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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

DIONE MARQUES FIGUEIREDO GUEDES PEREIRA

CORPOREIDADE, PRÁTICAS DISCURSIVAS E CUIDADO DE SI: A CONSTITUIÇÃO DE SUBJETIVIDADES DE CELEBRIDADES IDOSOS(AS) NA

MÍDIA

NATAL / RN 2020

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DIONE MARQUES FIGUEIREDO GUEDES PEREIRA

CORPOREIDADE, PRÁTICAS DISCURSIVAS E CUIDADO DE SI: A CONSTITUIÇÃO DE SUBJETIVIDADES DE CELEBRIDADES IDOSOS(AS) NA MÍDIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do Título de Doutora em Estudos da Linguagem.

Área de Estudo: Linguística Aplicada

Linha de Pesquisa: Estudo de Práticas Discursivas

Orientadora: Profa. Dra. Marluce Pereira da Silva

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Pereira, Dione Marques Figueiredo Guedes.

Corporeidade, práticas discursivas e cuidado de si: a constituição de subjetividades de celebridades idosos(as) na mídia / Dione Marques Figueiredo Guedes Pereira. - Natal, 2020. 197f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Orientadora: Prof. Dra. Marluce Pereira da Silva.

1. Corporeidade - Tese. 2. Envelhecimento - Tese. 3. Práticas discursivas - Tese. 4. Cuidado de si - Tese. 5. Celebridades idosas - Tese. I. Silva, Marluce Pereira da. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33

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DIONE MARQUES FIGUEIREDO GUEDES PEREIRA

CORPOREIDADE, PRÁTICAS DISCURSIVAS E CUIDADO DE SI: A CONSTITUIÇÃO DE SUBJETIVIDADES DE CELEBRIDADES IDOSOS(AS) NA MÍDIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do Título de

Doutora em Estudos da Linguagem. Aprovado em ____ / ____ / ____

EXAMINADORES:

_____________________________________________ Profa. Dra. Marluce Pereira da Silva – UFRN

Orientadora

_____________________________________________ Profa. Dra. Laurênia Souto Sales- UFPB

Examinadora Externa

______________________________________________ Prof. Dr. Degmar Francisca dos Anjos - IFPB

Examinador Externo

______________________________________________ Profa. Dra. Celina Rodrigues Muniz – UFRN

Examinadora Interna

______________________________________________ Prof. Dr. Josenildo Soares Bezerra – UFRN

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Aos idosos e idosas que se reiventam mundo afora.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por se fazer presente na minha vida mesmo quando as forças pareciam se esvair. À Professora Marluce Pereira da Silva por aceitar o desafio de me conduzir nesse processo dividindo seus inúmeros saberes.

À minha família que reconheceu, em silêncio, a necessidade de renunciar a muitos momentos juntos.

Ao meu esposo Carlos S. Guedes Pereira de Lima por assumir algumas atividades quando eu não poderia estar.

Ao meu filho Carlos Germano M. Guedes Pereira pela preocupação com meus momentos de estudo.

À minha mãe Maria do Socorro Marques de Figueiredo pela garra na condução dos estudos das filhas.

Ao meu pai (in memoriam) – Edil Justino de Figueiredo - presença viva de luz a me conduzir. Às minhas irmãs – Denise Marques de Figueiredo e Daniela Marques Figueiredo– pelo acolhimento constante diante de minhas angústias.

Aos Professores Degmar dos Anjos e Josenildo Soares pela sensibilidade e pelas importantes contribuições no momento da Qualificação da Tese, permitindo os ajustes necessários.

Aos amigos do Instituto Federal da Paraíba – Campus Avançado João Pessoa Mangabeira pelos incentivos diante de tantas demandas de trabalho.

À Professora Maria da Luz Figueiredo de Albuquerque, exemplo de amor pela educação e pelo próximo, pelas experiências compartilhadas.

À Professora Zoraida Arruda pelo exemplo de luta incessante nas questões educacionais. Aos amigos da Escola Municipal Lions Tambaú pela partilha de diferentes saberes.

Aos idosos e idosas da ASPAN (Associação Promocional do Ancião) e da Vila Vicentina Júlia Freire por me acolherem com tanto carinho nesse universo discursivo do idoso.

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observar o universo discursivo da Educação de Jovens e Adultos a partir do parâmetro da corporeidade.

À Professora Ariane Norma de Menezes Sá pelo incentivo a ingressar na pós-graduação. Com ela aprendi lições para uma vida inteira.

À Professora Ana Cristina de Sousa Aldrigue por me conduzir nas orientações de Mestrado. Aos estudantes do Curso Técnico em Cuidados de Idosos Subsequente ao Ensino Médio do IFPB – Campus Avançado João Pessoa Mangabeira pelas experiências diárias.

À Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-Graduação – PRPIPG/IFPB pelo incentivo dado aos profissionais da instituição no sentido de avanço nos conhecimentos e construção de uma educação melhor para todos.

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RESUMO

Esta tese tem como objeto de estudo a constituição de subjetividades de artistas idosos (as), considerados celebridades no meio artístico, oriundas de práticas discursivas veiculadas em sites e revistas eletrônicas e publicadas entre o período de 2011 e 2020. A questão central reside no modo como as celebridades se munem de técnicas de si (FOUCAULT, 1991), em seus enunciados, buscando construir tipos de subjetividades que não as inscrevam como indivíduos decrépitos e fadados ao ostracismo social ou à condição de ―refugo humano‖ de forma a contribuir para a manutenção de sua visibilidade após os 60 anos. Objetiva-se analisar como se constituem as subjetividades de artistas idosos e idosas com visibilidade midiática a partir de discursividades presentes em sites e revistas eletrônicas cuja produção de sentidos aponta as tecnologias do eu utilizadas por tais celebridades na construção de subjetividades. Além disso, de forma específica, objetiva-se analisar como artistas idosos/as relatam, em seus posicionamentos discursivos veiculados pela mídia, a utilização de técnicas de si voltadas à estética corporal visando à manutenção de padrões de beleza ao constituírem suas subjetividades; problematizar enunciados em matérias veiculadas nas mídias cujos autores constroem subjetividades de cunho profissional de ―celebridades‖ idosas e idosos e ainda interpretar sentidos em falas dessas/desses celebridades que apontam técnicas de si na construção de subjetividades que não as inscrevam como indivíduos decrépitos e fadados ao ostracismo social ou à condição de ―refugo humano‖. As discursividades presentes nas falas das entrevistas concedidas ou nos artigos de opinião do ambiente midiático foram categorizadas a partir de enunciados cujos efeitos de sentido apontam para a utilização de técnicas voltadas ao cuidado de si. O corpus é composto de discursos emanados por 22 celebridades. O estudo, vinculado à Linguística Aplicada, é de natureza qualitativa e interpretativista, tendo como base os postulados teóricos de Foucault (2002a) e Bauman (2015) e teóricos da linguagem, com ênfase nos modos de subjetivação, na arte do cuidado de si e corporeidade (FOUCAULT, 2002a) e na noção de refugo (BAUMAN, 2015). As análises demonstram discursividades voltadas a práticas de resistência à inclusão na condição de refugo humano. Os cuidados com o corpo tendem a refutar as questões estéticas em detrimento das condições básicas para a atividade no trabalho. Enquanto tecnologias de si, os cuidados com o corpo são ancorados na resistência a partir do autogoverno e utilizados como instrumentos de mobilidade social não mais como condição de ascensão profissional, mas como garantia de permanência das condições de empregabilidade.

Palavras-chave: Corporeidade. Envelhecimento. Práticas discursivas. Cuidado de si.

