriam ainda ser vítimas de mais agressões (Lourenço, Lisboa & Pais, 1996).

Para além desta situação, em muitos casos verifica-se a pressão da família, que por variados motivos por vezes continua a incitar a vítima a permanecer no lar, não querendo passar pela ―humilhação‖ de ter um divórcio na família, ou dar a conhecer uma história com contornos assombrosos aos demais. Noutros casos, a família apenas quer preservar acima de tudo valores que lhes foram transmitidos desde sempre, valores esses que defendem a manutenção da vida familiar a qualquer custo, mesmo que isso implique viver toda uma vida sob agressões constantes. Ou seja, as vítimas podem deparar-se então com uma série de factores que exercem grande pressão sobre a decisão de abandonar ou não o lar (Lourenço, Lisboa & Pais, 1996).

Relativamente ao tipo de violência exercido sobre as mulheres pelos homens, existem dados que indicam que o homem com mais frequência utiliza o empurrar, agarrar e o recurso a arma ou faca (During, 1975; Steinmetz, 1977, cit. Kelly, 2003).

De acordo com Ellsberg e Heise (2005), a maioria das mulheres maltratadas não são vítimas passivas, utilizam estratégias activas para maximizar a sua segurança e a dos seus filhos. Algumas mulheres resistem, outras fogem, outras ainda tentam manter a paz no casamento tentando corresponder às vontades dos cônjuges. Ainda de acordo com Ellsberg e Heise (2005), a resposta da mulher aos maus-tratos é muitas vezes limitada pelas opções à sua disposição, muitas delas referem

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frequentemente os motivos por detrás da permanência nas relações abusivas, designadamente o medo da falta de apoio por parte de amigos e familiares, medo da falta de meios económicos para sustentar os filhos, dependência emocional e a constante esperança de que o agressor irá mudar a sua conduta. Pelo contrário, aquilo que é mencionado pelas mulheres como factores impulsionadores para o fim da relação abusiva relaciona-se com o aumento da gravidade da violência o que activa a percepção de que o cônjuge não mudará, ou quando a violência começa a atingir também os filhos (emocional ou fisicamente) (Ellsberg & Heise 2005).

Ao terminar a relação abusiva no entanto a mulher irá deparar-se com um processo complexo e composto por diversas fases. Frequentemente se verificam períodos de negação, de culpa e resistência antes de realmente as mesmas se identificarem com outras mulheres na mesma situação, dando então início à recuperação e ao verdadeiro ―cortar de laços‖. Antes de abandonarem definitivamente a relação abusiva, muitas mulheres voltam atrás diversas vezes nessa decisão, até porque o abandonar da relação não significa necessariamente que a mulher ficará em segurança. Aliás, autores indicam que mesmo após a separação a violência pode continuar e, em alguns casos o risco da violência adquirir contornos ainda mais graves tais como o homicídio (Ellsberg & Heise, 2005).