A primeira questão que se coloca, para a discussão da produção da história na Idade Média, principalmente no Alto Medievo, é a da existência de uma “consciência histórica” medieval.
T e o r i a d a H i s t ó r i a 1 67 UNIDADE 4 Vários medievalistas e historiógrafos contemporâneos ressaltam a
“vasta indiferença ao tempo” do homem medieval.
Philippe Ariès faz-se eco da mesma idéia quando afirma: «O homem da Idade Média jamais considera o passado como morto, e daí a sua dificuldade em fazer dele objeto de conhecimento.» (CARBONELL, 1987, p. 59)
Isso ocorre por serem as concepções de vida, sociedade e tempo subordinadas aos desígnios da providência divina sobre a humanidade. Assim, não caberia ao homem explicar e conhecer as causas e efeitos,
quer no que diz respeito ao material, quer no que reputa ao histórico. Na afirmação deste ponto de vista, BOURDÉ & MARTIN (1990, p. 16), citam as idéias do historiador americano W. J. Brandt, em seu livro
The shape of medieval history:
Os homens da Idade Média participavam de uma mentalidade radicalmente rebelde à história. Segundo este autor, percebiam a natureza sobre o modo da descontinuidade. Qualquer objeto era a seu ver único, dotado de uma essência própria e de uma virtude particular, porque referido a uma idéia divina. Daí o difícil estabelecimento de relações de causalidade dentro da ordem da física. Ter-se-ia passado o mesmo na ordem da história, sendo os acontecimentos percebidos como isolados uns dos outros, todos produzidos pela arbitrariedade divina.
Nessa concepção, a escrita da história não iria muito além de uma limitada intenção de revelação dos fatos, como mostra a fala de Orderic Vital, monge inglês do século XII, em sua História Eclesiástica:
A pedido de meus companheiros, escrevo uma simples história onde relato os fatos ano a ano... Não posso esclarecer a vontade divina pela qual tudo acontece. Não quero divulgar as causas das coisas (BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 16).
Essa aparente ausência de uma concepção temporal que fosse fundada em relações de causalidade e que ultrapassasse os desígnios da providência divina não impediu a emergência da escrita de produções de cunho histórico na Alta Idade Média.
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Essas produções tiveram forte influência eclesiástica e foram
Essas produções tiveram forte influência eclesiástica e foram
calcadas na concepção providencialista agostiniana, mas demonstram a
calcadas na concepção providencialista agostiniana, mas demonstram a
necessidade de uma escrita de caráter histórico, mesmo que vassala da
necessidade de uma escrita de caráter histórico, mesmo que vassala da
teologia e da moral, e definem um lugar específico para esta escrita na
teologia e da moral, e definem um lugar específico para esta escrita na
produção do conhecimento na medievalidade.
produção do conhecimento na medievalidade.
Na Idade Média, o pensar histórico era
Na Idade Média, o pensar histórico era fundado essencialmente nofundado essencialmente no
providencialismo agostiniano. É válido recordar aqui suas
providencialismo agostiniano. É válido recordar aqui suas linhas mestras.linhas mestras.
Existem duas cidades, a dos homens e a de Deus. A cidade dos homens,
Existem duas cidades, a dos homens e a de Deus. A cidade dos homens,
terrestre, é habitada por cristãos e pagãos, e identificada com o Império
terrestre, é habitada por cristãos e pagãos, e identificada com o Império
Romano. Esta cidade está em marcha para a Cidade de Deus. No seio
Romano. Esta cidade está em marcha para a Cidade de Deus. No seio
da cidade terrestre, a Cidade de Deus está presente, para guiá-la, sob a
da cidade terrestre, a Cidade de Deus está presente, para guiá-la, sob a
forma da Igreja. Dessa forma,
forma da Igreja. Dessa forma,
Resulta um estatuto político e histórico particular
Resulta um estatuto político e histórico particular
dos cristãos: membros da cidade de Deus são
dos cristãos: membros da cidade de Deus são
peregrinos neste mundo, usando a paz relativa
peregrinos neste mundo, usando a paz relativa
da Cidade Terrestre para atingir a paz celeste
da Cidade Terrestre para atingir a paz celeste
(BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 18).
(BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 18).
Assim, a
Assim, a história pohistória possui um ssui um sentido e sentido e passa a passa a depender ddepender diretamenteiretamente
dos desígnios da providência divina em seu processo do desenrolar dos
dos desígnios da providência divina em seu processo do desenrolar dos
acontecimentos. Pode-se falar, se bem que com maior ênfase a partir do
acontecimentos. Pode-se falar, se bem que com maior ênfase a partir do
século XII, de progresso e de uma temporalidade linear na realização da
século XII, de progresso e de uma temporalidade linear na realização da
Graça, em substituição ao tempo cíclico-natural das sociedades pagãs.
Graça, em substituição ao tempo cíclico-natural das sociedades pagãs.
Na próxima seção, você irá conhecer as diversas formas e objetos
Na próxima seção, você irá conhecer as diversas formas e objetos
da escrita da História conforme
da escrita da História conforme pensada e feita pelos cristãos medievais.pensada e feita pelos cristãos medievais.
Perceberá a influência das concepções historiográficas gregas, romanas
Perceberá a influência das concepções historiográficas gregas, romanas
e, principalmente, da historiografia cristã antiga no fazer histórico
e, principalmente, da historiografia cristã antiga no fazer histórico
medieval
medieval