• Nenhum resultado encontrado

Cap.3 INOVAÇÃO NO SETOR AGRÍCOLA

3. INOVAÇÃO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO SETOR AGRÍCOLA

3.7 ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO E APRENDIZAGEM NA AGRICULTURA

As reflexões sobre a inovação e sistema de inovação estariam incompletas sem a consideração dos processos de aprendizagem. Sob essa perspectiva, Scoones et al. (2008) chamam a atenção para o fato de que a capacidade de aprendizagem dos stakeholders é o ponto crítico na maioria dos sistemas que visam à promoção da inovação na agricultura, incluindo-se aqui agricultores, extensionistas, consultores e pesquisadores, sendo possível criar links, relações e alianças entre todos os agentes da inovação. Destacam, ainda, o direito desses agentes na participação da tomada de decisões, e salientam que esse é um direito reconhecido como um direito humano que se encontra entre os vários direitos dos agricultores incluídos no Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, no que tange a decisões sobre questões relacionadas à conservação e ao uso sustentável dos recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura. Os agricultores deveriam estar assim, ativamente envolvidos na preparação e elaboração de legislação que afeta certificação e mercado de sementes, conservação de recursos genéticos bem como das leis de proteção e patentes.

Um aspecto particularmente fundamental para capacitar todos os atores envolvidos na pesquisa, desenvolvimento, difusão e aplicação de novos métodos e tecnologias no setor

agrícola é a identificação dos sistemas de informação e comunicação que os agricultores e os formuladores de políticas precisam para lidar com rápidas mudanças das condições em um sistema complexo. Para Bocchi et al (2012), isso é particularmente verdadeiro no caso de pequenos agricultores de baixa renda, nos lugares onde a maioria não tem acesso aos avanços científicos e tecnológicos que suportam a tomada de decisão agrícola, devido à falta de redes confiáveis de comunicação, como ocorre no continente africano.

Na mesma direção, um dos maiores problemas enfrentados pela comunidade científica é a identificação de ferramentas adequadas para alcançar os usuários finais do setor agrícola, ou seja, tanto as comunidades rurais quanto os decisores políticos, com os mais recentes avanços na pesquisa, como mostram as evidências empíricas e muitos estudos. Conhecimento e informação sobre questões complexas, por exemplo, agroecologia e alterações climáticas, muitas vezes, não respondem por si só às necessidades de curto prazo das comunidades marginalizadas. Além disso, há uma falta de sistemas de comunicação baseados em formatos e linguagens que as comunidades locais possam compreender, bem como um canal de comunicação confiável com cientistas e agentes de extensão capazes de disseminar adequadamente soluções.

Sistemas de comunicação e informação ambiental podem ser uma ferramenta chave no apoio à segurança alimentar, proporcionando alerta, monitoramento, previsão e segurança agrícola, entre outros. No entanto, há questões importantes a serem resolvidas a fim de explorar o potencial das ferramentas de informação e comunicação nestes domínios, especialmente ao abordar questões transversais como: i) a lacuna existente entre as saídas informativas de sistemas globais de informação e a entrada requerida para a gestão no nível local dos impactos e dos recursos naturais; ii) a distância técnica de conhecimento entre os diferentes grupos de trabalho; e iii) a falta de integração efetiva entre a pesquisa e as políticas (BOCCHI et al, 2012). Com relação à falta de integração efetiva entre a pesquisa e as políticas voltadas ao setor agrícola, os autores enfatizam a relevância da colaboração entre cientistas e formuladores de políticas, e argumentam que isso pode ser facilitado por meio de sistemas de apoio à decisão, especialmente se combinados com Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e outras ferramentas que visam à realização de análises quantitativas de trade-offs frente a um conjunto de opções políticas.

Mac Rae et al. (1989, apud SCOONES et al., 2008) sugerem um esquema com três níveis de estratégias de inovação (Quadro 3.5), quais sejam, de substituição, agroecológica, e global, os quais diferem profundamente entre si, assim como diferem suas escalas de pesquisa e de disciplinaridade.

Quadro 3.5 - Níveis de estratégias agrícolas de inovação

Fonte: Autora, com adaptação de Mac Rae et al, 1989, apud Bocchi et al., 2012.

No esquema proposto, a estratégia de substituição trabalha com uma pesquisa monodisciplinar e consiste em leve adaptação dos sistemas de produção existentes, ao passo que a estratégia global visa a resolver questões agrícolas em escala global e a repensar sua relação com a sociedade. Esta última assume que o fracasso da agricultura intensiva está ligado ao seu modelo econômico-industrial e este nível de estratégia de inovação vai muito além da multidisciplinaridade da Estratégia Agroecológica. Sua essência é interdisciplinar ou transdisciplinar, assim como intersetorial, considerando setores como agronomia, ecologia, sociologia, economia e política. Alguns exemplos podem ilustrar esse nível de estratégia como as relações entre produção e mercado, assim como as ligações entre agricultores, consumo e redes de comercialização.

