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Capítulo I Economia social

1.4. Estado-Providência vs Estado Social: conceitos antagónicos ou complementares?

1.4.2. Estado Social no pós-guerra

Na sequência do Relatório de Beveridge, desenvolve-se, em 1948, o National Health Service (NHS) - Serviço Nacional de Saúde (SNS) britânico. Esta Lei tornou-se importantíssima para o estabelecimento de um modelo para os sistemas de saúde com base na responsabilidade do Estado pela prestação de serviços gerais de saúde e a afirmação do princípio do acesso igual para todos os cidadãos (Quelhas, 2001; Simões, 2004).

Segundo Mishra (1995), numa fase temporal posterior, surgiu o Estado-Providência de Keynes- Beveridge na Inglaterra do pós-guerra. A “equação keynesiana” constituiu um outro fator da configuração do Estado-Providência, no que respeita à regulação das relações económicas e que teve a sua origem na necessidade de dinamizar a criação de empregos na época de forte depressão dos anos 30. Esta perspetiva considerava que as intervenções estatais na economia seriam de crucial importância de forma a estimular o crescimento e baixar o desemprego através

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do aumento dos gastos públicos e/ou redução da carga fiscal (Campos & Simões, 2011; Mozzicafreddo, 2000).

Neste patamar, a função do Estado deverá ser o de estimular essas duas funções, com o objetivo de aumentar a procura global e efetiva, através da política de despesa pública e da política orçamental, nomeadamente, fiscal, monetária, creditícia e da política de desenvolvimento de obras públicas. Isto implica que o crescimento económico, a expansão das políticas sociais e as políticas de regulação económica não são apenas dimensões que se relacionam, mas sim, e principalmente, dimensões que se condicionam reciprocamente (Mozzicafreddo, 2000).

No nosso país, o desenvolvimento de políticas sociais foi mediado pela instalação de um regime em 1926, que viria a dar origem ao chamado Estado Novo (1933-1974).

O Estado Novo perdurou ao longo de sensivelmente 40 anos e revelou-se como um período marcado por uma ideologia política ditatorial e austera em relação à primeira República implementada em 1910. Como elemento chave, foi referendada em 1933 a Constituição que seria crucial para a implementação de políticas sociais, que até à data eram pouco expressivas.

Recuando alguns anos, em 1929, é criada a Caixa Geral de Aposentações (CGA), sendo assim o primeiro grande sistema de pensões do nosso país, embora apenas orientado para os funcionários públicos. Os restantes trabalhadores do setor privado, não estavam incluídos. Apenas alguns anos mais tarde, através da Lei n.º 1884, de 16 de março de 1935, e em obediência aos princípios corporativos estabelecidos na Constituição de 1933 (Fernandes, 1996) e no estatuto do trabalho nacional, esta lei determinava as bases da então denominada previdência social (evoluindo muito mais tarde para Estado Social) que, tendencialmente, deveria abranger os trabalhadores por conta de outrem, da indústria, do comércio e serviços tendo sido implementado um esquema de seguros sociais obrigatórios, de forma a cobrir eventualidades relacionadas com a velhice, invalidez e doença. Os trabalhadores do setor agrícola e do setor das pescas viriam a ser enquadrados em sistemas de proteção social específica geridos pelas casas do povo e casas dos pescadores. Estes seguros assentavam em caixas e instituições de previdência e financiado por um modelo de capitalização (Guibentif, 1985; F. Maia, 1985).

Como refere Rodrigues (2010) no Estado Novo ocorreu algo fulcral em matéria de políticas sociais, ou seja, foi marcada pela Constituição de 1933 e pela criação da Lei de Bases da Segurança Social em 1962. Subsequentemente foram criados vários subsistemas de proteção social (e.g.: ADSE). Estes mecanismos de proteção social consistiram nas principais medidas consagradas na Constituição de 1933 e que iria, entre 1935 e 1974, predominar no nosso país (F. Silva, 2013).