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ABSTRACT

This researchaims at studying the constitution of subjectivities concerning elderly artists who are considered celebrities in the artistic scenery, arising from discursive practices in websites and electronic magazines, published from 2011 to 2020. The central issue of the research lies on the way celebrities use techniques of the self (FOUCAULT, 1991) in their statements, so as to build types of subjectivities that do not inscribe them either as decrepit individuals, doomed to social ostracism or to the condition of ―human refuse‖, as a way of contributing to their visibility after 60 years old. We aim, therefore, at analyzing the way subjectivities of elderly and elderly artists, with visibility in the media, are constituted from discursivities which are present in websites and electronic magazines, and whose production of meanings concerning the self technologies in the subjectivity construction. In addition, and in a more specific way, it aims at analyzing the way elderly artists report themselves, in their discursive positions conveyed by the media, the use of techniques of the self, aimed both at body aesthetics and at maintaining beauty standards when constituting their subjectivities; problematizing utterances in articles published in the media whose authors build professional subjectivities of elderly and elderly ―celebrities‖ and also interpreting meanings in the speeches of these celebrities who point out techniques of themselves in the construction of subjectivities that do not inscribe them as decrepit and doomed social ostracism or the condition of ―human refuse‖. The discursivities whichpass through the speeches of the interviews or in the opinion articles of the media were, thus, categorized on statements whose effects of meaning reflect the use of techniques aimed at self-care. As to the corpus, it consisted of speeches concerning 22 celebrities. This study, which is aligned to the Applied Linguistics area, configures itself as being of qualitative and interpretative nature, based on Foucault (2002a), Bauman (2015) and language theorists, with emphasis on the subjectivation mode, the art of self-care and corporeality (FOUCAULT, 2002a) and the notion of refuse (BAUMAN, 2015). As to the analysis, itshowed us discursiveness focused on practices of resistance to inclusion, in the condition of human refuse. Body care tends to refute aesthetic issues in detriment of the basic conditions for activity at work. Just like technologies of the self, body care is anchored in resistance based on self-government and used as social mobility instruments, and no longer as a condition for professional advancement, but as a guarantee of permanence concerning employment conditions.

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RESUMEN

Esta tesis tiene como objeto de estudio la constitución de subjetividades de artistas mayores, considerados celebridades en el entorno artístico, resultantes de prácticas discursivas difundidas en sitios web, inclusive de revistas electrónicas y publicadas entre el período de 2011 y 2020. La cuestión central se establece en cómo las celebridades se dotan de técnicas propias (FOUCAULT, 1991), en sus declaraciones, buscando construir tipos de subjetividades que no las inscriban como individuos decrépitos y destinados al ostracismo social o a la condición de ―escoria humana‖ para contribuir a mantener su visibilidad después de los 60 años. El objetivo es el de analizar cómo se constituyen las subjetividades de los artistas mayores con visibilidad mediática a partir de discursividades presentes en sitios web, inclusive de revistas electrónicas y qué producción de significados apunta a las tecnologias del yo utilizadas por tales celebridades en la construcción de subjetividades. Además, de forma específica, los objetivos son: analizar cómo los artistas mayores relatan, en sus posiciones discursivas difundidas por los medios, la utilización de técnicas propias hacia la estética corporal con el propósito de mantener moldes de belleza al constituir sus subjetividades; problematizar enunciados en artículos difundidos en los medios cuyos autores construyen subjetividades de naturaleza profesional de ―celebridades‖ mayores como también interpretar significados en sus discursos que señalan técnicas propias en la construcción de subjetividades que no las inscriban como individuos decrépitos y destinados al ostracismo social o a la condición de ―escoria humana‖. Las discursividades presentes en las hablas de las entrevistas concedidas o en los artículos de opinión en el ámbito mediático fueron categorizadas a partir de enunciados cuyos efectos de significados apuntan a la utilización de técnicas hacia al autocuidado. El corpus consta de discursos emanados de 22 celebridades. El estudio, conexionado a la Linguística Aplicada, es de naturaleza cualitativa e interpretativa, se fundamenta en los postulados teóricos de Foucault (2002a), Bauman (2015) y teóricos del lenguaje, con énfasis en los modos de subjetivación, en el arte del autocuidado y corporalidad (FOUCAULT, 2002a) y en la noción de escoria (BAUMAN, 2015). Los análisis exhiben discursividades hacia prácticas de resistencia a la inclusión en la condición de escoria humana. Los cuidados con el cuerpo tienden a refutar las cuestiones estéticas en detrimento de las condiciones básicas para la actividad en el trabajo. Mientras que tecnologías propias, los cuidados con el cuerpo son anclados en la resistencia a partir del autogobierno y utilizados como instrumentos de mobilidad social no más como condición de promoción profesional, sino como garantía de permanencia de las condiciones de empleabilidad.

Palabras clave: Corporalidad. Senectud. Prácticas discursivas. Autocuidado.

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SUMÁRIO

1. POR TRÁS DAS MINHAS LENTES... 12

2. UMA MUDANÇA NEM TÃO REPENTINA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS. 16

3. QUEM É O IDOSO DE HOJE?... 22

3.1 O tempo para o idoso... 27

3.2 Esse corpo que é meu... 29

3.3 Subjetividades... 32

4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS... 40

5. CONVERSAS ANTERIORES... 47

5.1 Estado da Arte... 47

5.2 Trilhas Metodológicas... 53

6. CUIDADO DE SI E TECNOLOGIAS DE SI... 57

7. CELEBRIDADES: UM POUCO DE SUAS TRAJETÓRIAS... 66

8. UM OLHAR SOBRE A MÍDIA... 91

9. FIOS QUES SE TRANÇAM: ANÁLISE DISCURSIVA DOS TEXTOS MIDIÁTICOS... 97

9.1 Categorias de Análise... 98

9.1.1 Percepção e concepções acerca da velhice... 98

9.1.1.1 Rejeição, liberdade, resistência e incapacidade do idoso... 98

9.1.2 Cenário atual traçado para o sujeito idoso... 115

9.1.2.1 - Finitude do sujeito... 115

9.1.2.2 - Corpo e refugo... 120

9.1.2.3 – Solidão... 123

9.1.3 Estratégias de manutenção de visibilidade do sujeito idoso... 125

9.1.3.1 – O corpo e autoafirmação no cuidado de si... 125

9.1.3.2 – Sexualidade... 131

9.1.3.3 – Mobilidade Social... 139

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 143

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1. POR TRÁS DAS MINHAS LENTES

Casa de Repouso (...)

Promoção de Natal: Deixe seu idoso bem cuidado conosco e desfrute das festas natalinas. Preços promocionais!!

Era dezembro de 2017 e uma faixa chamava atenção dos moradores de uma das cidades brasileiras com a oferta de mais um serviço para a população idosa. Tratava-se da ―solução para os problemas‖ daqueles que desejavam viajar para as festas de final de ano ou simplesmente, encontrar um lugar calmo, seguro e adaptado para uma pessoa idosa, cujos hábitos não mais se adequavam aos de uma família considerada tradicional. As materialidades linguísticas dessa faixa circularam o país por meio das redes sociais e os efeitos de sentido retratado por aqueles que se viam diante dela era de indignação em função do entendimento de que o idoso ali subjetivado comparava-se a uma mercadoria.

