PONTA GROSSA - PARANÁ PONTA GROSSA - PARANÁ
2009 2009
LICENCIATURA EM
LICENCIATURA EM
MARCO AURÉLIO MONTEIRO PEREIRA
MARCO AURÉLIO MONTEIRO PEREIRA
JANAÍNA DE PAULA
JANAÍNA DE PAULA DO ESPÍRITO SANDO ESPÍRITO SANTOTO
RODRIGO CARNEIRO DOS SANTOS
RODRIGO CARNEIRO DOS SANTOS
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
História
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD
Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD
Av. Gal. Carlos Cavalcan
Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 ti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PR- Ponta Grossa - PR
Tel.: (42) 3220 3163 Tel.: (42) 3220 3163 www.nutead.uepg.br www.nutead.uepg.br 2009 2009
Todos os direitos reservados ao NUTEAD Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância
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-Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa,
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, ParaParaná, Brasil.ná, Brasil.
Pró-Reitoria de Assuntos Administrativos
Pró-Reitoria de Assuntos Administrativos
Ariangelo Hauer Dias – Pró-Reitor
Ariangelo Hauer Dias – Pró-Reitor
Pró-Reitoria de Graduação
Pró-Reitoria de Graduação
Graciete Tozetto Góes – Pró-Reitor
Graciete Tozetto Góes – Pró-Reitor
Divisão de Programas Especiais
Divisão de Programas Especiais
Maria Etelvina Madalozzo Ramos – Chefe
Maria Etelvina Madalozzo Ramos – Chefe
Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e
Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distânciaa Distância
Leide Mara Schmidt –
Leide Mara Schmidt – Coordenadora GeralCoordenadora Geral
Cleide Aparecida Faria R
Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Pedagógicaodrigues – Coordenadora Pedagógica
Sistema Universidade Aberta do Brasil
Sistema Universidade Aberta do Brasil
Hermínia Regina Bugeste Marinho –
Hermínia Regina Bugeste Marinho – Coordenadora GeralCoordenadora Geral
Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Adjunta
Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Adjunta
Curso de História – Modalidade a
Curso de História – Modalidade a DistânciaDistância
Myriam Janet Sacchelli –
Myriam Janet Sacchelli – CoordenadorCoordenador
Colaborador Financeiro
Colaborador Financeiro
Luiz Antonio Martins Wosiak
Luiz Antonio Martins Wosiak
Colaborador de Planejamento
Colaborador de Planejamento
Silviane Buss Tupich
Silviane Buss Tupich
Colaboradores em Informática
Colaboradores em Informática
Carlos Alberto Volpi
Carlos Alberto Volpi
Carmen Silvia Simão Carneiro
Carmen Silvia Simão Carneiro
Adilson de Oliveira Pimenta Júnior
Adilson de Oliveira Pimenta Júnior
Juscelino Izidoro de Oliveira Júnior
Juscelino Izidoro de Oliveira Júnior
Osvaldo Reis Júnior
Osvaldo Reis Júnior
Kin Henrique Kurek
Kin Henrique Kurek
Thiago Luiz Dimbarre
Thiago Luiz Dimbarre
Thiago Nobuaki Sugahara
Thiago Nobuaki Sugahara
Colaboradores em EAD
Colaboradores em EAD
Dênia Falcão de Bittencourt
Dênia Falcão de Bittencourt
Jucimara Roesler
Jucimara Roesler
Colaboradores de Publicação
Colaboradores de Publicação
Anselmo Rodrigues de Andrade Júnior
Anselmo Rodrigues de Andrade Júnior – Diagramação– Diagramação
Denise Galdino de Oliveira – Revisão
Denise Galdino de Oliveira – Revisão
Janete Aparecida L
Janete Aparecida Luft – Revisãouft – Revisão
Colaboradores Operacionais
Colaboradores Operacionais
Edson Luis Marchinski
Edson Luis Marchinski
Joanice de Jesus Küster d
Joanice de Jesus Küster de Azevedoe Azevedo
João Márcio Duran In
João Márcio Duran Inglêzglêz
Maria Clareth Siqueira
Maria Clareth Siqueira
Mariná Holzmann Ribas
Mariná Holzmann Ribas
CRÉDITOS
CRÉDITOS
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Universidade Estadual de Ponta Grossa
João Carlos GomesJoão Carlos Gomes
Reitor
Reitor
Carlos Luciano Sant’ana Vargas
Carlos Luciano Sant’ana Vargas
Vice-Reitor
Vice-Reitor
Ficha catalográca elaborada pelo Setor
APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL
APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL
Prezado estudante
Prezado estudante
Inicialmente queremos dar-lhe as boas-vindas à nossa instituição e ao curso que
Inicialmente queremos dar-lhe as boas-vindas à nossa instituição e ao curso que
escolheu.
escolheu.
Agora, você é
Agora, você é um acadêmico da um acadêmico da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),
uma renomada instituição de ensino superior que tem mais de cinqüenta anos de história
uma renomada instituição de ensino superior que tem mais de cinqüenta anos de história
no Estado do Paraná, e participa de um amplo sistema de formação superior criado pelo
no Estado do Paraná, e participa de um amplo sistema de formação superior criado pelo
Ministério da Educação (MEC) em 2005, denominado Universidade Aberta do Brasil
Ministério da Educação (MEC) em 2005, denominado Universidade Aberta do Brasil
(UAB).
(UAB).
O Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) não propõe a criação de uma
O Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) não propõe a criação de uma
nova instituição de ensino superior, mas sim, a articulação das instituições
nova instituição de ensino superior, mas sim, a articulação das instituições
públicas já existentes, possibilitando levar ensino
públicas já existentes, possibilitando levar ensino superior público de qualidadesuperior público de qualidade
aos municípios brasileiros que não possuem cursos de formação superior ou
aos municípios brasileiros que não possuem cursos de formação superior ou
cujos cursos ofertados não são suficientes para atender a todos os cidadãos.
cujos cursos ofertados não são suficientes para atender a todos os cidadãos.
Sensível à necessidade de democratizar, com qualidade, os cursos superiores em
Sensível à necessidade de democratizar, com qualidade, os cursos superiores em
nosso país, a Universidade Estadual de Ponta Grossa participou do Edital de Seleção UAB
nosso país, a Universidade Estadual de Ponta Grossa participou do Edital de Seleção UAB
nº 01/2006-SEED/MEC/2006/2007
nº 01/2006-SEED/MEC/2006/2007 e foi contee foi contempladas para mpladas para desenvolver seis desenvolver seis cursos decursos de
graduação e
graduação e quatro cursos de pósquatro cursos de pós-graduação na modalidade -graduação na modalidade a distância.a distância.
Isso se tornou possível graças à parceria estabelecida entre o MEC, a CAPES e
Isso se tornou possível graças à parceria estabelecida entre o MEC, a CAPES e
as universidades brasileiras, bem como porque a UEPG, ao longo de sua trajetória, vem
as universidades brasileiras, bem como porque a UEPG, ao longo de sua trajetória, vem
acumulando uma rica tradição de ensino, pesquisa e extensão e se destacando também
acumulando uma rica tradição de ensino, pesquisa e extensão e se destacando também
na educação a distância,
na educação a distância,
A
A UEPG UEPG é é credenciada credenciada pelo pelo MEC, MEC, conforme conforme PPortaria ortaria nº nº 652, 652, de de 16 16 de de marçomarço
de 2004, para ministrar cursos superiores (de graduação, seqüenciais, extensão e
de 2004, para ministrar cursos superiores (de graduação, seqüenciais, extensão e
pós-graduação
graduação lato sensu lato sensu))na modalidade a distância.na modalidade a distância.
