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3. QUEM É O IDOSO DE HOJE?

3.2 Esse corpo que é meu

Quanto menos eu me reconheço em meu corpo, mais me sinto obrigada a me ocupar com ele. (Beavoir)

O corpo sempre foi foco de interesse, atenção e pesquisa e não se limita apenas às concepções orgânicas, mas se configuram com um espaço onde se operam diferentes dispositivos. Hoje, de forma mais incisiva, percebe-se a veiculação pelos diferentes espaços midiáticos de que a longevidade é algo que está ao alcance de todos e em igualdade de condições. Isso contribui para a falsa ideia de que os efeitos do envelhecimento acontecem nas mesmas proporções para toda a população levando-nos a crer que o que se contrapõe a isso é consequência de uma recusa pessoal.

O exemplo de Jane Fonda, apresentado por Bauman (2001, p. 79), referencia bem essa relação de valoração que o corpo exerce na modernidade:

―Gosto muito de pensar que meu corpo é produto de mim mesma, é meu sangue e entranhas. É minha responsabilidade.‖ A mensagem de Fonda para toda mulher é que trate seu corpo como sua propriedade (meu sangue, minhas entranhas), seu próprio produto e, acima de tudo, sua própria responsabilidade [...] O lado inverso da mensagem também não é ambíguo, ainda que não soletrado com a mesma clareza: você deve a seu corpo cuidado, e se negligenciar esse dever, você deve sentir-se culpada e envergonhada. Imperfeições de seu corpo são sua culpa e

vergonha. Mas a redenção do pecado está ao alcance das mãos da pecadora, e só de suas mãos.

As materialidades linguísticas trazidas por Jane Fonda apontam efeitos de sentido que ensejam que você é totalmente responsável pelo corpo que tem e que seu sucesso ou fracasso está atrelado ao comportamento adotado ao longo da vida.

Como mencionado anteriormente, muitos são os fatores que interferem na sua longevidade e nos resultados obtidos, de sucessos ou de insucessos. Nesses fatores, o corpo também está envolvido. Todavia a mídia e as estratégias de marketing tendem a delegar a você, a opção pelo corpo bem cuidado e belo. As técnicas de emagrecimento, os exercícios, as dietas e os produtos de beleza estão disponíveis, cabendo-lhe a aplicabilidade. Conforme Bauman (2001, p. 79), seguir os ensinamentos de Jane Fonda é um caminho a ser traçado por qualquer indivíduo:

―Sou famosa e amada; sou objeto de desejo e admiração. Qualquer que seja a razão, existe porque eu a fiz existir. Olhem meu corpo: é esguio, flexível, tem boa forma – perenemente jovem. Você certamente gostaria de ter - de ser um corpo como o meu. Meu corpo é meu trabalho; se você se exercitar como eu, você poderá tê-lo. Se você sonha em ―ser como Jane Fonda‖, lembre-se de que fui eu, Jane Fonda que fiz de mim a Jane Fonda desses sonhos.

Esse efeito de sentido de que o nosso corpo é produto de nossa inteira responsabilidade é destacado por Foucault quando enfatiza:

Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: ―Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!‖ A cada movimento de um dos dois adversários corresponde o movimento do outro (FOUCAULT, 2002, p. 147).

Isso mostra o quanto somos impulsionados a reconhecer que nosso corpo é produto de nossas escolhas e que somos ―estimulados‖ a dedicar um significativo espaço de tempo para a manutenção do corpo dito ideal, uma vez que este, assim como o de Jane Fonda, ―pode ser submetido, pode ser utilizado, pode ser transformado e aperfeiçoado‖ (FOUCAULT, 2004a, p. 118)

Ainda de acordo com Michel Foucault (2002, p. 146):

O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde, contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor.

As colocações de Foucault acima apontam para as relações de poder que são exercidas sobre o corpo. A construção do indivíduo é dada pelos efeitos do poder e este se encontra presente na população às vezes de forma bastante sutil. Os procedimentos de rejuvenescimento, a aplicação de vacinas, a produção de células-tronco a partir da conservação de cordões umbilicais são exemplos desse poder. É a ação do biopoder que ultrapassa a esfera individual atingindo, também, o coletivo.

Paralelo a isso, o corpo passa a representar atitude, interferindo nas formas de viver. É o que aponta o filósofo quando destaca que o corpo:

também tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver: desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constitui assim uma prática social, dando lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber (FOUCAULT, 2002, p. 50).

Dessa forma, as atitudes tomadas pelas celebridades frente aos seus corpos constituem-se, também, em novas possibilidades, novas práticas, novas referências de cuidados para quem os (as) acompanha. Utilizando-se desses corpos famosos, a mídia identifica um nicho de investimento exibindo exemplos de beleza e sucesso como estratégias de marketing e vendendo a possibilidade de uma beleza eterna e cheia de glamour. Assim, essa corporeidade enquanto fator pujante na vida de qualquer indivíduo passa a ser conduzida pela mídia como um modo único de vida, ou seja, estimulada pelo modelo apresentado por diferentes celebridades. Esse controle sobre os corpos, contudo, surge com uma nova roupagem assegurada pelos aparatos tecnológicos que interferem nas formas e contornos corporais, permitindo a construção de uma imagem o mais próximo possível do imaginário popular. Com isso, novas silhuetas são criadas, marcas de expressão são excluídas, a tonalidade da pele assume um brilho especial e as alterações típicas do processo de envelhecimento parecem burlar as teorias biológicas, contrapondo-se às diferentes ações do tempo sobre o corpo. São ações do biopoder utilizando-se de novas estratégias de controle.

Ademais, inúmeras são as formas de controle sobre os diferentes corpos. A institucionalização da vacina no início do século XIX, por exemplo, é um marco representativo desse controle e, desde então, tem ocupado lugar de destaque como elemento importante nas políticas públicas de saúde mediante constante vigilância sobre os corpos. Acerca desse exercício de poder, Foucault (2010) destaca:

A disciplina é uma técnica de poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o que fizeram é conforme a regra. É preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade de submetê-los a uma perpétua pirâmide de olhares. É assim que no exército aparecem sistemas de graus que vão, sem interrupção, do general chefe até o ínfimo soldado, como também os

sistemas de inspeção, revistas, paradas, desfiles, etc., que permitem que cada indivíduo seja observado permanentemente (FOUCAULT, 2010, p. 106).

Assim, disciplinamos os corpos institucionalizados no que concerne à sua rotina diária, o que inclui alimentação, higiene, quadro clínico geral, realização de atividades lúdicas e corporais e controle de visitas. Nas unidades escolares, o poder disciplinar exerce controle sobre o vestuário, dieta alimentar, proposta curricular, critérios de aprovação, entrada e saída da escola, dentre outros. No contexto midiático, utilizam-se corpos jovens, saudáveis, magros cujo efeito de sentido aponta para a beleza e o sucesso a partir dos cuidados devidos e fazendo inferir que a manutenção desse sucesso se dá pela proatividade e pelo autocontrole. Instaura- se, portanto, um processo de vigilância constante e em todas as etapas da vida que pune aqueles que não se encaixam nas normas e padrões culpando-os pelos insucessos.