Nos últimos anos, inquietações como essas vêm fazendo parte também da minha vida após o acompanhamento da realidade de muitos idosos, especialmente aqueles que residem em Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPIs. Até então, os relatos que ouvíamos eram relacionados à impossibilidade total da família em cuidar de seu ente, agora em idade mais avançada, a outras prioridades estabelecidas pela família ou a própria escolha do idoso em residir em local diferente pelas mais diversas razões. Em contrapartida, vejo também pessoas idosas frequentando reuniões de pais e assumindo por completo a responsabilidade pela educação de seus netos mesmo que as condições gerais de saúde e de finanças se apresentem aquém do ideal. São realidades, de certa forma, antagônicas, pois demonstram as diferentes visões que uma família pode ter de seus idosos a partir do que aqueles representam no seu contexto familiar. Em face de tais discussões, parece surgir uma nova estratégia para justificar ou minimizar a exclusão do idoso do convívio familiar – a existência de espaços de maior conforto e tranquilidade para aquele que não mais se sente bem em passar os festejos natalinos junto dos entes com os quais dividiram uma vida inteira, conforme parece demonstrar a faixa mencionada anteriormente. Dessa forma, o enunciado apresentado tenta construir discursivamente um caráter de positividade, de zelo pela pessoa idosa que não mais precisará passar pelo ―tormento‖ de tantas comemorações. Para tanto, faz uso da condição de ―idoso bem cuidado‖ como um diferencial de seus serviços e não como uma condição precípua exigida a todos os prestadores de serviços, em especial, àqueles que

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atendem pessoas com tamanha vulnerabilidade. Esses elementos já devem estar inseridos na missão da empresa e não devendo ser utilizados como instrumentos de marketing, uma vez que ninguém deixa um ente querido na companhia de alguém que não zele por seus cuidados.

Após ler tal enunciado, imediatamente me reportei às dezenas de idosos das instituições as quais acompanho enquanto docente de um curso técnico em cuidados de idosos e de docente de uma instituição de ensino fundamental. Tentei dimensionar o número de vezes em que aquelas pessoas, hoje institucionalizadas, pensavam em retornar aos seus lares, depois de tantos festejos ao longo do ano com pessoas que nunca tinham visto. Quantos não chegaram ali com a alegação de que seria apenas um passeio e que, no final da tarde, estariam de volta? Quantos não receberam a justificativa de que aquele era o local mais seguro e alegre? Quantos, por falta de opção, ―apagaram‖ da memória o seu passado? Quantos não esperam, até hoje, o retorno para casa? Fico pensando nos inúmeros dados estatísticos a informar que essa parcela da população só tende a crescer. E nós, o que pensamos de tudo isso? Será o idoso apenas um dado estatístico?

Nesse contexto que envolve a minha atividade docente foi possível conhecer diferentes realidades relacionadas ao universo do envelhecimento. As questões relativas à corporeidade, beleza, autonomia, independência, solidão, finitude do ser assumem sentidos diferentes no processo de constituição de subjetividades dos indivíduos tomando como parâmetro os idosos institucionalizados e aqueles que frequentam as unidades escolares. Para os inseridos no primeiro grupo, suas histórias, em grande parte dos casos, estão registradas nos prontuários da instituição uma vez que o tempo e tudo que a ele está atrelado se encarregaram de apagar marcas importantes de suas vidas. As produções discursivas, em alguns casos, apontam para diferentes efeitos de sentido em função dos problemas de cognição e memória. Parecem vaga-lumes a piscar em momentos distintos emitindo flashes que tentamos captar como peças de um jogo de quebra-cabeça. Muitos estão há anos convivendo no mesmo espaço e com as mesmas pessoas. Poucos recebem visitas de familiares e são convidados para passeios na cidade. Alguns relatam não morar na instituição (mesmo estando lá há anos) e mencionam antigos endereços como se pudessem para lá retornar caso desejassem.

Em contrapartida, ao observar os idosos inseridos no grupo que frequenta a escola de ensino fundamental na modalidade EJA – Educação de Jovens e Adultos, os cuidados com o corpo assumem outro sentido. A autonomia e a independência são essenciais para o seu deslocamento e a atenção ao corpo ultrapassa os limites estéticos. A manutenção no mercado de trabalho e o contato com pessoas e ambientes diferentes contribuem para que as produções

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discursivas apontem para constituição de subjetividades bem distintas face aos idosos institucionalizados. As conversas em sala de aula, os momentos de intervalo, as apresentações em eventos, além da sensação de pertencimento à família contribuem para a constituição do sujeito de então.

Paralelo a isso, percebo que há um outro grupo de idosos que não só permanece na sua casa, mantendo sua independência funcional e autonomia, como supre todas as necessidades da família, aqui incluindo o sustento de seus integrantes e a educação dos netos. Diferentemente da situação anterior, esses idosos são verdadeiros amuletos, pois representam a garantia de que, se tudo der errado nas finanças e na administração da casa, o idoso poderá sanar e por ordem em tudo. Essa questão, nem de longe demonstra respeito aos ―vovôs e vovós‖ da família. Ao contrário, demonstra que o idoso é uma simples moeda de troca no sentido de que, sua permanência na casa está atrelada a tais contribuições. É nesse contexto que ouvimos relatos de idosos que são surpreendidos pela condição de devedores em face de inúmeros empréstimos realizados à revelia daqueles. Estranha-nos ainda saber que, no país em que a legislação só permite o comprometimento de até 30% dos proventos com empréstimos, encontramos pessoas com 70% de seus recursos comprometidos, contrariando um princípio legal.

Nesse percurso voltado ao acompanhamento da pessoa idosa em ILPIs, observamos situações as mais diversas para justificar a permanência ou a procura por uma instituição na condição de moradia. Há exemplos de pessoas que saíam de suas residências por falta de alimentação básica e passavam o dia e parte da noite a vagar em mercados públicos a procura de doações e do que estivesse disponível para saciar a fome e foram recolhidas pelo Ministério Público e levadas para a instituição. Há inúmeros casos de filhos que convidam seus pais para um ―passeio‖ e os deixam na instituição sob a alegação de que voltariam mais tarde para pegá-los e não mais retornaram. Há casos, ainda, de idosos transferidos de outras instituições cujas atividades foram encerradas por falta de recursos para manutenção ou porque não desempenhavam suas atribuições a contento. Há casos de idosos cuja família é desconhecida porque, no momento do cadastro, informava nomes e endereços fictícios, ficando impossível qualquer contato posterior. Há exemplos de filhos (as) que após se casarem, seus(suas) companheiros(as) não aceitam a permanência de seus genitores dividindo o mesmo ambiente que eles. O mais grave é que, nessas situações, a residência é do genitor, ou seja, o idoso é ―convidado‖ a sair de sua própria casa. Ressalta-se, contudo, que muitas dessas condições eram ainda mais comuns quando não havia uma política pública ou legislação específica voltada ao idoso. Com o surgimento do Estatuto do Idoso, Conselhos de

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Direitos do Idoso (nacional, estaduais e municipais), Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, houve uma significativa mudança nesse cenário com uma fiscalização mais rígida não só às ILPIs, como no tocante ao acompanhamento dos familiares através de visitas e assistências periódicas dentro e fora dessas instituições.

Ao longo desse percurso, percebi o quanto o idoso é invisível à lente humana e, apesar de os conceitos gerontológicos afirmarem que começamos a apresentar falhas na memória nessa etapa da vida, constatamos analogicamente que essas falhas são instaladas bem mais cedo nos tornando indivíduos cegos diante do idoso. Todavia aos poucos essa negativa em face da pessoa idosa parece ficar mais difícil em função do número crescente dessa população que não mais se projeta para anos futuros; ela já se faz presente no nosso país com projeções ainda maiores para os próximos anos, ou seja, não há mais espaço para invisibilidade, mesmo que provocada.

Nesse cenário e, por trás de minhas lentes urge saber um pouco sobre as diferentes subjetividades desse público, sobre a produção do sujeito idoso em face de sua inscrição em determinadas formações discursivas ou ainda sobre a subjetividade produzida pelo exterior em face dos discursos aos quais se submergem, em especial, as subjetividades apresentadas por artistas brasileiros na sua condição de sujeito idoso.

Estamos acostumados a referenciar as celebridades apenas no contexto dos palcos, de seus hábitos, rotinas e amores que ensejam a curiosidade da população. As mídias refletem bem esse comportamento. São elas que, de algum modo, seguem o dia a dia dessas celebridades atribuindo-lhes suas próprias verdades.