Os nossos programas e cursos
Os nossos programas e cursos de EaD, apresentam elevado padrão de qualidade ede EaD, apresentam elevado padrão de qualidade e
têm contribuído, efetivamente, para a democratização do saber universitário,
têm contribuído, efetivamente, para a democratização do saber universitário,
destacando-se o trabalho
se o trabalho que desenvolvemos que desenvolvemos na formação inicial e na formação inicial e continuada de continuada de professores. professores. EsteEste
curso não será diferente dos demais, pois a qualidade é um compromisso da Instituição
curso não será diferente dos demais, pois a qualidade é um compromisso da Instituição
em todas as suas iniciativas.
em todas as suas iniciativas.
Os cursos que ofertamos, no Sistema UAB, utilizam metodologias, materiais e
Os cursos que ofertamos, no Sistema UAB, utilizam metodologias, materiais e
mídias próprios da educação a distância que, além de facilitarem o aprendizado, permitirão
mídias próprios da educação a distância que, além de facilitarem o aprendizado, permitirão
constante interação entre alunos, tutores, professores e
constante interação entre alunos, tutores, professores e coordenação.coordenação.
Este curso foi elaborado pensando na formação de um professor competente, no
Este curso foi elaborado pensando na formação de um professor competente, no
seu
seusaber saber , no seu, no seusaber saber fazer fazer e no seu e no seufazer saber fazer saber . T. Também foram ambém foram contemplados aspectoscontemplados aspectos
éticos e políticos essenciais à formação dos profissionais da educação.
éticos e políticos essenciais à formação dos profissionais da educação.
Esperamos que você
Esperamos que você aproveite todos os recursos que aproveite todos os recursos que oferecemos para facilitar ooferecemos para facilitar o
seu processo de aprendizagem e que tenha muito
seu processo de aprendizagem e que tenha muito sucesso na trajetória que ora sucesso na trajetória que ora inicia.inicia.
Mas, lembre-se:
Mas, lembre-se: você não está sozinhovocê não está sozinho nessa jornada, pois fará parte de uma nessa jornada, pois fará parte de uma
ampla rede colaborativa
ampla rede colaborativa e poderá e poderá interagir interagir conosco sempre que desejar, acessando conosco sempre que desejar, acessando
nossa Plataforma Virtual de Aprendizagem (MOODLE) ou utilizando as demais mídias
nossa Plataforma Virtual de Aprendizagem (MOODLE) ou utilizando as demais mídias
disponíveis para nossos alunos e professores.
disponíveis para nossos alunos e professores.
Nossa equipe terá o maior prazer em atendê-lo, pois a sua aprendizagem é o nosso
Nossa equipe terá o maior prazer em atendê-lo, pois a sua aprendizagem é o nosso
principal objetivo.
principal objetivo.
EQUIPE DA UAB/ UEPG
SUMÁRIO
PALAVRAS DO PROFESSO
■R 9
OBJETIVOS &
■EMENTA 9
O CONCEITO DE HISTÓRIA
11
SEÇÃO
■1-
HISTÓRIA 12SEÇÃO
■2 -
HISTORICIDADE 14SEÇÃO
■3 -
HISTORIOGRAFIA 17A HISTORIOGRAFIA NOS PRIMÓRDIOS E NA ANTIGUIDADE
ORIENTAL
21
SEÇÃO
■
1-
AS SOCIEDADES SEM ESCRITA: UM DIÁLOGO CRÍTICO 22SEÇÃO
■
2 -
MITOS DE ORIGEM E CRÔNICAS REAIS 27SEÇÃO
■
3 -
O EXTREMO ORIENTE: O CASO DA CHINA 30A HISTORIOGRAFIA NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA
37
SEÇÃO
■
1 -
A HISTORIOGRAFIA NA GRÉCIA ANTIGA 39SEÇÃO
■
2 -
A HISTORIOGRAFIA EM ROMA 47SEÇÃO 3
■
-
A HISTORIOGRAFIA CRISTÃ ANTIGA 52A HISTORIOGRAFIA MEDIEVAL E RENASCENTISTA
65
SEÇÃO
■
1 -
POSSIBILIDADE DE CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NA IDADE MÉDIA 66SEÇÃO
■
2 -
A HISTORIOGRAFIA CRISTÃ MEDIEVAL 68SEÇÃO 3
■
-
A HISTORIOGRAFIA LAICA 72SEÇÃO
■
4 -
A HISTORIOGRAFIA RENASCENTISTA 77A HISTORIA ENTRE A FILOSOFIA E A CIÊNCIA
87
SEÇÃO
■
1 -
A CRISE DA HISTÓRIA NO SÉCULO XVII 88SEÇÃO
■2 -
HISTÓRIA E ERUDIÇÃO 91SEÇÃO
■3 -
HISTÓRIA E FILOSOFIA 95PALAVRAS FINAI
■S 101
REFERÊNCIAS
■103
NOTAS SOBRE OS AUTORE
PALAVRAS DO PROFESSOR
A disciplina que você iniciará agora, Teoria da História I, faz parte
dos componentes teórico-historiográficos do nosso curso de Licenciatura em História. Ela é a primeira parte de um núcleo que é formado pelas disciplinas de Teoria da História I, II, III, e IV, onde são tratados temas pertinentes às concepções históricas e à escrita da História desde os primórdios até a contemporaneidade.
Este conjunto de disciplinas se propõe a um olhar sobre a história da história, ou, melhor dizendo a história da produção históricanas diversas
culturas humanas, com ênfase para as componentes da tradição judaico-cristã ocidental.
Nesta primeira disciplina, Teoria da História I, você vai analisar
um longo percurso das concepções históricas e da escrita da História. Esse percurso se inicia com apanhado semântico-conceitual dos termos
história, historicidadee historiografia.
Em seguida, você verá a análise e a crítica das posturas tradicionais sobre as concepções históricas das sociedades sem escrita presentes na historiografia contemporânea.
A seguir, irá para as primeiras formas de concepção da escrita da história nos povos antigos, com destaque para a primeira construção de identidade histórica, com o estudo de caso do antigo povo de Israel. Depois, terá uma breve passagem pela historiografia do Antigo Extremo Oriente, especificamente da China, para analisar os seus rudimentos.
O percurso de análise historiográfica irá levá-lo, depois, para os fundamentos da historiografia ocidental, com a análise das concepções historiográficas na cultura grega, helenística, berços das concepções históricas e historiográficas do Ocidente.
Partindo da Grécia e da expansão helenística, você passará a analisar a influência helenística sobre a historiografia da Roma Antiga e as características originais do pensamento historiográfico romano.
O advento do cristianismo, com sua origem nas matrizes judaica, helenística e romana e sua concepção finalista de História, será analisado a seguir, em sua constituição e formas de expressão historiográfica na Antigüidade Tardia. A consolidação da hegemonia e o início da crise da historiografia cristã na Idade Média e no Renascimento serão abordados na seqüência.
O curso conclui-se com a análise da crise da História no século XVII, com o advento do racionalismo cientificista cartesiano e o processo de redirecionamento da escrita da História para uma vertente filosófica e outra metódico-científica.
A proposta de abordagem do conteúdo do curso não é factualizante, mas centrada nas possibilidades de compreensão crítica das concepções históricas e da escrita da história nas diferentes culturas e sociedades estudadas.