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A Constituição da República Portuguesa de 1976, marco fundamental do pós-Estado Novo, assenta na universalização dos direitos e aponta para um alargamento dos direitos sociais, culturais, políticos e cívicos, próprios de uma democracia mais avançada: direito ao trabalho, ao emprego, à assistência material no desemprego, ao salário mínimo, à Segurança Social, à proteção na saúde, à habitação, à educação e à cultura. Esta Constituição reconhece também a importância dos sindicatos e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) enquanto parceiros de ação social, assumindo delegações de competências para a prestação de serviços de proximidade (E. Rodrigues, 2000).

Contudo, antes da Constituição de 1976, foram decretadas medidas de cariz social pelos governos provisórios como a instituição do subsídio de Natal, a implementação do suplemento de grande invalidez, o alargamento do âmbito pessoal e a extensão das prestações de maternidade, o subsídio de morte e a pensão de sobrevivência do regime especial dos trabalhadores agrícolas. Concretamente, no período que antecede a Constituição de 1976, verificou-se uma enorme mudança no que respeita à previdência social. Tal facto traduz-se na formação das bases para a materialização de um efetivo sistema de Segurança Social que viria a ser concluído apenas na década de 80 (E. Rodrigues, 2000, 2010).

Segundo Baganha, Ribeiro & Pires (2002) a saúde em Portugal até ao 25 de Abril de 1974, era garantida por várias formas: as misericórdias geriam uma boa parte dos estabelecimentos hospitalares e outros serviços relacionados, um pouco por todo o país; os serviços médico-sociais forneciam cuidados médicos aos beneficiários da Federação de Caixa de Previdência; os serviços de saúde pública estavam direcionados, principalmente, para a proteção da saúde; os hospitais estatais, gerais e especializados, encontravam-se principalmente localizados nos grandes centros urbanos; os serviços privados eram dirigidos a camadas da população, cujas condições socioeconómicas eram mais elevadas.

Como destacado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde (2014), a reforma do sistema de saúde e da assistência, legislada em 1971 e conhecida como a “Reforma Gonçalves Ferreira”, incluiu a criação dos Centos de Saúde, tendo sido os alicerces para a implementação dos cuidados de saúde primários. Apesar de uma implementação limitada, foi criada a base que sustentaria o futuro Serviço Nacional de Saúde (SNS).

De forma a percecionar, mais pormenorizadamente, a evolução do sistema de saúde em Portugal, importa destacar que na década de 70 é reestruturado o Ministério da Saúde e Assistência, que confirmava o direito à saúde, bem como o investimento em centros de saúde, algo considerado

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como essencial. Assistiu-se, também, a uma remodelação dos organismos da previdência, no que respeita à sua disposição orgânica, às formas de coordenação e às circunstâncias de financiamento e de prestações (Baganha et al., 2002).

O sistema de proteção foi alargado aos trabalhadores rurais e aos trabalhadores domésticos. Esta nova gestão do sistema de prestações inseriu-se no período final do Estado Novo, também denominado como “primavera marcelista”, e contemplou ainda a criação de novos organismos regionais como as caixas de previdência e abonos de família, e centrais como a caixa nacional de pensões e a caixa central dos trabalhadores migrantes. Os destinatários foram definidos como os grupos mais desfavorecidos (Mendes, 1995; E. Rodrigues, 2010).

Pode-se inferir que a década de 70 permitiu uma diminuição das barreiras ao acesso de cuidados médicos, assim como do seu financiamento (prestado na íntegra pelo Estado).

A revolução democrática do 25 de Abril de 1974 e a Constituição de 1976 modificaram totalmente Portugal. Despontaram novas políticas sociais e a criação de um SNS foi percecionada como a resposta mais ajustada à urgência de uma cobertura, mais ampla e imparcial de serviços de saúde. A nova Constituição estabelecia que todos os cidadãos têm direito à proteção da saúde que seria possível concretizar através da criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito. Também faz referência ao desenvolvimento económico, social e cultural de forma a certificar e a fomentar a saúde.

