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Capítulo III Processo de gestão estratégica: empreendedorismo social, inovação social e criação

3.5. Valor social: abordagem conceptual e objetivos

De forma a obter uma perceção do que é o valor social, é necessário ir a montante e verificar aquilo que leva à criação de valor social. Assim, de acordo com Mort, Weerawardena & Carnegie (2003), o empreendedorismo social constitui o processo que permite de uma forma criativa gerar

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inovação social. Ao inovar socialmente, é possível solucionar problemas e satisfazer necessidades de cariz social, e então está-se a criar valor social.

Ao permitir a resolução de problemas e a satisfação das necessidades sociais, está a ser criado de forma sustentável valor social, não só para o indivíduo ou organização empreendedora, mas principalmente para quem se dirige todo este processo.

O valor social não está diretamente associados à obtenção de lucros, mas sim, envolve a realização das necessidades básicas e de longa data, como a fornecimento de comida, água, abrigo, educação, serviços médicos para os membros da sociedade, emprego, para aqueles que manifestam necessidades sociais gritantes.

Apesar da criação de valor social não estar diretamente relacionado com a geração de lucros, é fundamental que as NPO’s possuam modelos de negócio híbridos, ou seja, que possuam objetivos mercantis e não mercantis sem nunca perder de vista o seu objetivo social. Desta forma as NPO’s são capazes de se tornarem autossustentáveis e de competir no mercado (Gata, 2010).

Convergindo com o anteriormente referido, Grecco (2010) enfatiza o facto de que as NPO’s também necessitam de capital financeiro para se expandirem, permitindo, desta forma, a criação de valor social. Contrariamente às FPO’s, as NPO’s não têm um fácil acesso a esse capital financeiro.

Foi neste contexto que surgiu a Bolsa de Valores Sociais (BVS) em Portugal, semelhante ao que foi implementado no Brasil em 2003 e reconhecido como um estudo de caso pela Organização das Nações Unidas (ONU), tendo sido recomendada como um modelo a seguir pelos restantes países inseridos nesta organização.

A BVS, enquanto inovação social, consiste numa replicação do contexto e dos conceitos de uma Bolsa de Valores, em benefício das NPO’s, sendo selecionadas de forma criteriosa para serem cotadas em Bolsa. Os projetos são apresentados a potenciais investidores sociais no site da BVS e, ao adquirirem ações sociais através da mesma, passam a acompanhar a forma como os recursos financeiros doados são aplicados, através de relatórios de resultados e do impacto social. Concretamente, a BVS inspira-se no mercado de capitais, sendo o espaço onde são promovidos os projetos sociais e zela pela transparência da relação entre a NPO e o investidor social (Crespo, 2009).

Ao serem promovidos os conceitos de investimento social e investidor social, a BVS propõe que o apoio às organizações da sociedade civil seja visto, não apenas sob a perspetiva da filantropia e da

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caridade, mas também do investimento que deve gerar um novo tipo de lucro, isto é, o lucro social. A BVS em Portugal é a segunda no mundo e a primeira na Europa no ambiente de uma Bolsa de Valores (Bolsa de Valores Sociais, 2014a).

O modelo de negócio da BVS assenta no facto de que cada ação social está cotada a €1 e a aquisição mínima é de 5 ações sociais ao valor de €5. O investidor social é livre para estabelecer o valor que pretende adquirir em ações sociais ou doar. Inclusivamente existe a possibilidade de constituir uma espécie de carteira de títulos, ou seja, um portfólio de ações sociais investindo em mais do que um projeto em simultâneo. O pagamento da aquisição das ações sociais pode ser feito com cartão de crédito, por voucher (na eventualidade do investidor ou potencial investidor ter recebido um voucher) ou através do envio de cheque. Ao optar por uma dessas modalidades, o site da BVS irá gerar os procedimentos adequados conforme a opção escolhida. Depois de confirmado o pagamento, a organização será notificada de forma que possa emitir e enviar o respetivo recibo de doação para a morada indicada pelo investidor social (Bolsa de Valores Sociais, 2014a).