É um curso que se funda em concepções de história e de historiografia centradas em sua dimensão cultural e social, expressão de projetos identitários tanto externa quanto internamente a cada sociedade analisada.
OBJETIVOS & EMENTA
A presente disciplina tem por objetivo construir o campo
conceitual-se-mântico da história para compreender suas formas de escrita e
funcionalida-des sociais nas sociedafuncionalida-des antigas, medieval, renascentista e moderna, como
subsídio para a compreensão das diferentes dimensões do conhecimento
his-tórico na contemporaneidade.
O
BJETIVOS
Construir, a partir da análise dos termos história, historicidade e historiografia,
■
o campo conceitual da história enquanto prática social.
Analisar as diferentes formas de expressão e de função social da escrita da
■
história nas sociedades antigas, medieval, renascentista e moderna.
Construir conceitualmente a concepção de história como produto social, cultural
■
e ideológico, com formas e sentidos diversos nas diferentes sociedades, culturas e relações de poder.
Fornecer subsídios para a compreensão das formas de expressão e funções
■
sociais da história na contemporaneidade pela análise das expressões da historiografia em outras sociedades, ao longo do tempo.
E
MENTA
Conceitos de história, historiografia e historicidade. A historiografia nas
■
sociedades sem escrita. Mitos de origem e crônicas reais. A historiografia grega antiga. A historiografia em Roma. A historiografia cristã antiga. Historiografia medieval. Historiografia no Renascimento. A ruptura cartesiana e o nascimento da erudição.
O
Conceito de
História
O
BJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Compreender o significado semântico e historiográfico dos termos
■
fundamentais para a Teoria da História: História, Historicidade e Historiografia. Entender e analisar a aplicação correta das diversas dimensões do termo
■
História.
Construir as dimensões distintas de emprego do termo Historicidade e sua
■
aplicação na escrita da História.
Compreender o conceito de Historiografia e dominar a distinção entre esse
■
conceito e os de História e Historicidade.
Elaborar, a partir do estudo da Unidade, definições de História e da prática
■ da escrita da História.
R
OTEIRO DE ESTUDOS
SEÇÃO 1 – História ■ SEÇÃO 2 – Historicidade ■ SEÇÃO 3 – Historiografia ■U
N
I
D
A
D
E
I
MARCO AURÉLIO MONTEIRO PEREIRA JANAÍNA DE PAULA DO ESPÍRITO SANTO RODRIGO CARNEIRO DOS SANTOS
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 12 UNIDADE 1
PARA INÍCIO DE CONVERSA
Olá!!! Bem-vindo(a) ao curso de Teoria da História I. Aqui você terá um apanhado conceitual e historiográfico sobre a escrita da História ao longo de vários séculos em diversas culturas e sociedades.
Tratar as dimensões conceituais que dizem respeito à história é sempre um desafio. Esse desafio é respondido por mais de uma disciplina deste curso. Aqui, em Teoria da História I, nós vamos discutir as
possibilidades de uma definição dos termos centrais do campo histórico a partir de uma análise dos próprios termos.
As palavras carregam significados, não apenas em relação àquilo que designam, mas em si próprias. A tentativa de compreensão destes significados intrínsecos ajuda muito a compreender aquilo que as palavras pretendem significar.
Compreender a formação etimológica e semântica dos termos principais do campo do conhecimento histórico é um ótimo ponto de partida para a análise das formas de concepção e escrita da história nas diversas culturas e sociedades humanas ao longo do tempo.
Assim, vamos iniciar nossa jornada tentando construir propostas de denições, não para os campos, mas para as palavras que signicam os principais campos do conhecimento histórico e que sintetizam as concepções e fazeres históricos:história, historicidadee historiografa.
SEÇÃO 1
HISTÓRIA
Nesta seção, você tomará contato com as diferentes significações e acepções da palavra História, e também conhecerá uma proposta de conceituação de História a partir de suas dimensões semânticas.O conceito de História é uma coisa bastante complexa e difícil de ser trabalhada. Complexa porque o termo História é polissêmico, isto é, tem mais que
um significado. A palavra História tem, pelo menos, três significados
principais:
História como o processo de vida dos homens em sociedade no
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 13 UNIDADE 1
História como as representações do processo de vida dos homens
em sociedade no tempo. É o que poderíamos chamar de “História representada”. É o campo da História como produto de uma “elaboração científica”.
História como a designação de uma “narração ordenada” qualquer. É o espaço, quer de uma narração baseada na “realidade histórica”, quer dos contos de fadas, dos “romances históricos”. Seu caráter é essencialmente narrativo, e a questão da verdade acontecimental não se coloca aí como fundamental.
E para complicar um pouco mais a coisa, estes três significados se misturam, se interpenetram numa relação de amálgama que torna bastante difícil sua separação em definições específicas e estanques.
Alguns idiomas tentam escapar desta ambigüidade. O inglês, com
History e Story ; o italiano, que usa a palavra storigrafia para designar
a ciência histórica e sua produção; e o alemão, que designa a ciência histórica como Geschichtwissenschafte a atividade “científica” em geral
como Geschichtschreibung.
Mas, de toda forma, sempre há uma zona de sombra, um espaço ambíguo e indefinível que constitui a própria essência da história. Como diz Jacques Le Goff: “Falar de História não é fácil, mas estas dificuldades de linguagem introduzem-nos no próprio âmago das ambigüidades da história” (LE GOFF, 1985, p. 158).
Mas, enm, o que signica a palavra História?
Uma das saídas possíveis para uma proposta de conceituação, mesmo que aproximada, é um panorama etimológico e semântico da palavraHistória.
A palavra história vem do grego jônico historie.Esta forma, por sua
vez, se origina da raiz indo-européia wid - weid, que se refere a “ver”.
Desta raiz se originam o sânscrito vettas “testemunha” e o grego histor ,
também significando “testemunha”, no sentido de “aquele que vê”. “Esta concepção da visão como fonte essencial do conhecimento leva-nos à idéia que histor ‘aquele que vê’ é também aquele que sabe; historien
em grego antigo é ‘procurar saber’, ‘informar-se’. Historie significa pois
‘procurar’”. E é este o sentido da palavra história em suas origens na tradição ocidental. Para Heródoto, suas Histórias são “investigações”,
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 14 UNIDADE 1
“procuras” (LE GOFF, 1985, p.158).
História pode se definir, assim, como o espaço do conhecimento não apenas visto e elaborado, mas também transmitido, testemunhado. O testemunho é um “ato de fé”, uma ação social.Ver ,saberetestemunharse
configuram, assim, na essência conceitual da palavra História.
Isto nos coloca diante da segunda assertiva do início do texto. Por ser ambígua, a conceituação de História é difícil. E fica ainda mais difícil porque a ambigüidade do termo não é apenas semântica, é também de caráter epistemológico. Como visão, testemunho e conhecimento, a História assume formas diferentes em sociedades diversas e mesmo em espaços sociais distintos numa mesma sociedade.
Estas formas respondem a uma questão fundamental comum a todas as expressões do campo: como definir o que é e o que não é histórico? A resposta para isto está no conceito de historicidade, que você irá estudar
a seguir.
SEÇÃO 2
HISTORICIDADE
O fato de a palavra História ser polissêmica deve levá-lo a refletir sobre o que é histórico e o que não é. Esta reflexão será auxiliada pelo estudo de um segundo termo fundamental para o seu estudo, o conceito de historicidade. Grosso modo, pode-se dizer que historicidadeé o atributo
daquilo que é histórico. Porém esta definição simples não satisfaz, pois não especifica os parâmetros de definição daquilo que é histórico e aquilo que não é.Le Goff, ao discutir a questão em seu artigo História na Enciclopédia Einaudi, coloca dois momentos de constituição do conceito
de historicidade.