Por sua vez, o nível de estratégia Agroecológica, localizado entre o primeiro e o terceiro níveis de estratégia propostos acima, sugere a construção de um cenário técnico inovador com base na regulação biológica em esquema integrado de cultivo, cabendo notar, entretanto, que o entendimento da agroecologia no Brasil mostra-se distinto daquele presente nos países europeus. Os autores argumentam que a aplicação de conceitos ecológicos e princípios como a biodiversidade, consórcio, rotação e sistemas agroflorestais podem ser exemplos dessa abordagem estratégica. Em desfecho, a revisão de literatura aqui aportada demonstra a complexidade do estudo da inovação no setor agrícola, processo no qual o conhecimento é produzido, acumulado e aplicado por agentes heterogêneos, por meio de

Nível de Estratégia

de Inovação

Estratégia de

Substituição Estratégia Agroecológica Estratégia Global

Sig

n

if

icad

o Promover apenas uma

leve adaptação nos sistemas agrícolas

existentes

Construir cenário técnico inovador contando com regulação biológica em

esquema de cultivo integrado

Resolver questões agrícolas em escala global, repensando sua relação com a sociedade. O fracasso

da agricultura intensiva está ligado ao seu modelo econômico-industrial.

Novas tendências em agroecologia.

E

x

em

p

lo

Substituição dos produtos químicos tóxicos e fertilizantes por outros menos poluentes, menos

persistentes no solo e compostos menos consumidores de energia.

Aplicação de conceitos e princípios ecológicos como

a biodiversidade, cultivos consorciados, rotação, sistemas agroflorestais.

Estudo das relações entre produção e mercados; ligações entre as unidades produtivas (fazendas) e consumo; redes de comercialização.

Esc al a d e P esq u is a e d is ci p li n ar id ad e Lote; monodisciplinar

Fazenda ou amplo território; agronomia multidisciplinar;

ecologia da paisagem; geografia etc.

Do galpão de estocagem à escala regional;

interdisciplinar; transdisciplinar; agronomia multissetorial; ecologia,

complexas interações condicionadas por instituições sociais e econômicas, como ressalta Spielman (2005). Frente ao cenário descrito e dada a relevância da inovação na economia contemporânea do conhecimento e a escala interplanetária das questões envolvidas na agricultura para garantir a sobrevivência da espécie humana, mostra-se decisivo o papel das parcerias e processos de cooperação no âmbito internacional do setor agrícola, sobretudo, considerando-se a intersecção das atividades humanas com as necessidades de preservação dos recursos naturais no planeta. Tal importância se reveste de um caráter ainda mais proeminente quando se considera que o mundo convive com uma situação crítica de ordem ambiental. Essas parcerias precisam abordar uma série de questões, tais como a produção de alimentos em diferentes mercados, a segurança alimentar e a estabilidade de produção, a sustentabilidade dos recursos naturais, bem como o acesso e a participação de diferentes atores nos processos de P&D do setor.

Nesse contexto, e considerando a dimensão estratégica e planetária da agricultura que torna inconteste o papel crucial da cooperação internacional nessa área, Scoones et al.(2008) destacam que as redes institucionais que trabalham em diferentes níveis, particularmente consórcios regionais, estão crescendo de forma acentuada, tanto em termos de capacidade quanto de recursos. Apontam ainda que as universidades e centros de pesquisa são stakeholders chave, tanto para as atividades experimentais quanto para aquelas de treinamentos voltados ao setor, podendo atuar como facilitadores institucionais de diálogo entre os diferentes stakeholders, catalisando a participação e promovendo estratégias participativas de solução de problemas para o desenvolvimento e a cooperação agrícola. O corpo emergente da literatura empírica mostra-se assim de particular importância hoje, pois fornece uma análise de diferentes formas de cooperação, extensivas ao âmbito internacional (e.g. parcerias em pesquisa, redes de conhecimento e clusters industriais) entre atores estatais e não estatais em vários contextos (setoriais, espaciais e temporais). Como destaca Spielman (2005), tais formas de cooperação no seu conjunto corroboram a relevância da estrutura do sistema de inovação como base para essas análises.

Ao concluir a revisão dos três eixos conceituais centrais frente ao objeto deste estudo, obtém-se um arcabouço instrumental dirigido para o interesse deste estudo, ou seja, construiu- se e tem-se em mãos uma ferramenta de análise com os elementos necessários para subsidiar as análises e reflexões que propiciem um entendimento das duas décadas e meia de cooperação internacional recebida pelo CPATSA na região do Semiárido, objeto de estudo desta tese. É o que a parte II deste trabalho fará a partir deste momento, norteada pelos conceitos de cooperação internacional em C&T, cooperação internacional para o

desenvolvimento e o conceito de inovação na agricultura, neste último incluindo-se as bases do Sistema Nacional de Inovação, arcabouço institucional onde se insere a Embrapa, constituído por um conjunto de relações e interações de agentes, que responderão pelos resultados de conhecimentos produzidos e inovações geradas no setor da agricultura.

p . | 165

Cap.4 - AS EXPERIÊNCIAS DE COOPERAÇÃO EM C&T