Contudo, pouco nos damos conta de que esses indivíduos também envelhecem. Fica-nos a impressão de que vivem sob a égide de poderes diferentes dos Fica-nossos, onde nada os atinge. Congelamos a imagem do artista na nossa memória, tal qual sua última aparição pública e lhes atribuímos um glamour eterno. De repente, como se repentino fosse, deparamo-nos com discursos e imagens que desfazem o modo como os subjetivamos e passamos a reconfigurar, também os nossos próprios discursos em face dessas novas subjetividades.

Assim como os personagens de histórias em quadrinhos, os nossos heróis, vilões, mocinhos, galãs, roqueiros e até a ―namoradinha do Brasil‖ também envelhecem e constroem suas próprias verdades nesse longo percurso que é a vida. Interessa-me, aqui, acompanhá-los (as) no universo discursivo das mídias e entender quem são esses novos velhos artistas de agora sob o prisma da constituição de suas subjetividades.

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2. UMA MUDANÇA NEM TÃO REPENTINA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.

(Michel Foucault)

O olhar de educadora me levou a enveredar pelo processo de envelhecimento de forma a entender melhor o atual cenário. É bem verdade que envelhecer é um percurso natural no qual todos nós estamos incluídos de tal forma que, uma vez seres viventes, vamos cumprindo fases dia a dia. Entretanto, não há registros tão constantes acerca das discursividades relacionadas à pessoa idosa como nos últimos anos, motivo que nos instiga a trilhar o amplo caminho dessas formações discursivas, a começar por uma breve contextualização histórica que pode contribuir para a justificativa do crescimento populacional nessa faixa de idade.

Durante muitos anos, o Brasil foi considerado um país jovem e essa jovialidade não estava atrelada apenas à condição geoespacial, mas à média de idade de seus habitantes. Nesse sentido, segundo dados do IBGE (2018), o país viveu, ao longo de sua história, diferentes contextos no que tange ao crescimento populacional sendo o intervalo relacionado entre as décadas de 50 e 60 considerado como o apogeu do indicador relacionado ao índice de natalidade.

Até o início da década de 1930, conforme Mendonça (2019), o crescimento da população brasileira teve forte influência do processo imigratório. O crescimento era tão significativo que foi necessário a adoção da "Lei de Cotas" (1934) para controlar a entrada de imigrantes em nosso território

.

Entretanto, no período compreendido entre os anos de 1939 e

1945, a população brasileira aumentou em função de alguns avanços tais como a expansão da rede de esgoto, acesso à água encanada, campanhas de vacinação em massa, acesso a medicamentos básicos, todos considerados elementos redutores dos índices de mortalidade que tanto assustavam a população da época. A partir da década de 1960, com o impulso proveniente do processo de urbanização, começou a ocorrer redução na taxa de fecundidade e uma desaceleração demográfica. Somam-se a isso, ainda, a utilização da pílula anticoncepcional, a participação feminina no mercado de trabalho, o acesso a informações e as altas despesas dos pais na educação dos filhos no meio urbano.

Mesmo em face de tais informações, o Brasil pouco se preocupou com essa desaceleração no crescimento populacional, notadamente no que tange à população jovem. Se

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reportarmos ao início dos anos 70, quando a música que mais retratava o cenário da época era "Pra Frente Brasil", composta por Miguel Gustavo para a Copa do México, percebe-se que o nacionalismo vigente que impulsionava "noventa milhões em ação‖ serve hoje como parâmetro de análise populacional. A população dobrou de tal forma que agora somos cerca de 208,5 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE de 2018. O que muda, contudo, é que tal quantitativo não mais traduz uma população jovem, mas uma população que cresceu e envelheceu. Em muitos casos, esse aumento da população idosa e consequente aumento da expectativa de vida se atribuem, também, aos avanços farmacológicos, a exemplo da produção de diversas vacinas e da descoberta do antibiótico que pôs fim a muitas mortes por infecções.

Ainda segundo projeções do IBGE (2018), após análise dos dados relativos à população idosa no ano de 2017, a expectativa é de que a população idosa (acima de 60 anos) deve dobrar no Brasil até o ano de 2042. De acordo com o levantamento, o país tinha 28 milhões de idosos no ano de 2017, ou 13,5% do total da população. Em dez anos, chegará a 38,5 milhões (17,4% do total de habitantes) e em 2042, o cenário já aponta para uma população brasileira em torno de 232,5 milhões de habitantes, sendo 57 milhões de idosos (24,5%), conforme aponta o gráfico abaixo. (MELLIS, 2018)

Figura 1: Evolução da população de 80 anos ou mais de idade por sexo - Brasil

Gráfico 20 - Evolução da população de 80 anos ou mais de idade por sexo - Brasil: 1980 / 2050 1.579.741 351.347 534.564 925.949 1.196.231 1.570.922 1.082.139 848.556 661.009 384.646 239.621 2.258.072 3.531.657 5.175.373 2.425.788 3.654.153 5.888.830 8.573.332 9.000.000 7.000.000 5.000.000 3.000.000 1.000.000 1.000.000 3.000.000 5.000.000 7.000.000 9.000.000 1980 1990 2000 2005 2010 2020 2030 2040 2050 População Homens Mulheres Fonte: IBGE, 2004

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Ainda segundo Mellis (2018),

[...] em 2031, o número de idosos (43,2 milhões) vai superar pela primeira vez o número de crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos (42,3 milhões) e antes de 2050, os idosos já serão um grupo maior do que a parcela da população com idade entre 40 e 59 anos. Atualmente, a população entre 20 e 49 anos é de 96,4 milhões (46,2%). Em 20 anos, cairá para 93,1 milhões (40,3%), chegando a 80 milhões em 2060, ou 35,4% do total. Enquanto o número de idosos aumentará, o de crianças de 0 a 9 anos deve cair nas próximas décadas. Hoje, essa faixa etária representa 14% da população (29,3 milhões). Em 2038, crianças até 9 anos serão 11,1% do total de brasileiros, ou 25,8 milhões

.

Diante de todo esse levantamento estatístico e de estudos que já alertavam para essa inversão na pirâmide etária, o Brasil se vê diante de cidadãos idosos com poucas políticas públicas voltadas a eles. Durante muito tempo, investiu-se muito em ações voltadas à criança e ao jovem, mas pouco se pensou nas necessidades do público idoso que já crescia. Espaços de saúde, educação e lazer não vislumbravam essa parcela da população. Hoje, profissionais de geriatria e gerontologia não conseguem suprir as demandas existentes o que comprova a ineficiência ainda de serviços essenciais aos idosos.

Há que se considerar também que esse despreparo repercute sensivelmente na visão que a sociedade tem acerca do idoso e se traduz nos diferentes discursos reverberados nos espaços sociais. Isso se mostra evidente quando comparamos a nossa realidade a outras culturas. A maneira como o idoso se percebe nos países orientais é diferente de como esse mesmo idoso é percebido nos países ocidentais, a exemplo do Brasil. O Japão é um modelo característico quando se fala em respeito à pessoa idosa de tal maneira que, quando um cidadão conclui sua jornada laborativa e se aposenta, é recebido como um herói e reverenciado pelos inúmeros ensinamentos. Segundo a Agência Brasil (2019), o país já é detentor de cerca de 30% de idosos e, desde cedo, as crianças são orientadas a respeitar às pessoas de mais idade e o mercado é incentivado a desenvolver produtos e tecnologias que melhorem a qualidade de vida daqueles. Em contrapartida, grande parte dos países ocidentais retrata o idoso como um ―objeto‖ de descarte e um peso ao serviço público uma vez que não mais produz, economicamente falando, e necessita de cuidados mais urgentes decorrentes de uma saúde fragilizada em grande parte dos casos. Fazendo-se uma analogia ao aspecto mercantilista, o ser humano seria alguém com um prazo de validade predeterminado.