O termo historicidadesurge no francês em 1872 (LE GOFF, 1985, p.
159). Num primeiro momento, durante o século XIX, historicidade é vista como “uma função, ou melhor, uma categoria do real”. Na definição de Charles Morazé:
Devemos procurar para além da geopolítica, do comércio, das artes e da própria ciência, aquilo que justifica a atitude de obscura certeza dos homens que se unem, arrastados pelo enorme fluxo do progresso que os especifica, opondo-os. Sente-se que esta solidariedade está ligada à
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 15 UNIDADE 1
existência implícita que cada um experimenta em si, duma certa função comum a todos. Chamamos a esta função historicidade (MORAZÉ, 1967, p. 59, apud LE GOFF, 1985, p. 159).
O segundo momento ocorre mais tarde, contemporaneamente, na segunda metade do século XX, onde o conceito de historicidade desliga-se de suas origens do século XIX e passa a assumir um papel de ponta na escrita da história como produção cultural e social intrinsecamente ligada à prática do historiador.
Ela obriga a inserir a própria história numa perspectiva histórica: “Há uma historicidade da história que implica o movimento que liga uma prática interpretativa a uma práxis social”
[CERTEAU 1970, p. 484].
(...) Paul Veyne tira uma dupla lição do fundamento do conceito de historicidade. A historicidade permite a inclusão no campo da ciência histórica de novos objetos da história: o non-événementiel; trata-se de acontecimentos ainda não reconhecidos como tais: história rural, das mentalidades, da loucura ou da procura de segurança através das épocas. Chamaremos non-événementiel à historicidade de que não temos consciência enquanto tal. Por outro lado, a historicidade exclui a idealização da história, a existência da História com H maiúsculo: “Tudo é histórico, logo a história não existe” (LE GOFF, 1985, p. 159).
- Mas como a historicidade dene limites para o trabalho do historiador?
A partir do conceito de historicidade como definidor de limites para a prática do historiador, as ambigüidades da história encontram um espaço onde se constituem num discurso coerente e rigoroso, embora centrado na narrativa e que contém uma carga indissociável de componentes sócioculturais e ideológicos.
Para Paul Veyne, a história é um “conhecimento mutilado”, imperfeito: “A história não comporta o limite de conhecimento nem o mínimo de inteligibilidade e nada do que foi, desde que o foi, é inadmissível. A história não é, portanto, uma ciência; ela não tem por isso menos rigor, mas esse rigor coloca-se ao nível da crítica.” (VEYNE, 1983, p. 25)
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 16 UNIDADE 1
Le Goff, neste contexto, aborda a história a partir de uma definição dura e pessimista de Paul Ricoeur:
A história só é história na medida em que não consente nem no discurso absoluto, nem na singularidade absoluta, na medida em que o seu sentido se mantém confuso, misturado (...) A história é essencialmente equívoca, no sentido que é virtualmente événementielle e virtualmente estrutural. A história é na verdade o reino do inexacto. Esta descoberta não é inútil; justifica o historiador. Justifica todas suas incertezas. O método histórico só pode ser um método inexacto... A história quer ser objectiva e não pode sê-lo. Quer fazer reviver e só pode reconstruir. Ela quer tornar as coisas contemporâneas, mas ao mesmo tempo tem de reconstituir a distância e a profundidade da lonjura histórica. Finalmente, esta reflexão procura justificar todas as aporias do ofício de historiador, as que Marc Bloch tinha assinalado na sua apologia da história e do ofício de historiador. Estas dificuldades não são vícios do método, são equívocos bem fundamentados. (RICOEUR 1961, p.226, apud LE GOFF, 1985, p. 161)
Assim, a atribuição de historicidade possui, inicialmente, uma dimensão ideológica nacionalista que se ressignifica, até pelo próprio triunfo do Estado Nacional no Ocidente, em uma dimensão de delimitação de objetos de estudo e,em última análise, de campo de conhecimento.
Porém, fica claro, a partir da análise dos termos história e historicidade, o caráter definidor da prática concreta do historiador, daquele que escreve a história, para o campo do conhecimento histórico. No entanto, esta prática de escrita da história não é nem individual nem difusa. É construída cultural e socialmente e tem objetivos, propósitos de diversos matizes (políticos, ideológicos, religiosos, econômicos, etc.), que não são excludentes, mas se articulam no fazer a si mesmas das culturas e sociedades.
É este conjunto de concepções e práticas que especificam as formas pelas quais as diferentes sociedades concebem e praticam a escrita da história que você verá a seguir na análise do termo historiografia.
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 17 UNIDADE 1
SEÇÃO 3
HISTORIOGRAFIA
Os conceitos de História e Historiografia que você trabalhou até aqui devem, naturalmente, encaminhá-lo para uma terceira dimensão conceitual no campo da História. É o estudo do termo Historiografia, que você verá a seguir.
É no espaço do “equívoco bem fundamentado” posto anteriormente por Paul Veyne, que se desenrola a prática do historiador, enquanto construtor e narrador de fatos, ações, pensamentos, conjunturas e estruturas dos homens no tempo e no seu tempo.
É nesse momento que deve ser considerado, ao lado dos termos
História e Historicidade, o terceiro elemento da tríade básica do
conhecimento histórico: o conceito de Historiografia.
Pode-se conceituar historiografia utilizando a definição doDicionário Aurélio, onde historiografia é o “estudo histórico e crítico acerca da história
ou dos historiadores” (FERREIRA, s/d, verbete Historiografia, p. 729).
O conhecimento histórico se produz social e historicamente. Mas as sociedades possuem idéias e concepções diversas sobre a natureza e a dimensão da produção desse conhecimento. A recuperação e a análise das diferentes formas de concepção e escrita da história, nas diferentes sociedades, definem o âmbito da historiografia.
Ela é uma produção cultural, um processo social e ideológico dotado de intencionalidades e objetivos explícitos e também implícitos em suas formulações e práticas. Historiografia não é conceito universal, “nomotético”, isto é, que é relativo a lei ou a legislação. E aqui diz respeito a um conhecimento que se formula explicitando leis de validade universal. É, sim, um conjunto de concepções históricas e práticas de escrita da história que atende às demandas de seu espaço e tempo cultural e social.
Ela é, por definição, plural e multiforme, posto que fundamental para a construção de identidades sociais fundadas na especificação e diferenciação de uma cultura, sociedade, nação ou Estado dos demais.
Assim, a partir da constatação dessa pluralidade característica e intrínseca à historiografia, é que você vai, ao longo de nosso curso, fazer um estudo crítico, percorrendo as matrizes relevantes para a compreensão
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 18 UNIDADE 1
de nossa contemporaneidade, dos processos de construção, representação e finalidades das concepções de história e práticas de escrita da história em seus diversos espaços, geográficos e sociais, e tempos, cronológicos e culturais, que especificam as diferentes culturas e sociedades.
Neste “estudo crítico” vai ser adotada uma perspectiva histórica, na descrição das relações que diversas culturas e sociedades mantiveram com seu passado e o lugar nelas ocupado pela história. É usada uma perspectiva cronológica, evidentemente descartada a idéia de progresso, e privilegiada, até por conta da bibliografia disponível, a tradição ocidental.
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 19 UNIDADE 1
Construa três narrativas curtas, cada uma delas a partir de uma das dimensões do termo 1.
História.
