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Essas relações entre História e Filosoa não traziam riscos para a História?

No documento Teoria Da Historia I (páginas 97-105)

 A questão que se coloca, porém, nas relações entre a História e a Filosofia é o risco de anulação da primeira sob a última. A história

   T  e   o   r    i  a    d  a    H    i  s    t    ó  r    i  a    1 97 UNIDADE 5 explicativa do mundo, determinista e racionalista da maioria dos filósofos

tende a sufocar a História conhecimento e narrativa do passado. Bons exemplos dessa postura são as falas de Rousseau: “Afastemos todos os fatos”, e de Krause: “Sei muito bem como devia ser o mundo; portanto não vale a pena conhecê-lo tal como ele é na realidade” (apudCARBONELL,

1987, p. 111).

Porém, ao lado da construção filosófica do conhecimento histórico, vão se alicerçando as dimensões erudita e científica da História.

Se a segunda metade do século XVIII propõe sínteses, será necessário esperar a primeira metade do século XIX para voltar a encontrar na busca, pura, do passado, um período de fecundidade comparável à dos anos benditos da erudição que foram o último quarto do século XVII. (CHAUNU, 1976, p. 63-64)

Fruto da consolidação burguesa na Europa e das conseqüências da Revolução Industrial, a escrita da História no início do século XIX, sob forte influência do Romantismo, começa a definir seus campos e sua base para a transição para uma visão científica.

É preciso uma firme certeza intuitiva da superioridade de seu tempo para que apareça o gosto do passado por si próprio. A deleitação do passado pelo passado, assim, apareceu no início do século XIX, na Alemanha e na Inglaterra, um pouco antes da França; essa deleitação está ligada ao Romantismo, um Romantismo que durou muito mais que o Romantismo. Já se terá notado que o gosto do passado pelo passado apareceu com a revolução industrial? Ele é uma compensação bastante anódina para um ritmo de mudança e de crescimento que deixou de ser tão uniformemente benéfico quanto o fora no século XVIII, para um ritmo que abalou o limiar em que a mudança é vista como uma melhoria, antes de ser sentida como uma perturbação. O historicismo e a deleitação no passado são um luxo de rico e talvez sejam, também, condições do progresso. (CHAUNU, 1976, p. 64)

Desta forma o século XIX se inicia sob os signos da mudança e do romantismo, da erudição e do historicismo para a historiografia na Europa.

   U  n    i  v  e   r   s    i    d  a    d  e    A    b  e   r    t  a    d  o    B  r   a   s    i    l 98 UNIDADE 5

Qual era a postura de Descartes em relação à História? Por quê?

1.

Comente as principais restrições existentes nal do século XVII e no século XVIII ao

2.

desenvolvimento de uma atitude crítica em História.

Quais são os princípios básicos da crítica enunciados por Richard Simon? 3.

 Analise as quatro formas de relação entre a História e a Filosoa enunciadas por Carbonell no

4.

texto estudado e as correlacione com a sua prática docente.

Qual é o principal risco para a História em suas relações com a Filosoa?

5.

Nesta unidade você trabalhou com a grande encruzilhada do conhecimento histórico na modernidade, e com os rumos tomados pela historiograa européia para superar esse impasse.

Na primeira seção do texto, você viu a crise do conhecimento histórico no século XVII, sob o

impacto do racionalismo cartesiano. Pôde acompanhar as duras críticas de Descartes, no campo

epistemológico e de Malenbranche no campo teológico em relação ao conhecimento histórico de sua

época.

Na segunda seção você viu a tentativa dos historiadores de sair dessa crise pela “cientização” do conhecimento histórico, no século XVIII. Foi o momento da denição dos princípios da crítica

documental e de um ainda incipiente “método” histórico, com Richard Simon e, principalmente Dom Mabillon.

 A terceira seção o levou a analisar as relações de proximidade e anidade, com suas vantagens e riscos, da História com a Filosoa. Você viu as quatro formas de relação entre os dois conh ecimentos, e também estudou os riscos de anulação que essa proximidade entre a Filosoa e a História traz para

o conhecimento histórico.

 Aqui você encerrou seu curso de Teoria da História I. No próximo semestre, você irá continuar essa  jornada na disciplina Teoria da História II, que abordará a historiograa do século XIX, nas vertentes

metódica e do materialismo histórico.

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   T  e   o   r    i  a    d  a    H    i  s    t    ó  r    i  a    1 101 PALAVRAS FINAIS

PALAVRAS FINAIS

Parabéns!!! Você concluiu o estudo da disciplina Teoria da História I. Foi uma longa caminhada, nos tempos e nos espaços das concepções e formas da escrita da História em diferentes culturas, desde a Antigüidade mais remota até o século XVIII de nossa era.

 Você percorreu um longo trajeto, que lhe permitiu conhecer desde as concepções históricas dos povos sem escrita até a crise da escrita histórica sob o racionalismo e o início da construção “científica” da História.

 Viu concepções históricas que passaram por espaços de legitimação religiosa com os hebreus e de uso do passado para prever o futuro com os chineses. Do uso da História para legitimar a superioridade cultural entre os gregos e para narrar conteúdos moralizantes de virtudes cívicas entre os romanos. Conheceu a historiografia cristã, com o providencialismo predestinacionista e determinista de Agostinho de Hipona e sua concepção das duas cidades.

Estudou o apogeu da historiografia providencialista na Idade Média, mas viu também que, na mesma época medieval, foram lançadas as bases para uma historiografia laica a serviço do Estado. Quando estudou o Renascimento, você pôde tomar contato com a gradativa hegemonia dessa historiografia laica, e dos inícios da crítica e da história documental. Viu ali, também, o surgimento de uma historiografia protestante em confronto com a escrita católica de História.

 Já no final de sua caminhada, você foi apresentado à grande crise do conhecimento histórico na tradição ocidental: a crise provocada pelo racionalismo cartesiano e pelo iluminismo no século XVII, onde a História era não apenas desconsiderada, mas acerbamente criticada. Mas também acompanhou as reações do éculo XVIII para resgatar o valor social do conhecimento histórico. Pôde conhecer a sistematização dos procedimentos críticos, cientificizantes, por Richard Simon e, principalmente, por Dom Mabillon, que pretendiam dar à História o estatuto de saber científico. Acompanhou as relações, nem sempre pacíficas, entre a História e a Filosofia no século XVIII, com suas quatro formas de expressão, enunciadas por Carbonell. Viu os riscos de anulação do conhecimento histórico pelas generalizações filosóficas.

Mas, no total de sua caminhada nesta disciplina, você deve ter percebido que a escrita da História é um produto social, determinado não apenas pelo passado, mas pelo uso do passado como legitimador de posturas culturais, sociais, políticas e religiosas. Deve ter sentido o alerta implícito ao longo do curso da necessidade de não se deixar instrumentalizar pelos usos ideológicos do conhecimento histórico em sua prática docente.

Mas o que se espera, mesmo, é que você possa ter alargado seus horizontes e construído um olhar crítico sobre a escrita da História como produção instrumental e dotada de intencionalidade, mas que isso não totalmente ruim. Humaniza a História, a coloca como saber humano, feita por seres humanos para outros seres humanos, nessa luta constante que é o construir cotidiano de identidades pessoais, culturais, políticas, religiosas ou nacionais. Humano, irredutivelmente humano.

No próximo semestre você terá um novo encontro com a Teoria da História, no curso de Teoria da História II. Até lá, e continue perseverando nesse caminho, às vezes árduo, às vezes cansativo, às vezes desanimador, mas que ao seu final certamente lhe trará a recompensa de um aperfeiçoamento profissional e, o que é muito mais importante, um crescimento pessoal qualitativamente superior em sua maneira de ver ensinar a História.

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