Diante de todo esse contexto que envolve o processo de envelhecimento nos dias atuais apreendi que esse fenômeno tão ―democrático‖ inclui também artistas famosos que sempre adentraram às nossas casas quer através da música, das artes cênicas ou do jornalismo. Percebi que muitos desses atores / atrizes com históricos de galãs, protagonistas, mocinhos

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(as) e com padrão de beleza invejável já não ocupavam os mesmos espaços e os mesmos papéis de outrora. Passaram da condição de filhos (as) para pais/mães, avôs e avós além de desempenharem papéis mais curtos, às vezes considerados secundários como de dona de casa, secretária, dentre outros. São pessoas que, mesmo com o incremento da cosmetologia, não conseguem impedir as ações do tempo sobre si, mas investem maciçamente no cuidado de si. Além disso, é comum ouvir, nos mais diferentes espaços, expressões que produzem sentidos de espanto quanto à presença de rugas e traços de expressão em artistas famosos levando-nos à reflexão de que a essa população é negado o direito de envelhecer, contrariando, assim, os preceitos da longevidade. É como se a constituição do sujeito não perpassasse, dentre tantos outros elementos, pelo aspecto biológico e fisiológico, devendo aqueles congelar uma imagem do passado. Essa interferência do tempo me fez questionar como o ser humano, na condição de artista, se constrói como um sujeito agora idoso? Qual o seu atual lugar de fala? Como ele se reconhece no mesmo espaço profissional após um decurso de tempo?

Muitas são as indagações e poucas as respostas encontradas nas leituras realizadas. Por esse motivo e diante das inquietações, a pesquisa em questão apresenta como objetivo geral analisar como se constituem as subjetividades de artistas idosos e idosas com visibilidade midiática a partir de discursividades presentes em sites e revistas eletrônicas e que produção de sentidos aponta as tecnologias do eu utilizadas por tais celebridades na construção de subjetividades.

Imbuída dessas reflexões que tanto divergem do cenário vivenciado nas ILPIs e ambientes escolares frequentados pelo idoso os quais acompanho foi que se delineou o objeto

de pesquisa: Constituição de subjetividades plásticas de artistas idosos a partir de práticas

discursivas presentes em ambientes midiáticos, cujas questões estão assim delineadas:

1- Como as discursividades que perpassam os dizeres dos artistas idosos produzem sentidos que constroem o corpo como reflexo do cuidado de si para consequente manutenção nos espaços de visibilidade?

2- Em que medida as matérias veiculadas nas mídias constroem subjetividades profissionais de ―celebridades‖ idosas, a partir das materialidades linguísticas utilizadas por seus autores?

3- De que modo as celebridades se munem de técnicas de si em seus enunciados, buscando construir tipos de subjetividades que enalteçam o profissionalismo e minimizem as

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questões estéticas e que não as inscrevam como indivíduos decrépitos e fadados ao ostracismo social ou à condição de ―refugo humano‖?

Esses questionamentos levaram a definição dos seguintes objetivos específicos: 1- Analisar como artistas idosos (as) relatam, em seus posicionamentos discursivos veiculados pela mídia, a utilização de técnicas de si voltadas à estética corporal visando à manutenção de padrões de beleza ao constituírem suas subjetividades;

2- Problematizar enunciados em matérias veiculadas nas mídias cujos autores constroem subjetividades de cunhoprofissional de ―celebridades‖ idosas e idosos;

3- Interpretar sentidos em falas dessas/desses celebridades que apontam técnicas de si na construção de subjetividades que não as inscrevam como indivíduos decrépitos e fadados ao ostracismo social ou à condição de ―refugo humano‖.

Utilizando dos estudos de Foucault acerca das subjetividades, busquei fazer uma analogia com o princípio da plasticidade neural ou plasticidade neuronal na qual o cérebro desenvolve habilidades capazes de reorganizar os neurônios e os circuitos neurais permitindo a sua adaptabilidade às mudanças (FERRARI, et al., 2001,p. 188). Em outras palavras, a capacidade que os neurônios têm de percorrer determinados caminhos levando o impulso nervoso permite que haja alteração do percurso conforme a necessidade, gerando assim, estímulos elétricos e sinapses em outras áreas. Esse processo é de extrema importância no mecanismo de reabilitação de pessoas com algum tipo de lesão física ou cerebral. Nesse aspecto, os idosos representam um grupo significativo a necessitar de tal plasticidade em função de algumas sequelas de AVC – Acidente Vascular Cerebral que podem contribuir para sua incapacidade.

Conforme Paraíso (2006, p. 101):

A subjetividade, na perspectiva foucaultiana, é completamente produzida, moldada e ―fabricada‖ em diferentes práticas discursivas, em relações heterogêneas de poder-saber (cf. Foucault, 1993). Nessas relações, os indivíduos são subjetivados de diferentes modos e passam a constituir a si mesmos como sujeitos. Os modos de subjetivação, por sua vez, são todos os processos e as práticas heterogêneas por meio dos quais os seres humanos vêm a se relacionar consigo mesmos e com os outros como sujeitos de um certo tipo (cf. Foucault, 1995b). A palavra ―sujeito‖, em Foucault (1995b), possui, então, dois significados: ―Sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito‖.

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Dessa forma, compreendendo a subjetividade como algo que se molda e se ramifica em diferentes práticas discursivas com vistas à constituição do indivíduo assim como a plasticidade neural que busca suas interligações na constituição de um novo ser, o termo subjetividades plásticas será aqui utilizado para melhor compreensão dessas interligações discursivas.

Reconheço que o trilhar de tais caminhos pode não se apresentar de forma tranquila uma vez que a história não se configura em algo contínuo e linear, mas certamente permitirá que nos coloquemos diante de alguns jogos de verdade em meio às relações de poder do cenário midiático.

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3. QUEM É O IDOSO DE HOJE?

Não reconhecemos a velhice em nós, nem sequer paramos para observá-la, somente a vemos nos outros, mesmo que estes possuam a mesma idade que nós

(Beauvoir)

Os estudos relativos ao processo de envelhecimento têm demonstrado as diversas denominações recebidas por aqueles acima dos 60 anos. Dessa forma, convivemos com enunciados como velho, idoso, ancião, terceira idade, melhor idade, novo idoso, dentre outros. Em geral, essas diferentes denominações giravam em torno das concepções de saúde e qualidade de vida voltadas para tal parcela da população ou simplesmente por uma questão cronológica.

Baseado nesse pressuposto, encontramos divergências também em normas e legislações.

Tomando-se como referência o texto constitucional (BRASIL, 1988) pessoa idosa é aquela considerada a partir de 65 anos de idade. Entretanto a Lei 10.741/2003 que instituiu o Estatuto do Idoso considera como pessoa idosa, aquela a partir de 60 anos, ou seja, cronologicamente falando, os dois ordenamentos estipulam idades diferentes para a mesma condição de ser idoso.

O Estatuto do Idoso é, ―no ordenamento jurídico brasileiro, a norma que realiza de modo mais amplo a discriminação afirmativa, ou ação afirmativa, com o intuito de superar as desigualdades existentes entre os idosos, como grupo vulnerável, e o conjunto da sociedade‖ (BRASIL, 2004). Abre-se, portanto, um novo discurso voltado agora para o princípio de equidade de condições para os idosos, estabelecendo estratégias de garantias de direitos. É a partir desse instrumento que ficam asseguradas as gratuidades em transportes municipais, por exemplo. Isso referenda o pensamento de Foucault (2012, p.07) quando ressalta que ―o discurso está na ordem das leis, que há muito tempo se cuida de sua aparição‖.

