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Evolução do Estado Social em Portugal: da Idade Média à II Guerra Mundial

Capítulo I Economia social

1.4. Estado-Providência vs Estado Social: conceitos antagónicos ou complementares?

1.4.1. Evolução do Estado Social em Portugal: da Idade Média à II Guerra Mundial

mesmo objetivo. De forma a manter a homogeneidade nos conceitos utilizados, será empregue o termo Estado Social. Tendo como finalidade de se perceber o conceito de Estado Social, não é de todo suficiente incidir de uma forma reducionista na sua caraterização, pois é fundamental verificar a sua genealogia e em que contexto foi possível o seu desenvolvimento.

De acordo com Mozzicafreddo (1992), a estrutura do Estado Social em Portugal, desenvolveu-se, após a implementação de um regime político democrático, através de três princípios:

I. Desenvolvimento de políticas sociais gerais e políticas compensatórias de proteção de determinados segmentos da população;

II. Implementação de políticas macroeconómicas e de regulação da esfera económica privada, intervindo nas disfuncionalidades das regras de mercado;

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III. Aplicação de formas de conciliação, ou seja, institucionalizando a concertação entre parceiros sociais e económicos em torno dos grandes objetivos, como o crescimento económico e a diminuição das desigualdades sociais.

O Estado Social é um conceito muito abrangente, incidindo em múltiplos setores, como Educação, Habitação, Saúde e Segurança Social, entre outras. Incidindo na Segurança Social, concretamente na ação social, é fundamental ressalvar que aqueles que manifestam mais carências sociais ou mais desfavorecidas sejam de alguma forma protegidos. Nem todos possuem as mesmas oportunidades, independentemente das razões que conduzam a esse infortúnio. Em função desse facto, o Estado tem a obrigação constitucional e moral de proteger estes cidadãos. É neste sentido que a presente secção será analisada, ou seja, tendo sempre subjacente o sistema público de Segurança Social, essencialmente, por dois motivos:

I. Considerando a conjuntura económico-financeira que o nosso país atravessa, constitui um dos setores mais importantes que formam o Estado Social;

II. A Segurança Social é de facto um dos pilares da presente Dissertação e como tal é crucial analisar a evolução do Estado Social à luz da mesma.

Após revisão da literatura sobre esta secção, foi possível perceber que os mais variados autores e/ou investigadores, destacam, essencialmente, os marcos históricos relacionados com a evolução do Estado Social em Portugal. Tal facto revela pertinência, mas não deixa de ser importante realçar a forma de atuação do Estado Social em Portugal em termos de legislação direcionada para o campo da proteção social. Desta forma é possível obter uma perceção de todo o empenho, cuidado e abrangência na implementação de medidas que conferem proteção ao cidadão, sejam no âmbito da intervenção ou da prevenção.

Ao longo dos séculos, foram realizados esforços por parte de monarcas e ordens religiosas, com o objetivo de corresponder ao dever moral de proteção das situações de necessidade nos planos individual e familiar. Um dos exemplos assenta nas Misericórdias que se multiplicaram por todo o país a partir da fundação da primeira Irmandade da Misericórdia, pela Rainha D. Leonor, em 1498, e tornaram-se o grande polo de assistência privada nos domínios da saúde e da ação social (Oliveira, 1998). Outro exemplo remete para a Casa Pia de Lisboa, tendo sido fundada em finais do Século XVIII, forneceu o primeiro sinal de instauração da assistência pública.

Apesar de alguns esforços, foi apenas em 1835 que se deu o primeiro passo para a formação de uma estrutura de assistência pública em Portugal, com a criação do Conselho Geral de

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Beneficência com o objetivo de ajudar a extinguir a mendicidade Rodrigues (2010) e Silva (2013). Contudo, nesta época, a principal preocupação dos Estados era a manutenção da ordem pública, o controlo do movimento das populações e a gestão do mercado laboral, mais do que o bem- estar dos seus cidadãos, em particular, dos mais pobres (F. Silva, 2013).

