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2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS E DEMARCAÇÃO DE PREMISSAS

2.2 Norma Jurídica

2.2.2 Estrutura dual e norma jurídica completa

Conforme já adiantamos, a norma jurídica é composta por antecedente (descrição de uma situação do mundo social), denominado hipótese, cuja efetiva ocorrência dará ensejo a uma consequência que, invariavelmente, será uma relação jurídica que vinculará dois sujeitos de direito.

E, de acordo com FABIANA DEL PADRE TOMÉ,

[…] para que se configure a ‘causalidade jurídica’128, onde a

hipótese implica deonticamente a consequência, existem dois grandes operadores chamados de functor-de-functor129 e       

127 Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58.

128 Assevera LOURIVAL VILANOVA que “[…] tanto a causalidade natural como a causalidade jurídica encontram na proposição implicacional sua adequada forma sintática”. (Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 47). 129 “O functor-de-functor é indicador da operação deôntica incidente sobre o liame de

implicação interproposicional (dever ser o vínculo implicacional); é ele que constitui o nexo jurídico das proposições normativas (hipótese e consequência)”. (TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a Seguridade Social – À luz da Constituição Federal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 37).

functor implicacional130 perfazendo a seguinte estrutura lógica: D (H → C), onde D é o functor-de-functor, → H é a hipótese, é o functor implicacional, e C é a consequência.131

Desta forma, nas palavras de AURORA TOMAZINI DE CARVALHO, “[…] o lugar sintático de antecedente da norma jurídica é ocupado por uma proposição, denominada de hipótese, pressuposto, ou antecedente, descritora de um evento de possível ocorrência […]. Sua função é delimitar um fato que se verificado, ensejará efeitos jurídicos”132.

Por outro lado, a douta professora também nos ensina que

[…] o lugar sintático do consequente é ocupado por uma proposição delimitadora da relação jurídica que se instaura entre dois ou mais sujeitos assim que se verificado o fato descrito na hipótese. […] O consequente nada descreve, nem informa, nem prevê, ele prescreve uma conduta, estabelecendo um vínculo entre dois ou mais sujeitos133.

Em suma, na estrutura lógica das normas jurídicas, haverá uma hipótese, descrevendo um evento de possível ocorrência no campo da experiência social, ligada ao consequente, que prescreve uma relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta disciplinada como proibida (V), permitida (P) ou obrigatória (O). Salienta-se que o dever-ser, no consequente, aparece sempre modalizado, ao passo que a ligação antecedente-consequente, o operador é neutro134.

      

130

“Trata-se de um operador lógico indicador da forma sintática que são as duas proposições componentes da norma jurídica.” (QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 28). Em outras palavras, simboliza o nexo implicacional que existe entre a hipótese e a consequência.

131

Ibid., p. 36.

132 Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 296.

133 Ibid., p. 301-302. 134

De fato, como nos ensina LOURIVAL VILANOVA, “[…] o que uma norma de direito positivo enuncia é que dado um fato, seguir-se-á uma relação jurídica, entre sujeitos de direito, cabendo, a cada um, posição ativa ou passiva. Mais. Que nessa relação jurídica primária define-se o conteúdo da conduta, modalizando-a como obrigatória, permitida ou proibida. E que, no caso de descumprimento, de inobservância, de inadimplência, por parte do sujeito passivo, o outro sujeito da relação pode exigir coativamente a prestação não-adimplida”. (Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 102).

Ocorre que essa estrutura, cuja natureza é dual como se viu135, pode ser desmembrada em duas outras partes: norma jurídica primária e secundária, ambas compostas por hipótese e consequência (D (H → C)), como bem esclarece FABIANA DEL PADRE TOMÉ:

Em síntese, a norma primária tem em sua hipótese a conotação de um fato de possível ocorrência, ao passo que a hipótese da norma secundária descreve a não-observância da conduta prescrita na consequência da primeira. E, enquanto aquela estatui direitos e deveres correlatos, esta prescreve a sanção mediante o exercício da coação estatal. A norma primária estabelece relação jurídica de direito material (substantivo); a norma secundária, a relação jurídica de direito formal (adjetivo ou processual)136.

Nesse desiderato, cabem as lições de PAULO DE BARROS CARVALHO sobre normas primárias e secundárias:

Na completude, as regras do direito têm feição dúplice: (i) norma primária (ou endonorma, na terminologia de Cossio), a que prescreve um dever, se e quando acontecer o fato previsto no suposto; (ii) norma secundária (ou perinorma, segundo Cossio), a que prescreve uma providência sancionatória, aplicada pelo Estado-Juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária.

[…]

As duas entidades que, juntas, formam a norma completa, expressam a mensagem deôntica-jurídica na sua integridade constitutiva, significando a orientação da conduta, juntamente com a providência coercitiva que o ordenamento prevê para seu descumprimento. Em representação formal: D {(p→q)v[(p→-q)→S]}.

Ambas são válidas no sistema, ainda que somente uma venha a ser aplicada ao caso concreto. Por isso mesmo, empregamos o disjuntor includente (“v”) que suscita o trilema: uma ou outra ou ambas. A utilização desse disjuntor tema a propriedade de mostrar que as duas regras são simultaneamente válidas, mas que a aplicação de uma exclui a da outra137.

      

135 Neste sentido, LOURIVAL VILANOVA acentua: “A norma jurídica, quer a norma primária, quer a secundária, são estruturas de enunciados condicionais”. (Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 96).

136

Contribuições para a Seguridade Social – À luz da Constituição Federal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 43.

Assim, por essa concepção, a norma jurídica primária institui relações jurídicas deônticas, juridicizando fatos sociais e atribuindo relações jurídicas em consequência do acontecimento efetivo desses fatos. Já a norma jurídica secundária, que surgirá do descumprimento da relação jurídica de direito material, dará fundamento para o nascimento da relação jurídica de natureza processual, cuja finalidade será por fim ao conflito de interesses, gerado pelo descumprimento da norma primária138.

Uma vez efetuada a distinção entre norma jurídica primária e secundária, cabe esclarecer, ainda, que seguimos a linha de que há duas espécies de normas primárias: a dispositiva (estabelece deveres – descrição de um fato lícito) e sancionatória (estipula uma punição em virtude da descrição de um fato ilícito).

Contudo, é importante destacar que, embora tanto a norma primária sancionatória quanto a secundária prescrevam uma sanção pelo descumprimento de disposições previstas em outras normas, ambas não se confundem, podendo ser diferenciadas pela possibilidade ou não do uso de coação pelo órgão jurisdicional, visando ao cumprimento do dever prescrito no consequente da norma primária.

Corroborando com tal assertiva, SOLON SEHN esclarece que as normas secundárias não se confundem com as primárias sancionatórias:

[…] deve-se ter presente que as normas secundárias não se confundem com as normas primárias sancionatórias. As sanções extrajudiciais, como as administrativas e contratuais, também são normas primárias. As normas secundárias caracterizam-se por expressar em seu consequente uma relação jurídica de natureza jurisdicional, na qual o poder       

138 Para mais esclarecimentos acerca da divisão da norma em primária e secundária, recorremos novamente ao mestre LOURIVAL VILANOVA: “Na primeira, realizada a hipótese fáctica, i. e., dado um fato sobre o qual ela incide, sobrevém, pela causalidade de que o ordenamento institui, o efeito, a relação jurídica com sujeitos em posições ativa e passiva, com pretensões e deveres (para nos restringirmos às relações jurídicas (em sentido estrito). Na segunda, a hipótese fáctica, o pressuposto é o não-cumprimento do dever de prestar, positivo ou negativo, que funciona como fato jurídico (ilícito, antijurídico) fundante de outra pretensão, a de exigir coativamente, perante órgão estatal, a efetivação do dever constituído na norma jurídica”. (Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 190).

público, como Estado-Juiz, impõe coativamente a pretensão insatisfeita139.

Assim sendo, de acordo com MARIA RITA FERRAGUT140, a norma jurídica completa pode ser assim formalizada:

D {[(A – Cd) . (-Cd – Cs)] . [(-Cd v – Cs) – Rp]}, em que:

 D é o functor deôntico neutro, incidente sobre as relações de implicação interproposicional;

 (A – Cd) representa a norma primária dispositiva (dever-ser, dado o antecedente A, então o consequente Cd, de natureza não punitiva);

 (-Cd – Cs) representa a norma primária sancionadora (dever-ser, dado o antecedente –Cd correspondente ao não cumprimento da conduta intersubjetiva prescrita pela norma primária dispositiva, então o consequente Cs, de natureza punitiva);

 [(-Cd v –Cs) – Rp] representa a norma secundária (dever-ser, dado o antecedente – Cd v – Cs – correspondente ao não cumprimento da conduta prescrita pelo consequente na norma primária dispositiva e/ou da norma primária sancionadora, então o consequente Rp, prescritor de uma relação processual).

Adotamos, pois, a teoria segundo a qual a norma jurídica completa é composta pela norma primária impositiva (veiculadora de uma obrigação em função da ocorrência de um fato lícito qualquer), pela norma primária sancionadora (que impõe uma sanção em virtude do não cumprimento da consequência da norma impositiva) e, finalmente, pela norma secundária (que regula a participação direta do Estado, a fim de fazer cumprir o consequente das normas primárias).

      

139 Pis-Cofins – Não Cumulatividade e Regimes de Incidência. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 32.

140

FERRAGUT, Maria Rita. Crédito tributário, lançamento e espécies de lançamento tributário. In: SANTI, Eurico Marco Diniz de (Coord.). Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Forense, 2009, p. 309.