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CAPÍTULO II – DIFERENTES, ESPECIFICIDADES E VIOLÊNCIA CONJUGAL

2. Papéis e Práticas Familiares

Na década de 60, aquando da entrada das mulheres na esfera profissional, a opinião acerca das funções associadas a cada um dos cônjuges sofreu algumas alterações (Spence, Deaux & Helmreich, 1985, cit. Poeschl, 2000; Poeschl & Silva, 2001). Contudo essas alterações não foram significativas em termos de organização familiar, visto que estudos acerca da divisão das tarefas domésticas revelam que os homens continuam a ter uma participação pouco activa nas actividades domésticas (Stohs, 1995; Baudelot & Establet, 1992, cit. Poeschl, 2000; Poeschl & Silva, 2001). Por sua vez, os estudos que demonstram que as mulheres dedicam menos tempo às tarefas domésticas, não se prende então com uma grande participação dos homens nessas tarefas, mas sim porque as mesmas deixaram de dispensar tanto tempo para essas mesmas actividades (Kellerhals, Troutot & Lazega, 1993). Relativamente à questão do poder no seio familiar, autores sugerem que uma vez que a mulher começou a ser profissionalmente mais activa, isso reflectiu-se num aumento importante no nível de autoridade que passou a exercer e no poder de decisão (Kellerhals, Troutot & Lazega, 1993; Poeschl & Silva, 2001).

No entanto, estas ideias são por vezes colocadas em causa quando se atribuem tais desigualdades entre cônjuges à omissão dos mesmos quando relatam o processo de tomada de decisão (Saraceno, 1992), ou que dependendo do estatuto conseguido pela mulher, a mesma participa mais ou menos activamente nesse processo (Michel, 1983, cit. Poeschl, 2000).

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Um aspecto interessante relativo a esta temática, no que respeita às práticas familiares, tem a ver com o facto de se verificar actualmente, significativas desigualdades entre sexos (Poeschl, 2000; Poeschl & Silva, 2001). Apesar dessas desigualdades, os indivíduos, independentemente do sexo, referem essas mesmas práticas familiares como equilibradas e justas, permitindo-lhes organizar a sua vida familiar de um modo satisfatório (Baxter & Western, 1998, 2000; Poeschl & Silva, 2001). Estes dados não se enquadram de forma consistente com a sociedade que actualmente conhecemos e que proclama os valores da igualdade entre homens e mulheres. Na realidade, apesar das conquistas que foram alcançadas neste campo ao longo de séculos de reivindicações e dessas mesmas reivindicações terem sido consideradas válidas, estudos revelam que homens e mulheres consideram viver de forma justa, equilibrada e igualitária nas suas relações conjugais (Roux, 1999). Ou seja, apesar de ser verificarem diferenças entre homens e mulheres numa relação conjugal, alguns sujeitos omitem essas diferenças (eventualmente devido ao fenómeno da desejabilidade social), e mesmo quando as revelam, mostram-se satisfeitos com esse mesmo tipo de desigualdade. No sentido de tentar de alguma forma compreender tais paradoxos, tem sido sugerido por alguns autores que tal situação se deverá ao facto de por um lado o homem ainda deter um determinado papel mais poderoso, por outro lado devido a expectativas relativamente a esse mesmo poder (Felmlee, 1994). Relativamente a este último aspecto mencionado, considera-se que havendo uma relação íntima onde o homem não exercesse pelo menos um pouco mais de poder em algumas situações da vida familiar, iria contra as expectativas criadas e assim sendo, em última análise contra aquilo que socialmente é entendido como a regra, seria uma relação nesse sentido, menos satisfatória (Poeschl, 2000). Isto pois tal como indicado por Roux (1990), desigualdade nem sempre é entendida como injustiça. O mesmo autor verificou também que três em cada quatro indivíduos encaram a desigualdade na divisão das tarefas domésticas como algo legítimo.

O estudo elaborado por Poeschl (2000), vai de encontro a estudos realizados noutros países, como a França, em que se verificou que em 90% dos casos analisados as mulheres estavam responsáveis pelo lavar e passar da roupa (Baudelot & Establet, 1992). Para além destas tarefas referidas, o mesmo autor com o referido estudo, verificou que 84% das mulheres confeccionavam as refeições, 75.3% aspirava ou varria a casa, 73.7% lavava a loiça e 63% ia às compras. Na Bélgica, estudos realizados por Herla (1987, cit. Poeschl, 2000), apresentam resultados no mesmo

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sentido. A contrabalançar esta situação, este mesmo estudo sugere uma maior participação do sexo masculino em questões ligadas ao orçamento familiar, enquanto as mulheres apresentam uma participação mais activa e significativa no que concerne à educação dos filhos. Verificou-se também que os homens dispõem de mais oportunidades para gastarem o seu tempo livre em actividades do seu gosto e que ficam ao seu critério, nomeadamente momentos de lazer.

As alterações de cariz social ocorridas nestes últimos três séculos influenciaram significativamente a hierarquia estabelecida no que respeita ao poder na família (Silva, 1991). Os movimentos feministas alcançaram várias metas, nomeadamente o direito ao voto, ao trabalho e à educação, sendo que, também de uma forma gradual foram conseguindo alguns direitos enquanto mulheres casadas e ainda relativamente à questão do divórcio (Silva, 1991). Com este conjunto de factores notou-se uma maior igualdade de direitos entre homens e mulheres, especificamente na relação conjugal. A mulher adquire novos e importantes direitos na sociedade, e dessa forma a divisão do trabalho da casa, da educação dos filhos e as questões associadas ao poder familiar, tiveram que ser reajustadas de acordo com os ganhos adquiridos pelas mulheres (Silva, 1991). É neste contexto de mudança que as interacções entre os vários membros da família sofrem algumas modificações que colocam em causa a hierarquia tradicional do poder familiar. E se por um lado os aspectos positivos foram muitos, nomeadamente em termos de uma maior igualdade entre marido e mulher, por outro lado novos conflitos conjugais começaram a despoletar. Habitualmente eram vizinhos e familiares, que de algum modo procuravam regular os conflitos sociais, actualmente tal acontece de outro modo, até porque a violência física é hoje encarada de outra forma, castigada inclusivamente pela justiça (Silva, 1991).

Contudo, mesmo a violência conjugal sendo considerada um crime e de um modo geral criticada pela sociedade, é possível perceber uma certa aceitação social que atribui ao homem o direito de se descontrolar e agredir a esposa (Greenblat, 1983, cit. Silva, 1991).