Quais são os limites dos objetos que podem ser tratados pela História? Construa sua reexão a
2.
partir da citação de Paul Veyne feita por Jacques Le Goff. Se
3. Historiografa é , conforme você já viu, o “estudo histórico e crítico acerca da história ou dos historiadores”, com qual dimensão da palavra História ela se relaciona?
O texto nos fala de um passado construído culturalmente e de forma diversa pela Historiograa.
4.
Reita e construa um texto, com sua opinião sobre a questão da verdade na escrita da História.
Elabore, a partir dos conceitos de
5. História,Historicidade e Historiografa, uma denição pessoal,
sua, sobre o que é aquilo que Marc Bloch chama de “ofício de Historiador”.
Um texto fundamental para a compreensão das nuances conceituais envolvidas no fazer histórico pode
ser encontrado em:
LE GOFF, Jacques. História. In. LE GOFF, Jacques (coord.).Memória-História. Enciclopédia Einaudi, vol.1. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
É uma leitura imprescindível para que você domine de forma segura o campo conceitual da História.
Nesta Unidade I: O Conceito de História, você conheceu as denições dos três termos fundamentais
para o campo do conhecimento histórico e para a prática do historiador.
Na Seção 1 – História, você pôde perceber que a conceituação do termo Históriaé complexa e difícil,
pela polissemia da palavra história e porque os seus três signicados principais são usados de forma livre. Aprendeu, também, a genealogia da palavraHistória, desde suas origens remotas no sânscrito até
sua concepção grega, que se traduzem na tríade “ver, saber, testemunhar”.
Na seção seguinte, que trata da historicidade, você viu que a palavra diz respeito à denição daquilo que é histórico e aquilo que não é. Viu também as complexidades e ambigüidades presentes no fazer
histórico.
Já a Seção 3 – Historiograa, apresentou-lhe as possibilidades de visões diferenciadas na escrita da
História, e anunciou o rumo de seu estudo daqui pra frente.
Siga em frente, sempre pensando na História como o espaço do passado vivido e construído,
presenciado e representado, mas, principalmente, vivo para você e para aqueles que o cercam. Bom estudo!!!
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 20 UNIDADE 1
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 21 UNIDADE 2
A
Historiografia
nos primórdios e na
antiguidade oriental
O
BJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Apreender as dimensões essenciais da historiografia dos povos sem
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escrita e as leituras etnocêntricas de que são objeto pela historiografia
européia tradicional.
Conhecer as dimensões de uma incipiente historiografia postas nos
■
mitos de origem e nas crônicas reais do Antigo Oriente Próximo.
Tomar contato com as dimensões da história na cultura chinesa
■
antiga, com suas especificidades e idiossincrasias que a distinguem das
concepções historiográficas ocidentais.
R
OTEIRO DE ESTUDOS
SEÇÃO 1 - As Sociedades sem Escrita: um Diálogo Crítico
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SEÇÃO 2 - Mitos de Origem e Crônicas Reais
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SEÇÃO 3 - O Extremo Oriente: o Caso da China
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MARCO AURÉLIO MONTEIRO PEREIRA JANAÍNA DE PAULA DO ESPÍRITO SANTO RODRIGO CARNEIRO DOS SANTOS
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PARA INÍCIO DE CONVERSA
Olá!!! Bem-vindo à segunda unidade do curso de Teoria da História I. Nesta unidade, você irá tratar das primeiras formas de expressão de concepções históricas e das origens remotas da historiografia. É um percurso que o levará à interpretação das concepções históricas dos povos sem escrita e sua possibilidade, num diálogo crítico com um dos maiores expoentes da análise historiográfica do século XX, Charles-Olivier Carbonell. Este diálogo se estabelece principalmente com as assertivas de Carbonell no seu livro Historiografia, no capítulo I: “Pré-História, a
memória antes da escrita” (CARBONELL, 1987, p. 9-13).
Em seguida, você analisará as primeiras manifestações escritas de concepções e relatos históricos nos anais e crônicas reais do Antigo Oriente Próximo, com a análise de um caso clássico de construção de identidade étnica, cultural e social fundada na história: o Israel Antigo.
Outro estudo de caso, até para a percepção da extrema variedade de concepções históricas e práticas historiográficas virá do Antigo Extremo Oriente: a China, com suas dimensões ideológicas, moralizantes e augurais da escrita da história.
SEÇÃO 1
AS SOCIEDADES SEM ESCRITA: UM DIÁLOGO CRÍTICO
Nesta seção você irá tomar contato com as formas de expressão histórica das sociedades sem escrita, a leitura de cunho etnocêntrico que é feita destas expressões por uma historiografia européia tradicional, além da crítica a estas leituras.
As primeiras manifestações de algo similar a uma consciência histórica e da elaboração de concepções e práticas de narrativa histórica estão nas genealogias preservadas pela tradição oral, recorrentes nas sociedades tribais africanas e da Oceania.
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 23 UNIDADE 2
Mas como isso é representado na produção dos historiadores?
São manifestações sem a sofisticação metodológica e conceitual das sociedades mais complexas, consideradas por expressivos contingentes dos historiógrafos modernos como a pré-história da historiografia, fundados numa concepção de historiografia definida pela presença da escrita.
É o caso de Charles-Olivier Carbonell, que define como “pré-história da historiografia” as sociedades que fundam suas práticas historiográficas na tradição oral. Apesar disso, o autor reconhece nessas sociedades a busca do conhecimento de seu passado, de sua memória coletiva.
Foram muito numerosas [...] as sociedades sem historiografia. Mas não se conhece nenhuma, por mais rude que sejam a sua linguagem, a sua organização, as suas técnicas e os seus modos de pensar, que não possua um conhecimento do seu passado. Nenhum grupo é amnésico. Para qualquer grupo, recordar-se é existir; perder a memória é desaparecer. (CARBONELL, 1987, p. 9)
Porém, esta preservação da memória coletiva não configura para Carbonell uma atitude historiográfica concreta, por ser essa forma de preservação da memória “pobre, confusa e frágil”:
- Pobre, porque depende unicamente das capacidades do cérebro e, qual depósito sagrado, está confiada a um grupo restrito: quimbandas da África ocidental, biru do Ruanda, haérè-po da Polinésia... Pobre, principalmente, porque há pouco a conservar nas sociedades cristalizadas, muitas vezes isoladas, em que as técnicas estagnam e os géneros de vida se perpetuam. O tempo cíclico do eterno retorno das estações e o tempo imutável de um mundo em equilíbrio decretam o vazio da história.
[...]
- Confusa porque a memória veicula o que está fora do tempo. Ela não diz a evolução do grupo, mas as suas origens. Não ensina o que foi vivido, mas a fábula; não revela uma direção , mas uma mensagem ontológica: De onde vem o homem? O que é morrer? Que laços se podem urdir com Deus? No essencial, a memória mobiliza-se para a transmissão impecável dos mitos fundadores.
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 24 UNIDADE 2 [...]
- Frágil é a memória histórica, sem dúvida ainda mais do que a mítica. As vicissitudes políticas comandam por vezes prudentes amnésias – primeira forma do revisionismo histórico! – ou acrobáticas fusões de listas. A falha pode também ser involuntária. Tomam-se certamente precauções para preservar a pureza das tradições : as recitações são públicas e solenes, os depositários podem formar uma espécie de colégio (quatro biru em Ruanda, o conjunto dos príncipes do reino dos Mossi, por exemplo). Apesar disso, o fio pode quebrar-se e a litania salmodiada interromper-se [...].(CARBONELL, 1987, p. 10-12)
A esta tripla dimensão de pobreza, confusão e fragilidade, Carbonell acrescenta a ausência de concepções temporais definidas e organizadas em padrões contemporâneos de linearidade e universalidade.
