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OS PRIMÓRDIOS DA PRESENÇA INTERNACIONAL NO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

nacionais de C,T&I: convergências e desacordos,

4.1 OS PRIMÓRDIOS DA PRESENÇA INTERNACIONAL NO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

A breve visão histórica aqui trazida da presença de organizações internacionais na região do Submédio São Francisco foi construída a partir da literatura e de entrevistas dos atores acima referenciados, participantes do processo de desenvolvimento regional. Esse conjunto de informações revela que a articulação da região do Submédio São Francisco com entidades internacionais e governos estrangeiros foi iniciada em 1960 no foco da irrigação, com a presença da FAO, capitaneada pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

33 Dr.Flávio Cabral (gestor Codevasf) e Dr.Enrico Cavalcanti, técnico/gestor da Projetec, uma das principais empresas terceirizadas da Codevasf, atuante junto a esta na área de engenharia e serviços de consultoria durante várias décadas, ambos entrevistados em maio de 2012.

(SUDENE), a qual começa a realizar estudos na região, visando a trazer experiências do Vale do Tenessee para o Vale do São Francisco (SÁ E BRITTO, 1995). Posteriormente, a responsabilidade da irrigação passa para a Comissão do Vale do São Francisco, entidade criada em 1948 e que vem a ser reestruturada em 1967, passando a ser a Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), vindo a ser substituída dez anos depois pela atual Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). Na década de 1980, a região contou com financiamento do Banco Mundial para reabilitação de vários perímetros irrigados, já sob a tutela da Codevasf.

Na década de 1970, conforme informe registrado pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS)35, foi importante o assessoramento dado ao Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário (GEIDA) criado em 1968, à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e ao DNOCS por parte das missões técnicas dos governos da Espanha, da França e de Israel, além de consultoria provida por empresa desse país do Oriente Médio. Esse assessoramento, desenvolvido sob a égide da transferência de tecnologia, encontrou terreno fértil para a transposição de modelos, vista a incipiente experiência nacional nesse setor à época. Outra contribuição adveio do Bureau of Reclamation, órgão dos EUA responsável pela supervisão da gestão dos recursos hídricos do país, o qual trouxe o modelo de Distrito de Irrigação, que foi implantado na região, tendo a FAO assumido a fiscalização da aplicação dos recursos oriundos do Banco Mundial, como imposição dessa instituição. Os dados primários obtidos nas entrevistas no CPATSA apontaram que o Banco Mundial agregou ainda uma segunda condicionalidade, que impunha o envio dos gerentes brasileiros dos projetos de irrigação do semiárido para a Universidade de Utah nos EUA, a fim de que realizassem treinamentos avançados em gestão de perímetros urbanos.

Já no foco da agropecuária, a articulação internacional iniciou-se na década de 1980, com o governo da Hungria, contando como apoio da Codevasf. Não se tratava aqui de uma cooperação do tipo “pura”, não ligada, e sim de um instrumento de equilíbrio entre interesses dos dois países, visto que o estreitamento de laços lhes interessava, em função das relações comerciais estabelecidas entre ambos, em decorrência da diferença existente na balança comercial da Hungria para com o Brasil. À época, acordou-se entre os governos que essa diferença seria sanada mediante cooperação científico-tecnológica da Hungria, tendo como

35 Disponível em http://www.dnocs.gov.br/php/comunicacao/registros.php?f_registro=2&. Acesso em 01 maio de 2014.

unidade executora o CPATSA, e como participante a organização húngara Agroinvest. Essa cooperação veio a ocorrer no Semiárido voltada para três eixos: i) vinicultura, com enólogos húngaros que atuaram de maneira pioneira na produção de mudas na unidade de produção do polo Juazeiro-Petrolina; ii) piscicultura, com transferência tecnológica para criação de alevinos e desenvolvimento inicial do setor; iii) infraestrutura para pesquisa, com o estabelecimento de laboratórios da Embrapa Semiárido na área de Biotecnologia Vegetal, que recebeu equipamentos e reagentes como doação do cooperante, além de consultoria de especialistas húngaros, que vieram para o semiárido e trabalharam com micropropagação de espécies como videira, banana e batata inglesa; e iv) no eixo da vacaria, no melhoramento genético do rebanho bovino local por meio de biotecnologia, buscando-se otimizações na bovinocultura leiteira. Foram trazidas para a região do semiárido vacas holandesas puras de alta linhagem, e, aqui, os consultores húngaros atuaram com transferência de embriões para inseminação artificial, produzindo-se mudas de bovinos via meristema, em um processo próximo à clonagem.