Diante de tantas nomenclaturas ou denominações, é preciso que entendamos o que cada uma representa. Dessa forma, dependendo da vertente defendida teremos um conceito envolto em sentido jurídico, científico, médico, religioso, dentre outros. E é a partir do conhecimento acerca da genealogia dessas representações discursivas que se compreende melhor quando alguns termos aparecem deslocados de sua história e são transformados em discursos universais. Conforme enfatiza Foucault (1999, p.15):

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A genealogia seria, pois, relativamente ao projeto de uma inserção dos saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e torná-los livres, isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, formal e científico. A reativação dos saberes locais – ―menores‖, talvez dissesse Deleuze – contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos de poder intrínsecos, esse é o projeto dessas genealogias em desordem e picadinhas. (p. 15)

Tomando-se como parâmetro essa oposição a um discurso teórico unitário mencionado por Foucault (1999), observa-se que as questões relativas ao idoso vêm alcançando maior visibilidade pelo aumento significativo dessa população no mundo inteiro. Todavia a longevidade crescente aponta para a heterogeneidade desse público ratificando a necessidade de desconstrução de que um discurso científico único atenderia às suas perspectivas. Isso fica evidente quando o tema é analisado sob o cunho social no qual se reconhecem os diversos problemas sociais caracterizados, dentre outras coisas, pela necessidade de políticas públicas que melhor atendam a população que ora está visível nas ruas da cidade ou que tenta ser vista nos mais diversos espaços. Ou seja, aquela parcela que representava uma minoria sem muita expressividade e que se ocupava apenas em se manter em seu ambiente domiciliar, hoje circula livremente em todos os espaços que puder chegar. Isso implica, contudo, em uma visibilidade governamental que pode ser entendida como positiva ou negativa a depender das ações que para esse público são ofertadas. Deve-se, portanto, dar conta de um país que envelhece. Surge com isso um novo mecanismo de poder que toma a vida como alvo de gestão, segundo Foucault (1988, p. 100), ―não pelo direito, mas pela técnica, não pela lei, mas pela normalização, não pelo castigo, mas pelo controle‖.

Nesse universo discursivo de diferentes conceitos e enunciados, começamos pelo termo envelhecimento aqui entendido por Manzaro (2014) como ―um processo natural da vida que traz consigo algumas alterações sofridas pelo organismo, consideradas normais para esta fase. Envelhecemos desde o momento em que nascemos‖. Logo, como cita o autor Messy (1999, p.18), ―se envelhece conforme se vive‖, ou seja, o processo de envelhecimento é contínuo e atinge a todos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde através do Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde (2015, p.12), um dos parâmetros apontados como norteador do envelhecimento, é o parâmetro biológico. Sobre isso, destaca que:

as mudanças que constituem e influenciam o envelhecimento são complexas. No nível biológico, o envelhecimento é associado ao acúmulo de uma grande variedade de danos moleculares e celulares. Com o tempo, esse dano leva a uma perda gradual nas reservas fisiológicas, um aumento do risco de contrair diversas doenças e um declínio geral na capacidade intrínseca do indivíduo. Em última instância, resulta no falecimento.

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Porém, essas mudanças não se constituem apenas em alterações biológicas; elas produzem mudanças nos papéis e posições sociais abrindo espaço para diferentes subjetividades ou formas de subjetivação, a depender do cenário em que essa pessoa esteja inserida. O documento destaca, ainda, que os objetivos, as prioridades motivacionais e as preferências também parecem mudar ou por uma forma de se adaptar às perdas ou por um desenvolvimento psicológico contínuo capaz de oportunizar ao idoso, novos papéis traduzindo-se numa capacidade de resistência e de crescimento psicossocial.

Essa influência de fatores que vão além de elementos biológicos é referenciada por Schneider & Irigaray (2008, p. 592) quando acrescenta outros aspectos a esse processo:

O envelhecimento é um processo complexo e multifatorial. A variabilidade de cada pessoa (genética e ambiental) acaba impedindo o estabelecimento de parâmetros. Por isso, o uso somente do tempo (idade cronológica) como medida esconde um amplo conjunto de variáveis. A idade em si não determina o envelhecimento, ela é apenas um dos elementos presentes no processo de desenvolvimento, servindo como uma referência da passagem do tempo.

Dessa forma, o processo de envelhecimento sofre interferências diretas, também, do estilo de vida e das intempéries ambientais. Não se pode referenciar, portanto, as condições biológicas como elementos únicos e determinantes. Mesmo que tenhamos a mesma idade cronológica, muitos fatores podem incidir no processo, influenciando no envelhecimento mais tranquilo para uns e mais difícil para outros.

Todavia Beauvoir (1990, p. 19) chama a atenção para um outro elemento que pode categorizar o envelhecimento como algo bem sucedido – a independência funcional. Segundo a autora, ―não se falará de envelhecimento enquanto as deficiências permanecerem esporádicas e forem facilmente contornadas. Quando adquirem importância e se tornam irremediáveis, então o corpo fica frágil e mais ou menos impotente: pode-se dizer, sem equívoco que ele declina.‖ (BEAUVOIR, 1990, p. 19)

Com isso, percebe-se que a falta de independência funcional e de autonomia do indivíduo contribuem diretamente para a aceleração do processo de envelhecimento. Muitos não se consideram inseridos na fase idosa, embora as concepções baseadas na cronologia se contraponham a isso, por não apresentarem limitações que os impeçam de desempenhar as atividades rotineiras. É o caso daqueles que optam por enfrentar uma fila de supermercado, mesmo podendo utilizar a fila preferencial. Quando as limitações já não podem ser contornadas, tende-se a assumir a condição de pessoa idosa abrindo espaço para novos modos de subjetivação.

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No que concerne ao termo idoso, este é entendido como o sujeito do envelhecimento, aquele indivíduo acima de 60 anos de idade. Conforme citado anteriormente, este termo é adotado nos principais ordenamentos jurídicos, dentre eles, a Constituição Federal. Sua denominação visa, também, substituir a expressão ―velho‖ por entender que este último representa uma ideia depreciativa atribuída a um sujeito, aqui visto como decadente e limitado para grande parte de suas atividades habituais, podendo ser melhor atribuída a um objeto / coisa do que a uma pessoa.

Segundo Katz (1996, apud Silva, 2008, p.157), a história da velhice ―surge como produção discursiva a partir da inserção dos sujeitos na série moderna de disciplinamento, sendo, sobretudo resultado do investimento do discurso médico sobre o corpo envelhecido‖. Ao longo do século XX, essa etapa da vida passou a entrar em evidência em função dos avanços médicos e a institucionalização das aposentadorias. Em decorrência disso, surgem posteriormente os saberes médicos e a consequente geriatria como uma necessidade de estudar esse corpo envelhecido. É a partir dela que se acentuam as descobertas relativas às principais patologias que atingem esse corpo que já não se comporta com a mesma agilidade de outrora. A velhice se relaciona, portanto, com a história do curso moderno de vida.

Entretanto, mesmo diante de todas as mudanças relacionadas às expressões utilizadas para aqueles de maior idade, percebe-se que nem sempre estas são aplicadas da forma como são conceituadas. A depender da classe social a qual esteja inserido, por exemplo, o idoso pode ser identificado como sendo aquele detentor de um poder aquisitivo mais abastado mantendo-se a classificação de velho para aquele mais pobre e desprovido das condições básicas de autonomia e independência. Assim, em determinados espaços, aqueles que demonstram um padrão de jovialidade e seguem uma rotina de atividades que os mantêm longe da aposentadoria estão mais vinculados à denominação de idosos. Em contrapartida, aqueles com componentes estéticos mais desgastados ou que não mais estejam vinculados a relações de trabalho são facilmente categorizados como velho. Esse cenário pode ser encontrado, por exemplo, em supermercados e agências bancárias quando os requisitos estéticos e a boa apresentação visual se apresentam como divisor de águas entre quem pode e quem não pode fazer uso de uma fila preferencial.

Contextualizando a velhice na sociedade ocidental a partir dos parâmetros acima, Barbieri (2012, p. 118) ressalta que:

A depreciação da velhice na sociedade ocidental, localizada historicamente nas mudanças sociais e econômicas ocorridas a partir do século XVIII, decorreram principalmente dos novos modos de produção, que interferiram significativamente nos espaços sociais. A inserção e a valorização do indivíduo na sociedade passaram

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a se dar pela força de trabalho, e o velho, ao não trabalhar, passa a ser desvalorizado, por ser considerado cidadão improdutivo, sendo a aposentadoria a marca dessa passagem. Vale lembrar que o termo aposentar quer dizer: retirar-se para os aposentos, evidenciando a ideia de ociosidade. Quase sinônimos, velhice e aposentadoria passaram a ser caracterizados pela inatividade e pela pobreza. Entretanto, com a ampliação do trabalho assalariado, começa a ocorrer uma dissociação entre aposentadoria, pobreza e velhice.

A força produtiva passou a influenciar, de forma veemente, na delimitação do que é estar inserido na condição de idoso. Enquanto se estiver no mercado de trabalho, as marcas da idade parecem não se tornar evidentes ou importantes. Contudo, ao adentrar no universo dos aposentados, o estigma da velhice parece surgir de forma repentina fazendo com que muitos discursos venham a ensejar a associação com a finitude. Apesar disso, esse cenário deverá sofrer mudanças em função das condições de aplicabilidade da reforma da previdência recentemente em vigor. Não se sabe ao certo como essas pessoas acima de 60 anos desenvolverão suas atividades nas mais diferentes áreas de trabalho, tampouco como o mercado de trabalho se comportará frente a essa nova realidade.

Essas indagações residem no fato de que a velhice está associada a elementos negativos, conforme relata Alves Júnior (2004, p. 60),

a velhice é apresentada como um período da vida ao qual se associam mais desvantagens do que vantagens, existindo grande controvérsia sobre qual seria o momento ideal para marcar o início dessa tal velhice. Para ele, o mais frequente é o uso da idade cronológica para se dizer quando alguém é velho, ou então se recorre a determinados comportamentos ou a um modo específico de envelhecer. A falta de consenso é presente, seja no uso de critérios cronológicos, seja na importância que se dá aos sinais externos, apresentados por meio das mudanças corpóreas ou orgânicas, que acabam refletindo na variedade de conselhos que são dados em cada época para se enfrentar a velhice.

Essa falta de consenso tem alcance nos documentos legais citados anteriormente acerca do marco inicial da fase idosa. Se verificarmos o sentido da palavra aposentadoria, veremos que esta se refere a uma fase em que o então trabalhador deverá recolher-se a seus aposentos, ou seja, sair de cena por não ser mais pertencente àquele grupo produtivo. Por outro lado, tal conceito não contempla as diferentes condições em que essas pessoas se apresentam, o estilo de vida de cada uma, as variáveis que interferiram na formação do sujeito de hoje. Os critérios de velhice ou de determinação de quando alguém é considerado idoso, na prática ultrapassam a barreira da cronologia.

Todas essas denominações ou conceitos que circundam o tema velhice têm se mostrado, a nosso ver, mais perceptíveis no cenário atual, independente da conotação utilizada. Isso contribui para o processo de subjetivação da pessoa idosa que pode se encontrar representada em um ou outro discurso, grupo ou conceito.

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3.1 O TEMPO PARA O IDOSO

Que sejas ainda mais vivo No som do meu estribilho Tempo tempo tempo tempo Ouve bem o que eu te digo

Tempo tempo tempo tempo.

(Caetano Veloso) A expressão ―tempo‖ traz conotações diversificadas a depender de quem a utiliza. John Wheeler, um dos maiores físicos do século 20 descreveu o tempo como sendo ―o jeito que a natureza deu para não deixar que tudo acontecesse de uma vez só‖. Segundo ele, ―o tempo veste um traje diferente para cada papel que desempenha em nosso pensamento.‖

No processo de envelhecimento, o fator tempo parece exercer uma influência ainda maior sobre aqueles acima de 60 anos. Isso porque, considerando a condição de que o envelhecimento acontece a cada dia a partir do nascimento, tal fator não deveria representar tamanha interferência uma vez que atinge a todos sem distinção. Todavia essa condição cronológica pode representar proximidade com a finitude da vida, exclusão, isolamento e inutilidade após os 60 anos.

Apesar de fazer parte da nossa vida, de contabilizar todas as nossas ações a partir do tempo, este ―não é uma concepção homogênea e imutável. Na história da humanidade se pode afirmar que existiram diversos modos de construir uma relação com o movimento e o imóvel, com o eterno e o fugaz: distintas imagens do tempo.‖ (COSTA; FONSECA, 2007, p. 113). Essa diversidade está atrelada ao que Bauman (2001) denominou de liquidez, considerando o dinamismo existente na transição entre a modernidade e o que ele chamou de pós-modernidade. A fase de derretimento do sólido e consequente formação de elementos líquidos acabam por contribuir para o caráter modificável do comportamento adotado em sociedade e, por conseguinte, dos modos de subjetivação. Se na modernidade atual nada é feito para durar, nada se solidifica, as pessoas tentam se adaptar constantemente a tais mudanças . Daí a busca incessante pelo corpo perfeito, pelo acesso a tecnologias de ponta. Os relacionamentos, os grupos, os valores, assim como os objetos, passam a ser efêmeros. Nesse contexto, o tempo antes destinado para a autorreflexão, para o lazer (ou tempo livre), para as interações sociais hoje é considerado como tédio ou solidão.

O tempo moderno implica em escolhas tecnológicas e estímulos externos; os relacionamentos são muito mais virtuais do que presenciais. A máquina do tempo parece

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correr numa velocidade que não nos favorece e isso contribui para o aumento do consumo sem precedentes. Nesse sentido, Bauman (2009) chama a atenção, em uma de suas entrevistas, para esse novo comportamento, assim relatando:

Na sociedade contemporânea, somos treinados desde a infância a viver com pressa. O mundo, como somos induzidos a acreditar, tornou-se um contêiner sem fundo de coisas a serem consumidas e aproveitadas.

A arte de viver consiste em esticar o tempo além do limite para encaixar a maior quantidade possível de sensações excitantes no nosso dia-a-dia. Essas sensações vêm e vão. E desaparecem tão rapidamente quanto emergem, seguidas sempre de novas sensações a se perseguir. ―A pressa - e o vazio - é fruto disso, das oportunidades que não podemos perder (BAUMAN, 2009).

A chamada modernidade líquida nos faz adotar comportamentos, padrões e características que não existiam em gerações anteriores. Mesmo com o advento da revolução industrial que protagonizou muitos dos cenários apresentados hoje, a liquidez se apresenta com muito mais força na atualidade. Gerações que se formavam a cada 30 anos vêm sendo renovadas a cada década, ou até em menor espaço de tempo. Esse excesso de novas informações e consequente acesso com tamanha facilidade permitem, inclusive, o desenvolvimento de novas patologias, a exemplo da Síndrome do Pensamento Acelerado, frequentemente relatado pelas ciências médicas e descrita pelo Psiquiatra Augusto Cury. O cérebro humano já não consegue processar as informações com a rapidez com as quais elas chegam e acaba por se manter em constante atividade, ocupando os espaços destinados ao sono. É como se o dia não mais tivesse 24 horas.

Nessa perspectiva, Bauman (2009) reflete que ―o tempo jorra em todos os lugares. Nós envelhecemos no Tibete ou em Nova York. Mas a experiência da passagem do tempo é organizada de maneira diferente, dependendo da sociedade em que estamos inseridos.‖ Em algumas sociedades, o consumo dita as regras e as nossas necessidades são determinadas pelo que o mercado tem a oferecer e isso passa fortemente pela interferência tecnológica. Produtos, equipamentos e serviços surgem e se tornam facilmente obsoletos impulsionando-nos a constantes aquisições, mesmo que não precisemos ou não saibamos a sua real utilidade. As relações também adquirem forma líquida, ou seja, se adaptam ao momento ou às regras estipuladas na atualidade. Da mesma forma que nos conectamos e desconectamos de um equipamento, assim o fazemos com as relações e as pessoas: substituímos com a mesma rapidez com que se substitui um eletroeletrônico. Nada é mais duradouro. Em tempos líquidos, nada é para durar, como afirma Bauman (2007, p. 13). Deixamos de nos satisfazer com as pessoas da mesma forma que perdemos o interesse por objetos ou equipamentos.