A memória gasta-se. Por isso, quando se trata de acontecimentos humanos, a profundidade do olhar raramente atinge três séculos. É o caso das tradições merina escolhidas por volta de 1870 pelo P.e Callet. Mas quando Ibn Batuta, «o viajante
do Islão», visita em 1352 as grandes cidades do Mali, não consegue aprender lá nada que seja anterior ao ano de 1150 de nossa era. Quanto aos Fang do Gabão, se alguma de suas genealogias têm a riqueza de uma dezena de gerações, é porque chegam até Deus! (CARBONELL, 1987, p. 12-13)
Veja agora como essa questão pode ser vista com um olhar diferente.
Essa demonstração de Carbonell, da aparente fragilidade e inconsistência das formas de preservação da memória coletiva e concepções temporais das sociedades fundadas na tradição oral, merece uma análise mais detida, por representar o senso comum da visão, de cunho etnocêntrico, européia em relação às formas de concepção de história, memória e tempo das sociedades não inseridas na tradição ocidental.
Fica evidente a influência de uma herança de mentalidade colonialista e etnocêntrica na análise do historiador francês, numa postura inspirada de forma clara pela historiografia metódica do século XIX na França, onde o científico, e portanto verdadeiro, em História é apenas o
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 25 UNIDADE 2 que é provado documentalmente.
O modelo da escola metódica reduz à pobreza, confusão e fragilidade, isto é, à barbárie e à selvageria, as concepções e fazeres históricos das sociedades não européias, notadamente as de cunho tribal.
As objeções de “pobreza, confusão e fragilidade” apenas se sustentam a partir de um enfoque definido pelas concepções européias de história e historiografia como nomotéticas e universalizantes.
Considerar pobre uma tradição histórica oral, por ser a oralidade dependente das capacidades do cérebro, denota não consideração pelas formas não escritas de construção da memória coletiva.
O fato de sua difusão ser monopolizada por um grupo restrito de indivíduos no grupo, mostra de forma clara a resistência contra a inclusão, por exemplo, dos acima citados biru de Ruanda na tradicional
e acadêmica “tribo dos historiadores” europeus, expressão cunhada por François Simiand, colaborador da Révue de Synthése no início do século
XX.
A afirmação da imobilidade social nestas sociedades “cristalizadas”, como se isso fosse possível, revela a não aceitação das dinâmicas sociais diferentes da velocidade capitalista da sociedade européia.
Enfim, a afirmação de que a adoção pelas sociedades menos complexas do tempo cíclico da natureza gera um mundo em equilíbrio e decreta o vazio da história, reflete de forma atroz a dificuldade que possui uma moderna linhagem dos historiadores europeus de perceber dinâmicas sociais diversas da velocidade factual política de suas análises da história e a conseqüente condenação das sociedades regidas pela dinâmica natural dos ciclos naturais ao “vazio da história”.
Em relação à alegada confusão da tradição oral, Carbonell a acusa de ser causada por sua atemporalidade e sua ênfase nas origens do grupo.
Mas por que deveriam estes grupos, cuja identidade se constrói pela certeza de uma mesma origem e não pela mudança das dinâmicas políticas, agir de forma diferente?
Por que deveria ser o mito de origem do outro desclassificado a fábula, enquanto que os análogos da tradição européia são vistos como fruto da revelação divina?
Por que a preocupação com a origem, o destino e as relações do homem com Deus são confusas enquanto praticadas pelos haérè-po da
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r r s s i i d d a a d d e e A A b b e e r r t t a a d d o o B B r r a a s s i i l l 26 26 UNIDADE 2 UNIDADE 2
Polinésia, mas se constituem na respeitadíssima Escola Providencialista
Polinésia, mas se constituem na respeitadíssima Escola Providencialista
de historiografia européia quando elaboradas dentro da tradição cristã
de historiografia européia quando elaboradas dentro da tradição cristã
dogmática por Agostinho de Hipona?
dogmática por Agostinho de Hipona?
E o que faz a historiografia tradicional européia além de constituir
E o que faz a historiografia tradicional européia além de constituir
e transmitir mitos e mitologias políticas fundadoras das sociedades
e transmitir mitos e mitologias políticas fundadoras das sociedades
ocidentais modernas, tais como os de Nação, Estado, Bem Comum,
ocidentais modernas, tais como os de Nação, Estado, Bem Comum,
Trabalho, Justiça e outros?
Trabalho, Justiça e outros?
Finalmente, no tocante à alegada fragilidade da memória
Finalmente, no tocante à alegada fragilidade da memória
histórica, creio que nem é necessário discutir o fato de que a prática de
histórica, creio que nem é necessário discutir o fato de que a prática de
suprimir, selecionar, adicionar, criar ou fundir tradições em um relato
suprimir, selecionar, adicionar, criar ou fundir tradições em um relato
politicamente conveniente não é apanágio das sociedades primevas, mas
politicamente conveniente não é apanágio das sociedades primevas, mas
elemento constitutivo da própria natureza do conhecimento histórico
elemento constitutivo da própria natureza do conhecimento histórico
ocidental, desde a Doação de Constantino até a supressão da figura de
ocidental, desde a Doação de Constantino até a supressão da figura de
Trotsky da iconografia da Revolução Russa promovida por Stálin, ou da
Trotsky da iconografia da Revolução Russa promovida por Stálin, ou da
desqualificação dos indígenas como agentes históricos promovida pela
desqualificação dos indígenas como agentes históricos promovida pela
quase totalidade da historiografia brasileira, principalmente nos livros
quase totalidade da historiografia brasileira, principalmente nos livros
didáticos, bem exemplificados nas considerações de Marc Ferro em
didáticos, bem exemplificados nas considerações de Marc Ferro em A A
manipulação
manipulação da Históda História no ria no ensino e ensino e nos meios nos meios de comunde comunicaçãoicação (FERRO, (FERRO,
1983)e em
1983)e em A História vi A História vigiadagiada (FERRO, [s.d.]). (FERRO, [s.d.]).
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A partir partir dessa dessa visão, visão, como como é é possível possível ver ver as as formas formas de de expressãoexpressão
histórica nos povos sem escrita?
histórica nos povos sem escrita?
Uma abordagem temporalmente definida das manifestações
Uma abordagem temporalmente definida das manifestações
historiográficas, mesmo que delimitada à tradição ocidental na sua maior
historiográficas, mesmo que delimitada à tradição ocidental na sua maior
parte, deve considerar as manifestações historiográficas das diversas
parte, deve considerar as manifestações historiográficas das diversas
sociedades analisadas dentro de seu espírito, mais que pela sua forma.
sociedades analisadas dentro de seu espírito, mais que pela sua forma.
Desse modo, é necessário evitar o simplismo de atribuir a Heródoto
Desse modo, é necessário evitar o simplismo de atribuir a Heródoto
a paternidade da História, hegemônica entre nós desde o século XIX.
a paternidade da História, hegemônica entre nós desde o século XIX. DaDa
mesma forma, embora a
mesma forma, embora a História surja como gênero específico de escritaHistória surja como gênero específico de escrita
entre os gregos, seu nascimento não deve ser considerado como sendo na
entre os gregos, seu nascimento não deve ser considerado como sendo na
Grécia Antiga.
Grécia Antiga.