Ainda na década de 1980, a Embrapa Semiárido contou com a cooperação do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) em projetos de pesquisa na área de pastagens, com ênfase nos aspectos ecológicos, voltados para aumentar a produção e a produtividade das pastagens na região do semiárido (BRESCIANI e GUSTAFSON, 1988; MATTOS, 2010). Com o objetivo de gerar novos sistemas de produção, mais eficazes, sobretudo para os pequenos produtores, foram realizadas pesquisas dentro de três grandes grupos: i) estudos de espécies nativas e introduzidas; ii) melhoramento genético de espécies, com a finalidade de obter novas espécies e híbridos adaptados às diferentes condições do ambiente; e iii) melhoramento do manejo de pastagens, incluindo pesquisas sobre controle de doenças e pragas, fertilizantes, épocas de plantio, consorciação, rotação e demais elementos do sistema de produção, além de pesquisas sobre a produção de sementes de variedades melhoradas e híbridos. Esses projetos envolviam a vinda de consultores e especialistas para ações de curta duração, em média de três meses, junto aos pesquisadores do CPATSA.

De acordo com o relatório dos resultados da cooperação técnica do convênio IICA/Embrapa/Banco Mundial na pesquisa na área de pastagens, divulgado em 1988, os projetos IICA/Embrapa se enquadravam nos objetivos maiores do plano de cooperação técnica da Embrapa no programa do Governo voltado para a modernização do setor agropecuário brasileiro. Prosseguindo nos anos 1980, em meados da década, ocorre a iniciativa bilateral de cooperação com o financiamento do órgão estatal canadense de pesquisa, o International Development Research Centre (IDRC), o qual desenvolveu

pesquisas para melhoramento da algaroba, espécie vegetal arbórea muito presente na região semiárida do Vale do São Francisco, parceria que durou cerca de seis anos, finalizando-se na entrada da década de 1990.

A década de 1990 teve presença intensa da França na cooperação no semiárido, iniciando estudos de solo e de processos de irrigação com pedólogos e hidrólogos enviados pelo Institut Français de Recherches Scientifiques pour le Développement en Coopération (IRD), antigo Office de la Recherche Scientifique et Technique Outre-mer (ORSTOM), além do Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (CIRAD) e do Institut National de Recherche en Agriculture (INRA). O ORSTOM já mantinha cooperação com o Brasil desde o início da década de 1960, e, em 1990, a instituição possuía um quantitativo de 35 pesquisadores alocados de maneira permanente no território brasileiro, atuantes em diversas áreas científicas (LEPRUN, 1995).

De acordo com os entrevistados36 que participaram dos processos de cooperação do CIRAD junto ao CPATSA desde a década de 1980 ou que já faziam parte do quadro da instituição no período, ainda que não participando diretamente das ações, a contribuição desse órgão foi ímpar e profícua, tanto para o desenvolvimento regional, quanto para a evolução e amadurecimento científico dos jovens pesquisadores desse centro de pesquisa. Não obstante esse consenso e a permanência do vínculo institucional ainda ativo hoje entre o CIRAD e o CPATSA, alguns reportaram a existência de interesses comerciais subjacentes a esses processos cooperativos, ainda que outros entrevistados advogassem por razões de cunho moral e ético, além do caráter universalista da ciência para a existência da cooperação dessa organização francesa junto ao centro de pesquisa em foco.

36

Pedro Gama da Silva, Sérgio Guilherme de Azevedo, José Nilton Moreira e Iedo Bezerra de Sá, este último tendo atuado junto ao ORSTOM, órgão francês de cooperação que precedeu a vinda do CIRAD para o semiárido.

4.2 MAPEAMENTO DAS INICIATIVAS DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL