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Mas quais foram as principais formas de expressão da historiograa romana?

No documento Teoria Da Historia I (páginas 50-53)

Por causa da influência helenística, e até da inserção de Roma no contexto mítico grego, com a história de Enéias e a Guerra de Tróia, é compreensível que a expressão privilegiada da primeira historiografia latina seja poética e épica.

Ela encontra sua mais antiga expressão na epopéia de Névio (?-212 a.C.),Bellum Punicum e na obra de Ênio, Annales, que pretendiam narrar

a história de Roma desde suas origens.

Em Roma, a história se afirma literária, sendo praticada pelos seus maiores escritores: Suetônio, Tito Lívio, Tácito, Salústio e Julio César.  A diversidade de escritores, porém, nos põe diante de uma possível

diversidade de gênero.

Roma não só fez História, mas também a escreveu. São latinos, no entanto, os primeiros a pôr-nos de sobreaviso: Cícero e Quintiliano utilizaram tantas palavras para designar e classificar as obras que nós qualificamos de históricas – antiquitas, rerum gestarum, monumenta, commentarii, historiae, vitae, annales, epitome... – que nos é permitido interrogarmo-nos sobre a própria existência de um gênero histórico em Roma. (CARBONELL, p. 35)

Essa diversidade de gêneros alarga, porém, o objeto da escrita da história de forma bastante interessante.

 Júlio César (101-44 a.C.) desenvolve uma abordagem histórica de cronista monográfico. Sua obra é comumente dividida em dois blocos: o militar (De bello gallico) e o civil (De bello civili). Neles, César pretende

uma exposição precisa (commentarius) de fatos vividos dignos de

memória. São escritos em linguagem impessoal, técnica, com a presença de poucos discursos e pouco apreço pela retórica.

Salústio (87-35 a.C.) se define como escritor. Seu interesse é por espaços e objetos delimitados (a Guerra de Jugurta e a Conjuração de Catilina, por exemplo). Sua ambição de reconhecimento é literária e não

política, de caráter mais pessoal:

O que ele pretende acima de tudo é que não caia no esquecimento o seu nome, não tanto os

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acontecimentos que relata. (...) Com Salústio, os seus discursos eloqüentes, as suas descrições pitorescas, os seus retratos cinzelados, a história entra na literatura. (CARBONELL, p. 34-35)

Outro gênero bastante difundido na historiografia romana foi o das biografias. São escritos de fundo moral, visando, mais que a recuperação e o conhecimento do passado, a edificação daqueles que as lêem através dos exempla. Obras como o De virus illustribus, de Cornélio Nepos

(100?-25? a.C.) e a Vida de Agricola, de Tácito.

Essas obras, derivadas das  laudationes  fúnebres não têm como

objetivo narrar com exatidão os acontecimentos e os personagens relatados, mas sim ressaltar seu caráter moral.

Talvez a única exceção no campo das v itae romanas seja a obra de

Suetônio, as Vidas dos Doze Césares. Ela é exceção não apenas por seu

caráter essencialmente amoralista: “Nunca o autor manifesta a intenção de extrair lições éticas ou filosóficas, dos acontecimentos e comportamentos que relata” (CARBONELL , p. 35), mas também pelo método.

Suetônio utiliza de maneira crítica fontes primárias: inscrições, arquivos imperiais, Acta Senatus, Acta diurna – o jornal de Roma -, recolhas de prodígios, documentos genealógicos privados, panfletos... (CARBONELL, p. 36)

Mas, sem dúvida, as grandes obras historiográficas analíticas de Roma foram os Ab urbe condita libri, em 142 livros, de Tito Lívio (64?-12?

a.C.), que compreendiam a história de Roma de 759 a 9 a.C., e os Annales

e Histórias, de Tácito (55?-130?) que dão seqüência à obra de Tito Lívio

desde o reinado de Tibério até o de Vespasiano.

 Assim, a historiografia romana, mesmo épica e literária, ganha contornos particulares e específicos, distintos das maneiras gregas e helenísticas de se escrever a História. Como crônicas em Júlio César, descrição impressionista em Salústio, biografias em Cornélio Nepos, e anais, como em Tito Lívio e Tácito, a historiografia de Roma teve uma ênfase de conteúdo diferente de suas influências gregas originais: a moral.

 A história, para os romanos é considerada um gênero literário, um ramo menor da eloqüência:

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O historiador deve agradar, cativar e comover os seus leitores e ouvintes - eram freqüentes as leituras públicas. A história usa, por conseguinte, um método. Não é de modo algum um método crítico. Quando se trata de distinguir o verdadeiro do falso, os Antigos confiam na probidade do historiador; trata-se de um método retórico. Pintar quadros e episódios comoventes e pitorescos, assegurar a continuidade da narrativa - o que autoriza a invenção -, multiplicar os belos discursos - o que obriga a recompor os originais -, condensar para melhor dramatizar - o que exige certas liberdades com a cronologia -, assegurar o crescendo ou decrescendo rítmico dos períodos e das frases - eis algumas das regras, das receitas a que voluntariamente se submetem Tito Lívio, Tácito e seus continuadores. (CARBONELL, p. 36-37)

Como a sociedade e a língua se modificam no tempo, os gostos também mudam, e é preciso um trabalho periódico de reelaboração do já dito e escrito. “Sendo uma escrita, a história é também, por conseguinte, uma reescrita, sobretudo quando é analítica” (CARBONELL, p. 37).

Como decorrência de sua dimensão retórica, a história, para os romanos, é também uma obra de moral. Cícero reclama padrões morais de conduta no Pro Archia; Tito Lívio exalta as qualidades dos costumes

antigos; Tácito afirma que a principal tarefa do historiador é não calar as virtudes e patentear a infâmia.

Este discurso moral se fundamenta numa visão pessimista sobre a decadência dos costumes e impõe “um orgulhoso discurso retrospectivo sobre a grandeza do «primeiro povo da terra» (Tito Lívio), do «povo rei» (Floro)” (CARBONELL, p. 38).

 A historiografia romana identificava, de modo geral, a História com a História de Roma. A cidade era o referencial de sua escrita histórica. As sociedades não romanas apenas são objeto de estudo por causa de sua conquista por Roma. “Com César, Salústio e Tácito, Clio descobre a Gália, a Numídia e a Germânia no rastro das legiões em marcha” (CARBONELL, p. 39).

 A crise estrutural do Império Romano, aliada às invasões dos povos “bárbaros” e à cristianização do Império são os fatores básicos para a gradativa implementação de uma nova visão de mundo e de conhecimento em Roma, encerrando a especificidade romana da escrita da história.

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Reflita agora um pouco mais sobre as dimensões éticas e políticas da historiografia romana, como você verá a seguir na Seção 3.

SEÇÃO 3

No documento Teoria Da Historia I (páginas 50-53)