É necessário considerar o surgimento da historiografia nas primeiras
É necessário considerar o surgimento da historiografia nas primeiras
manifestações intencionais de preservação da identidade cultural das
manifestações intencionais de preservação da identidade cultural das
sociedades mais antigas, mesmo que estas manifestações não sejam
sociedades mais antigas, mesmo que estas manifestações não sejam
frutos da construção m
frutos da construção metódica e cientificista da escrita da História.etódica e cientificista da escrita da História.
Mas a complexização das sociedades humanas levou à gradativa
Mas a complexização das sociedades humanas levou à gradativa
complexização da produção histórica, resultando numa historiografia que
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d d a a H H i i s s t t ó ó r r i
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refletia as novas relações sociais dos grupos
refletia as novas relações sociais dos grupos sedentários e já organizadossedentários e já organizados
em sociedades-estado de natureza centralizada e hierarquizada.
em sociedades-estado de natureza centralizada e hierarquizada.
Na próxima seção você irá
Na próxima seção você irá conhecer um caso tipo dessa historiografiaconhecer um caso tipo dessa historiografia
de crônicas reais e mitos de origem muito importante para a tradição
de crônicas reais e mitos de origem muito importante para a tradição
ocidental: o Antigo Israel.
ocidental: o Antigo Israel.
SEÇÃO 2
SEÇÃO 2
MITOS DE ORIGEM E CRÔNICAS REAIS
MITOS DE ORIGEM E CRÔNICAS REAIS
As
As consolidações consolidações das das tradições tradições orais orais das das sociedades sociedades primevasprimevas
manifestam de forma clara a intenção de preservação de uma dada
manifestam de forma clara a intenção de preservação de uma dada
construção da memória coletiva que dota aquelas sociedades de uma
construção da memória coletiva que dota aquelas sociedades de uma
identidade própria e única. Estas construções, na Antigüidade, se
identidade própria e única. Estas construções, na Antigüidade, se
efetivaram principalmente através das genealogias preservadas pela
efetivaram principalmente através das genealogias preservadas pela
tradição oral, dos “mitos de origem”, e das crônicas e anais reais e
tradição oral, dos “mitos de origem”, e das crônicas e anais reais e
dinásticos.
dinásticos.
Assim,
Assim, para para uma uma rápida rápida abordagem abordagem dos dos mitos mitos de de origem origem e e dasdas
crônicas e anais reais, é exemplar ater-se a um dos mitos e
crônicas e anais reais, é exemplar ater-se a um dos mitos e tradições maistradições mais
conhecidos da tradição ocidental: o mito de
conhecidos da tradição ocidental: o mito de origem e as crônicas judaicas,origem e as crônicas judaicas,
integrantes fundamentais da tradição judaico-cristã.
integrantes fundamentais da tradição judaico-cristã.
Butterfield, citado em Le
Butterfield, citado em Le Goff, analisa o caso hebraico:Goff, analisa o caso hebraico:
Nenhuma nação – nem mesmo a Inglaterra com
Nenhuma nação – nem mesmo a Inglaterra com
a Magna Carta –
a Magna Carta – esteve alguma vez tão obsecadaesteve alguma vez tão obsecada
(sic!) pela história, e não é estranho que os
(sic!) pela história, e não é estranho que os
Antigos
Antigos Judeus teJudeus tenham revelado nham revelado poderosos poderosos dotesdotes
narrativos e tenham sido os primeiros a produzir
narrativos e tenham sido os primeiros a produzir
uma espécie de história nacional, os primeiros a
uma espécie de história nacional, os primeiros a
fazer um esboço da história da humanidade desde
fazer um esboço da história da humanidade desde
a Criação. Atingiram uma grande qualidade na
a Criação. Atingiram uma grande qualidade na
construção da pura narrativa, especialmente na
construção da pura narrativa, especialmente na
de acontecimentos recentes, como no caso da
de acontecimentos recentes, como no caso da
morte de David e da sucessão ao seu trono. Depois
morte de David e da sucessão ao seu trono. Depois
do Exílio concentraram-se mais no Direito que na
do Exílio concentraram-se mais no Direito que na
história e voltaram a atenção para a especulação
história e voltaram a atenção para a especulação
sobre o futuro, em especial sobre o fim da ordem
sobre o futuro, em especial sobre o fim da ordem
terrestre. Em certo sentido, perderam contacto
terrestre. Em certo sentido, perderam contacto
com a terra. (BUTTERFIELD, 1973, p. 466, apud
com a terra. (BUTTERFIELD, 1973, p. 466, apud
LE GOFF, 1985, p. 186)
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r r s s i i d d a a d d e e A A b b e e r r t t a a d d o o B B r r a a s s i i l l 28 28 UNIDADE 2 UNIDADE 2
Essa obsessão dos antigos hebreus pela história os torna
Essa obsessão dos antigos hebreus pela história os torna ideais paraideais para
a análise dos mitos de origem e crônicas reais.
a análise dos mitos de origem e crônicas reais.
Os hebreus fundam sua “identidade social e cultural” numa
Os hebreus fundam sua “identidade social e cultural” numa
perspectiva introvertida, de legitimação do ordenamento teocrático da
perspectiva introvertida, de legitimação do ordenamento teocrático da
sociedade por meio de um mito de origem centrado na revelação e na
sociedade por meio de um mito de origem centrado na revelação e na
escolha do povo como eleito de Deus. (OBS: Não se usam aqui os termos
escolha do povo como eleito de Deus. (OBS: Não se usam aqui os termos
nação e nacional para a análise dos tempos primitivos das sociedades
nação e nacional para a análise dos tempos primitivos das sociedades
antigas, para não provocar confusão entre as sociedades antigas e os
antigas, para não provocar confusão entre as sociedades antigas e os
modernos estados nacionais, que tão pouco têm em comum.)
modernos estados nacionais, que tão pouco têm em comum.)
Mas onde tudo isso está registrado?
Mas onde tudo isso está registrado?
Este mito de origem se funda numa cosmogonia que identifica
Este mito de origem se funda numa cosmogonia que identifica
a criação do Universo como o primeiro passo no processo da eleição
a criação do Universo como o primeiro passo no processo da eleição
dos hebreus a povo escolhido de Deus. Fruto de uma consolidação
dos hebreus a povo escolhido de Deus. Fruto de uma consolidação
escrita posterior das tradições orais eloísta e javista, além das fontes
escrita posterior das tradições orais eloísta e javista, além das fontes
deuteronômica e sacerdotal, mais recentes, a cosmogonia hebraica se
deuteronômica e sacerdotal, mais recentes, a cosmogonia hebraica se
encontra no Pentateuco, conjunto dos primeiros cinco livros da Bíblia:
encontra no Pentateuco, conjunto dos primeiros cinco livros da Bíblia:
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.Deuteronômio.
Nesse processo, cada um dos livros contém uma faceta específica no
Nesse processo, cada um dos livros contém uma faceta específica no
processo de constituição da identidade hebraica. No
processo de constituição da identidade hebraica. No Gênesis, se constróiGênesis, se constrói
a criação do universo e do homem; a vida paradisíaca dos primórdios e a
a criação do universo e do homem; a vida paradisíaca dos primórdios e a
posterior queda do gênero humano; a escolha por Deus do clã
posterior queda do gênero humano; a escolha por Deus do clã de Abraãode Abraão
para ser tronco e linhagem do povo eleito para religar os laços rompidos
para ser tronco e linhagem do povo eleito para religar os laços rompidos
quando da queda do Paraíso: os hebreus.
quando da queda do Paraíso: os hebreus.