O investidor social ao registar-se na BVS passa a ter acesso, sempre que assim o entenda, às prestações de contas e aos relatórios de impacto social produzidos pela organização e devidamente auditados (Crespo, 2009). Os dados e informações dos investidores sociais recolhidos pelo site são tratados com a máxima confidencialidade e com o único propósito de relacionamento entre a BVS e o investidor social, não sendo em momento algum comercializados, divulgados ou disponibilizados para terceiros (Bolsa de Valores Sociais, 2014a). Sendo a BVS portuguesa uma iniciativa da Altitude, organização brasileira de marketing social fundadora da Bolsa de Valores Sociais de São Paulo, e fruto de uma parceria com a Euronext

Lisbon, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação EDP, entidades que

financiam a equipa técnica nenhuma comissão ou valor, a qualquer título, é deduzido pela BVS ou pela entidade parceira (Crespo, 2009). O investimento em ações sociais é integralmente transferido para o projeto escolhido (Bolsa de Valores Sociais, 2014b).

Atualmente existe um universo de 26 projetos sociais na BVS (e.g.: Lavandaria Solidária, Porto de Abrigo, A Vida Vale…), sendo que, destes 26 projetos, 8 já foram financiados a 100% (e.g.: Audiodescrição.pt – Ouço, logo vejo, Unidade Móvel de Apoio Domiciliário (UMAD), Piscina Terapêutica: Os 4 elementos…) (Bolsa de Valores Sociais, 2014c).

Conscientemente, não é possível afirmar que as NPO’s têm a capacidade de solucionar os problemas do mundo, mas têm a capacidade de ajudar estratos da população que evidenciam

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carências sociais de todo gritantes. Nesta visão, é fundamental que as NPO’s sejam estimuladas na criação de valor social, tendo subjacente o processo de empreendedorismo social, que irá permitir inovar socialmente e, subsequentemente criar valor social. Esta criação constitui um processo de gestão estratégica das NPO’s que poderá permitir alcançar dois objetivos fundamentais: obtenção de recursos financeiros de forma a garantir a sua sustentabilidade e nível mais elevado de competitividade e criação de valor social, para aqueles que tanto necessitam.

3.6. Considerações finais

Apesar da atual situação económico-financeira de Portugal não ser a mais favorável, provocando dificuldades financeiras que conduzem ao encerramento de NPO’s, esta situação financeira complexa, não é de todo uma novidade. Mesmo antes de se instalar a atual crise, muitas NPO’s já apresentavam esses problemas mas, apesar dessas dificuldades, o que foi (e ainda continua a ser) reivindicado é que os apoios estatais sejam incrementados. Face ao exposto, será coerente afirmar que o país dificilmente terá capacidade para aumentar esses apoios, como tal, e inevitavelmente, as NPO’s terão que alterar o seu paradigma de gestão estratégica financeira, assente, na sua grande maioria, nas comparticipações estatais. Estes apoios estatais são cruciais, mas os gestores têm o dever de encontrar outras soluções de financiamento, sem nunca preterir o objetivo social da sua organização. A dependência financeira é de tal forma elevada que, associada à falta de iniciativa social, ou melhor, à incapacidade de empreender socialmente, dificilmente a organização poderá sobreviver e, em última análise, serão os colaboradores e clientes que serão penalizados por se verificar uma ausência de estratégia devidamente pensada e divulgada em função da conjuntura nacional e do ambiente onde atua.

Como refere Teixeira (2013), a estratégia deve ser pensada e formulada, tendo subjacente a forma como a organização pretende competir no mercado onde atua, beneficiar das oportunidades e eliminar ou minimizar as ameaças, baseando-se nos aspetos positivos quando comparada com outras organizações.

Na sequência desta afirmação, existem várias formas de analisar o ambiente interno e externo da organização como, por exemplo, a Matriz SWOT/TOWS, já referida em secções anteriores. Contudo, será que as NPO’s formulam uma estratégia e divulgam a mesma junto dos seus colaboradores? Será que existe a capacidade de implementar um processo de empreendedorismo social capaz de satisfazer as necessidades sociais e gerar retorno financeiro, reduzindo, assim, a dependência excessiva de apoios estatais? Por que razão, NPO’s de menor dimensão apresentam

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processos de empreendedorismo social com resultados positivos e NPO’s de maior dimensão não têm essa capacidade?

As NPO’s são o reflexo dos seus gestores, ou seja, a forma como atuam, os resultados que apresentam e a satisfação dos clientes e colaboradores, que vão ditar se esses gestores são adequados ou não às funções que desempenham.

O paradigma da dependência exclusiva das comparticipações estatais é passado. O futuro passa por outras estratégias, que poderão ser designadas de estratégias hibridas, isto é, uma complementaridade entre os apoios estatais e o empreendedorismo social com resultados positivos que permitam gerar valor social e obter retorno financeiro, permitindo às NPO’s viver e não sobreviver.

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Parte II – Enquadramento metodológico e empírico