A revolução que surge com a emergência do Estado-Providência moderno ocorreu em 1883 na Alemanha de Bismarck, sendo criado nesta data o primeiro seguro de saúde, consistindo no facto de que as entidades patronais serem obrigadas a contribuir para um esquema de seguro-doença a favor dos trabalhadores mais pobres, sendo estendido numa fase posterior, a trabalhadores com rendimentos mais elevados. Este constituiu o primeiro exemplo de um modelo de segurança social obrigatório, imposto pelo Estado (Campos & Simões, 2011).

Esta estratégia implementada por Bismarck conduziu, numa fase posterior, à criação de um sistema de seguros obrigatórios que cobria os riscos de doença temporária, invalidez permanente, velhice e morte prematura. O objetivo seria o de prevenir riscos incertos através de um seguro pago por contribuição partilhada de patrões e trabalhadores. O trabalhador tinha como obrigação contribuir independentemente da sua condição enquanto cidadão, uma vez que os direitos adquirem-se através do trabalho e das contribuições contínuas, os quais permitem gerar, por sua vez, benefícios imediatos ou diferidos (Simões, 2004).

Esta Lei foi tão popular que outros países implementaram Leis semelhantes, como a Bélgica em 1894 e a Noruega em 1909 (World Health Organization, 2000). A Grã-Bretanha, adotou, em 1911, por decisão de um governo do Partido Liberal, um sistema de financiamento dos cuidados de saúde através das cotizações dos trabalhadores em favor de mútuas que se responsabilizavam pelo pagamento aos seus prestadores (Campos & Simões, 2011).

Simões (2004) advoga que as medidas implementadas por Bismarck se repercutiram com grande efeito, não só no resto da Europa, mas também, nos Estados Unidos, ou seja, por mais distante que estivesse, em termos de ideologia política, o Império Alemão de Bismark das políticas liberais- democráticas da Inglaterra e dos Estados-Unidos, o impacto do esquema de segurança social bismarckiano foi de facto elevado.

Em Portugal, este processo precipita-se com a queda da Monarquia e a instauração do regime republicano em 1910. A Constituição de 1911 prevê pela primeira vez o direito à igualdade social, estipulando-se a criação de um serviço de assistência pública, conduzindo à criação do Ministério do Trabalho e da Previdência Social em 1916. Após três anos, em 1919, foi criado o Instituto de Segurança Social. Foi nesta época que surgiram os seguros sociais obrigatórios na doença, nos

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acidentes de trabalho e nas pensões de invalidez, velhice e sobrevivência, os quais, apesar da sua reduzida expressão, marcam um momento histórico na formação do Estado-Providência em Portugal (F. Silva, 2013).

A Segunda Guerra Mundial originou a destruição de muitas estruturas de saúde existentes, permitindo repensar o papel do Estado e aproveitar os ensinamentos demonstrados pela organização dos cuidados de saúde em tempo de guerra, nomeadamente na Grã-Bretanha. As circunstâncias próprias de um contexto de guerra conduziram à emergência de um sentimento de solidariedade entre o povo britânico que defendia políticas igualitárias e aceitando a intervenção determinante do Estado (Simões, 2004).

O Relatório Beveridge, de 1942, definiu os serviços de saúde como uma das premissas indispensáveis para a formação de um sistema viável de segurança social na Grã-Bretanha (Amaral, 2010; Mozzicafreddo, 2000; Quelhas, 2001). O relatório denominado “Social Insurance

and Allied Services” baseia as suas propostas “…na existência de um Estado interventor que deve encontrar respostas para as diversas situações de risco social e é, desse ponto de vista, mais completo de que o de Bismarck porque pretende cobrir uma gama completa de riscos do berço à sepultura e integra um sistema universal porque abarca toda a população, unificado porque a quotização cobre o cidadão em relação a todos os aspectos do risco social e uniforme porque as prestações são independentes do rendimento auferido…” (Campos & Simões, 2011, pp. 40–41).