No livro do Êxodo, se elabora a
No livro do Êxodo, se elabora a criação da identidade cultural destecriação da identidade cultural deste
povo eleito, quando das provações no Egito e no êxodo propriamente
povo eleito, quando das provações no Egito e no êxodo propriamente
dito, período em que se dá toda a ordenação social, moral e ética da
dito, período em que se dá toda a ordenação social, moral e ética da
sociedade hebraica em meio à migração pelo deserto do Sinai rumo à
sociedade hebraica em meio à migração pelo deserto do Sinai rumo à
Terra Prometida.
Terra Prometida.
O livro do Levítico estrutura a dimensão religiosa e teocrática da
O livro do Levítico estrutura a dimensão religiosa e teocrática da
sociedade hebraica, consagrando ao mesmo tempo a especificidade
sociedade hebraica, consagrando ao mesmo tempo a especificidade
hebraica e as relações de dominação teocrática dentro da sociedade dos
hebraica e as relações de dominação teocrática dentro da sociedade dos
hebreus, com a hegemonia sacerdotal e política da tribo de Levi.
hebreus, com a hegemonia sacerdotal e política da tribo de Levi.
O livro de Números traz a explicitação demográfica da eleição
O livro de Números traz a explicitação demográfica da eleição
divina dos hebreus através da descrição de linhagens genealógicas
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 29 UNIDADE 2 remontando a Adão, primeiro homem e fundador do povo eleito e a fase
final da jornada do povo pelo deserto até a chegada à terra prometida na Palestina.
No Deuteronômio, se faz a reelaboração consolidada do processo descrito nos quatro primeiros livros do Pentateuco, já sob o olhar da consolidação das hegemonias internas na sociedade hebraica posterior.
Habilmente inserida numa dinâmica historicamente definida, essa tradição, fundada numa mítica de criação e eleição, se prolonga com a ocupação da terra prometida, narrada nos livros de Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel.
Os livros de I e II Reis narram a consolidação da estrutura monárquica e a crise do modelo teocrático em Israel. São livros que marcam a transição da tradição mítica cosmogônica para a legitimação dessa tradição nas camadas superiores da sociedade judaica através da enumeração das linhagens monárquicas e crônicas reais, com um olhar claro do Reino de Israel.
Os livros de I e II Crônicas, retomam a narração de I e II Reis numa perspectiva de restauração religiosa, mas sob o olhar do núcleo sacerdotal do Templo de Jerusalém, no Reino de Judá. Os livros de II Reis e II Crônicas terminam na mesma conjuntura: a deportação de Israel e Judá para a Babilônia.
Os livros de Esdras e Neemias tratam do retorno da Babilônia e da restauração do Templo. Os livros de I e II Macabeus, deuterocanônicos, narram as lutas dos judeus contra os helenistas selêucidas.
É nessa perspectiva histórica que se funda a identidade cultural hebraica e, mais tarde, a identidade política judaica, num processo de transição do tribal ao político exemplar da tradição da escrita da história na Antigüidade Oriental.
Mas será que foi só no Israel antigo que as coisas aconteciam assim?
Outras sociedades podem ser vistas no Oriente a partir do IV milênio antes de Cristo, na mesma perspectiva. Le Goff enuncia que
No Médio Oriente, esta preocupação com acontecimentos datados parece sobretudo ligada às estruturas políticas: à existência dum estado e, mais especificamente, de um estado monárquico.
U n i v e r s i d a d e A b e r t a d o B r a s i l 30 UNIDADE 2
Inscrições que descrevem as campanhas militares e as vitórias dos soberanos, lista real suméria (cerca de 2000 a.C.), anais dos reis assírios, gestas dos reis do Irão antigo que se reencontram nas lendas reais da tradição medo-persa antiga, arquivos reais de Mari (século XIX a.C.), de Ugarit e de Rãs Samra, de Hattusa a Bogarkzöy (século XV a XIII a.C). (LE GOFF, 1985, p. 185)
Todas essas formas de escrita da história no Antigo Oriente Próximo são voltadas para dentro da sociedade, introvertidas, com função principal de legitimação interna do poder político ou teocrático-político. É uma forma de historiografia voltada para o interior da sociedade, constituinte de identidades sociais através dos mitos de origem e da inserção das linhagens e/ou dinastias governantes como expressão da continuidade desses mitos.
Porém, a diversidade de concepções históricas no Antigo Oriente Próximo vai muito além da lógica da eleição presente no Antigo Israel e dos povos da Mesopotâmia. No Extremo Oriente você verá agora o caso da cultura chinesa clássica, onde a função da escrita da história era algo completamente distinto do que foi visto até aqui e também de praticamente tudo o que você conhece como função do conhecimento histórico.
SEÇÃO 3
O Extremo Oriente: o Caso da China
No Antigo Extremo Oriente, a função da escrita da História era radicalmente diferente daquelas existentes na tradição ocidental. Para exemplificar essa questão você vai tomar contato agora com a as concepções de história em uma das sociedades exemplares do Antigo Extremo Oriente: A China Clássica.
Os primórdios da historiografia chinesa se prendem, como os demais inícios historiográficos, ao duplo de mitos de origem e anais e/ou crônicas reais. A tradição faz de Confúcio o pai da história da China, quando lhe atribui a autoria dos cinco Clássicos (Whu King), que são a base da cultura
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 31 UNIDADE 2 que abarca os tempos primitivos e lendários da China (±2357 a 1122
a.C., pela cronologia ocidental cristã) e a Crônica das Primaveras e dos Outonos (Tch’chuen Ts’ieu), que narra os fatos notáveis do reino de Lu,
pátria de Confúcio, de ±722 a 481 a.C. Embora a crítica moderna ponha em questão a autoria confuciana destas obras, elas são importantes como expressões das formas de escrita da história na China arcaica.
E como essa visão mítica e moralista se transforma?
A partir do século VIII a.C., a historiografia chinesa abandona, paulatinamente, os “mitos como relato dos nascimentos maravilhosos de soberanos imaginários, exaltação da idade de ouro original, fábula das grandes invenções e canto das proezas sobre-humanas” (CARBONELL, 1987, p. 44). Ela se torna documental e rigorosamente analítica.
O encargo da escrita da história passa a ser atribuído aos áugures, “homens encarregados de dizer o futuro, de o ordenar nos seus calendários benéficos, distinguindo-lhe os dias fastos dos nefastos. (CARBONELL, 1987, p. 45)”. São eles que dão à China a sua primeira memória fiel, anotando os acontecimentos que testemunhavam e que serviam de matéria-prima para a confecção de anais que continham trechos extraídos das chancelarias reais e indicações augurais. Desta forma, surgiram, do século V ao III a.C. os Anais do país de Tsin, do país de Wei e do país de
Lu (CARBONELL, 1987, p. 45).
Com a unificação da China em 221 a.C. e a destruição da ordem feudal pelos imperadores Han, a história muda de estatuto, sendo-lhe atribuída, na classificação bibliográfica elaborada por Tcheng Mo no século III a.C., uma das quatro maiores categorias, junto com os clássicos, as obras literárias e os escritos filosóficos.
Neste processo, porém, consolida seu caráter augural e burocrático. Sob os Han,
Foi criado o cargo de arquivista da corte; seguiu-se o de historiógrafo. Não tardou a surgir um ofício dos historiógrafos e foram criadas comissões historiográficas para compor biografias imperiais e histórias dinásticas. Foi assim que os historiadores entraram na burocracia celeste. (CARBONELL, 1987, p. 46)