A Lei do Serviço Nacional de Saúde, consagrada pela regulação jurídica em 1979, através do Decreto-Lei n.º 56/79, de 26 de agosto, declara que o acesso ao SNS deve ser garantido a todos os cidadãos independentemente da sua condição social ou económica, sendo que a revisão da Constituição em 1989 altera o conceito de gratuitidade do SNS para - “tendencialmente gratuito” - por forma a enquadrar a introdução de taxas moderadoras na saúde. A nova lei do Serviço Nacional de Saúde também significou que o financiamento da saúde começou a provir do Orçamento Geral do Estado substituindo o financiamento com base nos fundos sociais (Baganha et al., 2002; OPSS, 2014).

Rodrigues (2010) enfatiza que todas as medidas mencionadas permitiram uma maior abrangência da proteção social, isto é, a toda a população, assim como uma melhoria dos valores e das coberturas das prestações sociais, que tenderam para a institucionalização de políticas sociais e para o modelo do Estado Social, apesar de ainda evidenciar fortes lacunas. Concretamente, das medidas criadas, destacam-se as seguintes:

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I. Aumento das despesas com a proteção social por parte do Estado;

II. Aumento do montante das prestações sociais e respetivo alargamento a toda a sociedade civil;

III. Criação da pensão social, abrangendo os beneficiários do regime contributivo e do regime não-contributivo;

IV. Implementação de transferências monetárias complementares ao salário do trabalhador (e.g.: subsídio de férias);

V. Criação do Serviço Nacional de Saúde, com o objetivo de garantir a assistência médica a todos os trabalhadores e à população em geral. De notar que, sendo o Serviço Nacional de Saúde universal, tendencialmente gratuito e financiado pelo Estado, deixa algum espaço para a intervenção do setor privado;

VI. Maior preocupação com a necessidade de diminuir o desemprego;

VII. Realização de transferências do Orçamento de Estado para a Segurança Social, com o objetivo de cobrir os riscos sociais da população ativa face a riscos sociais como a doença, a maternidade, a invalidez, a velhice, as doenças profissionais, o desemprego, os encargos familiares e a morte;

VIII. Financiamento direto do Orçamento de Estado nacional do regime não-contributivo e da ação social pública.

Incidindo no último ponto referido por Rodrigues (2010), ou seja, a matéria relacionada com o financiamento direto do orçamento do Estado para o regime não-contributivo e da ação social pública, deve ser salientado que foi inevitável a aplicação de medidas necessárias a preencher o vazio, em termos de remessas de capital, provocado por aqueles, que, por algum motivo, não contribuíram para o sistema público de segurança social, e que auferem benefícios providenciados por esse mesmo sistema, os denominados free riders (conceito explanado anteriormente).

O problema dos free riders é agravado, tal como refere Andrade (2001) por vários fatores como o decréscimo dos salários reais e por uma involução abrupta, ao longo dos últimos trinta anos, das taxas de natalidade e mortalidade, que são cada vez menores (Fialho, 2006) sendo que existem cada vez menos trabalhadores ativos para sustentar as pensões dos reformados, sejam do regime contributivo ou não-contributivo. Como o sistema de segurança social se baseia num esquema de repartição contemporânea, ou seja, pay-as-you-go, sem um stock de poupanças suficiente para

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cobrir as obrigações futuras, a satisfação das responsabilidades do Estado para com as sucessivas gerações de trabalhadores está demasiado dependente desse esquema, sendo que só existem maiores remessas para o sistema público da segurança social se a massa salarial aumentar substancialmente, pois é sobre essa massa salarial que incidem as contribuições (Andrade, 2001). Concluindo, a base contributiva assente no sistema de repartição não é suficiente para satisfazer as necessidades sociais da população, ou melhor, não é suficiente para que o Estado possa assumir as suas responsabilidades no que concerne à concessão dos vários benefícios sociais. Por estes motivos, o fator de sustentabilidade da segurança social, ao longo dos últimos anos, sofreu algumas alterações a fim de contornar esse constrangimento.

A evolução do Estado Social português pautou por ser demasiado morosa e lacunar, no entanto, permitiu a emergência de uma nova era, com a publicação da Lei de Bases da Segurança Social em 1984.