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As pessoas se subjetivam em face dos constantes discursos de que devem acompanhar o que o tempo traduz como novo, deixando o mundo ainda mais líquido conforme expressão utilizada pelo filósofo polonês. Essa liquidez atinge, de forma mais imperativa, as pessoas idosas. Se as relações, os vínculos estão cada vez mais frágeis e efêmeros, o que dizer da atenção dispensada àqueles acima de 60 anos?

A liquidez da pós-modernidade parece atingi-los com um efeito ainda mais devastador, obrigando-os a constantes processos de subjetivação como garantia de pertencimento a um grupo ou sociedade. Daí nos depararmos com artistas maiores de 60 anos, por exemplo, preocupados com o processo de rejuvenescimento e utilizando discursos que enaltecem sua aparência e forma física na tentativa de se moldar ao novo formato que essa liquidez moderna impõe. Corpos são ―refeitos‖ em clínicas de cirurgias plásticas para que a ação do tempo tenha seu curso alterado. As pessoas se moldam, reconfiguram-se e se subjetivam em busca de algo que nem sempre sabem o que é. O corpo, mais uma vez, tenta usar o tempo em seu favor.

3.2 ESSE CORPO QUE É MEU

Quanto menos eu me reconheço em meu corpo, mais me sinto obrigada a me ocupar com ele. (Beavoir)

O corpo sempre foi foco de interesse, atenção e pesquisa e não se limita apenas às concepções orgânicas, mas se configuram com um espaço onde se operam diferentes dispositivos. Hoje, de forma mais incisiva, percebe-se a veiculação pelos diferentes espaços midiáticos de que a longevidade é algo que está ao alcance de todos e em igualdade de condições. Isso contribui para a falsa ideia de que os efeitos do envelhecimento acontecem nas mesmas proporções para toda a população levando-nos a crer que o que se contrapõe a isso é consequência de uma recusa pessoal.

O exemplo de Jane Fonda, apresentado por Bauman (2001, p. 79), referencia bem essa relação de valoração que o corpo exerce na modernidade:

―Gosto muito de pensar que meu corpo é produto de mim mesma, é meu sangue e entranhas. É minha responsabilidade.‖ A mensagem de Fonda para toda mulher é que trate seu corpo como sua propriedade (meu sangue, minhas entranhas), seu próprio produto e, acima de tudo, sua própria responsabilidade [...] O lado inverso da mensagem também não é ambíguo, ainda que não soletrado com a mesma clareza: você deve a seu corpo cuidado, e se negligenciar esse dever, você deve sentir-se culpada e envergonhada. Imperfeições de seu corpo são sua culpa e

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vergonha. Mas a redenção do pecado está ao alcance das mãos da pecadora, e só de suas mãos.

As materialidades linguísticas trazidas por Jane Fonda apontam efeitos de sentido que ensejam que você é totalmente responsável pelo corpo que tem e que seu sucesso ou fracasso está atrelado ao comportamento adotado ao longo da vida.

Como mencionado anteriormente, muitos são os fatores que interferem na sua longevidade e nos resultados obtidos, de sucessos ou de insucessos. Nesses fatores, o corpo também está envolvido. Todavia a mídia e as estratégias de marketing tendem a delegar a você, a opção pelo corpo bem cuidado e belo. As técnicas de emagrecimento, os exercícios, as dietas e os produtos de beleza estão disponíveis, cabendo-lhe a aplicabilidade. Conforme Bauman (2001, p. 79), seguir os ensinamentos de Jane Fonda é um caminho a ser traçado por qualquer indivíduo:

―Sou famosa e amada; sou objeto de desejo e admiração. Qualquer que seja a razão, existe porque eu a fiz existir. Olhem meu corpo: é esguio, flexível, tem boa forma – perenemente jovem. Você certamente gostaria de ter - de ser um corpo como o meu. Meu corpo é meu trabalho; se você se exercitar como eu, você poderá tê-lo. Se você sonha em ―ser como Jane Fonda‖, lembre-se de que fui eu, Jane Fonda que fiz de mim a Jane Fonda desses sonhos.

Esse efeito de sentido de que o nosso corpo é produto de nossa inteira responsabilidade é destacado por Foucault quando enfatiza:

Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: ―Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!‖ A cada movimento de um dos dois adversários corresponde o movimento do outro (FOUCAULT, 2002, p. 147).

Isso mostra o quanto somos impulsionados a reconhecer que nosso corpo é produto de nossas escolhas e que somos ―estimulados‖ a dedicar um significativo espaço de tempo para a manutenção do corpo dito ideal, uma vez que este, assim como o de Jane Fonda, ―pode ser submetido, pode ser utilizado, pode ser transformado e aperfeiçoado‖ (FOUCAULT, 2004a, p. 118)

Ainda de acordo com Michel Foucault (2002, p. 146):

O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde, contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor.

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As colocações de Foucault acima apontam para as relações de poder que são exercidas sobre o corpo. A construção do indivíduo é dada pelos efeitos do poder e este se encontra presente na população às vezes de forma bastante sutil. Os procedimentos de rejuvenescimento, a aplicação de vacinas, a produção de células-tronco a partir da conservação de cordões umbilicais são exemplos desse poder. É a ação do biopoder que ultrapassa a esfera individual atingindo, também, o coletivo.

Paralelo a isso, o corpo passa a representar atitude, interferindo nas formas de viver. É o que aponta o filósofo quando destaca que o corpo:

também tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver: desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constitui assim uma prática social, dando lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber (FOUCAULT, 2002, p. 50).

Dessa forma, as atitudes tomadas pelas celebridades frente aos seus corpos constituem-se, também, em novas possibilidades, novas práticas, novas referências de cuidados para quem os (as) acompanha. Utilizando-se desses corpos famosos, a mídia identifica um nicho de investimento exibindo exemplos de beleza e sucesso como estratégias de marketing e vendendo a possibilidade de uma beleza eterna e cheia de glamour. Assim, essa corporeidade enquanto fator pujante na vida de qualquer indivíduo passa a ser conduzida pela mídia como um modo único de vida, ou seja, estimulada pelo modelo apresentado por diferentes celebridades. Esse controle sobre os corpos, contudo, surge com uma nova roupagem assegurada pelos aparatos tecnológicos que interferem nas formas e contornos corporais, permitindo a construção de uma imagem o mais próximo possível do imaginário popular. Com isso, novas silhuetas são criadas, marcas de expressão são excluídas, a tonalidade da pele assume um brilho especial e as alterações típicas do processo de envelhecimento parecem burlar as teorias biológicas, contrapondo-se às diferentes ações do tempo sobre o corpo. São ações do biopoder utilizando-se de novas estratégias de controle.

Ademais, inúmeras são as formas de controle sobre os diferentes corpos. A institucionalização da vacina no início do século XIX, por exemplo, é um marco representativo desse controle e, desde então, tem ocupado lugar de destaque como elemento importante nas políticas públicas de saúde mediante constante vigilância sobre os corpos. Acerca desse exercício de poder, Foucault (2010) destaca:

A disciplina é uma técnica de poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o que fizeram é conforme a regra. É preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade de submetê-los a uma perpétua pirâmide de olhares. É assim que no exército aparecem sistemas de graus que vão, sem interrupção, do general chefe até o ínfimo soldado, como também os

Referências

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