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2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS E DEMARCAÇÃO DE PREMISSAS

2.5 Incidência Normativa

2.5.1 Teorias sobre a incidência tributária

A teoria jurídica tradicional (seguindo os ensinamentos de PONTES DE MIRANDA e MIGUEL REALE) trabalha com a tese da incidência automática e infalível no plano factual191. Sob esta ótica, é como se a norma fosse uma nuvem que emitisse uma descarga elétrica fulminante, atingindo os acontecimentos nela descritos e propagando efeitos jurídicos192.

Desta feita, a norma recairia como um raio sobre todo e qualquer acontecimento verificado nos moldes da hipótese normativa, qualificando como jurídico e instaurando, de forma imediata, os efeitos prescritos em seu consequente, de modo que direitos e deveres seriam constituídos no impreterível momento de sua ocorrência, não levando em consideração sua transcrição em linguagem competente.

      

190 Questões Controvertidas no Processo Administrativo Fiscal – CARF. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). CARF: questões controvertidas no processo administrativo fiscal. Pesquisas Tributárias, Nova Série, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 18, 2012, p. 55. 191 Essa ideia se amolda muito bem aos sistemas teóricos que não fazem distinção entre os

planos do direito positivo (linguagem jurídica) e da realidade social (linguagem social), considerando-os como uma unidade na existencialidade do fenômeno jurídico.

192 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico- semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 429-436.

TORQUATO CASTRO JR., em comentário a trecho da obra de PONTES DE MIRANDA sobre a incidência, esclarece que

A incidência da regra de direito, segundo Pontes de Miranda (1954:16) caracteriza-se pela “infalibilidade” e pela “inesgotabilidade”. Ser a incidência infalível significa dizer que ela é idealmente perfeita independentemente da aplicação. Ser inesgotável também reforça essa natureza ideal: toda vez que o suporte fático realiza-se, a norma incide. O conceito de incidência contrapõe-se, na semântica jurídica, ao de aplicação. Em Pontes, a incidência é anterior à aplicação, que pode se dar ou não193.

Já na linha defendida por PAULO DE BARROS CARVALHO, que adotamos para fins do presente estudo, não basta que um acontecimento do mundo fenomênico esteja em conformidade com a descrição hipotética constante na norma para que seja taxado de jurídico; para que se lhe atribuam consequências jurídicas, terá necessariamente de fazer parte do direito positivo (linguagem competente).

É o ser humano que, conforme ressalta AURORA TOMAZINI DE CARVALHO194, buscando o fundamento de validade195 em norma jurídica geral e abstrata, constrói a norma individual e concreta. Instaura o fato e relata os seus efeitos prescritivos, com substanciados no laço obrigacional que vai atrelar os sujeitos da relação. Neste contexto, norma alguma do direito positivo tem o condão de irradiar os efeitos jurídicos sem que seja aplicada, porque elas não têm força para incidir por conta própria.

Seguindo tal premissa, a incidência não é automática nem infalível à ocorrência do evento, ela depende da produção de uma linguagem competente, que atribua juridicidade ao fato, imputando-lhe efeitos na ordem

      

193 CASTRO JUNIOR, Torquato da Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente. São Paulo: Noeses, 2009, p. 104.

194 Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013.

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Chamamos de fundamento de validade as normas jurídicas que servirão como base para a produção de outras normas jurídicas. Contudo, de acordo com a tese adotada, a adequação ao fundamento jurídico de um documento normativo não é relevante para aferirmos sua validade/existência, mas, sim, a permanência no ordenamento jurídico.

jurídica, pois depende da vontade humana, da aplicação da norma geral e abstrata, sobre a realidade social196.

Isto porque, conforme ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, a incidência não se concretiza se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação, duas operações lógicas que o preceito normativo determina; por conseguinte, as normas não incidem por força própria:

Percebe-se que a chamada “incidência jurídica” se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito. Formalizando a linguagem, representaríamos assim: (F E HN) --- Rj, podendo interpretar- se como: “se o fato F pertence ao conjunto da hipótese normativa (Hn), então deve ser a consequência também prevista na norma (Rj)”197.

Dizer o contrário, que, ocorrendo o fato, a norma automaticamente incide sobre ele sem qualquer contato humano é, como adverte EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI,

[…] subsumir-se a uma concepção teórica que coloca o homem à margem do fenômeno normativo, tal qual mero espectador, que somente quando instado, declara o funcionamento autônomo do direito. Ora, o direito não funciona sozinho, mas mediante a ação de homens, juízes, autoridades administrativas e legislativas198.

Que fique claro: o fenômeno da incidência normativa depende da atuação construtiva realizada pelo ser humano. Isso significa dizer, ao mesmo       

196 Nesta senda, somente com a produção de uma linguagem própria, que pressupõe um ato de vontade humano, instaura-se direitos e deveres correlatos desta natureza.

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Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 33.

tempo, que as normas jurídicas são fruto da construção humana, sendo que sua aplicação enquanto fenômeno científico se dá em dois momentos distintos: primeiramente, quando insere enunciados prescritivos no mundo e posteriormente, quando, a partir desses enunciados, constrói a sua significação. Essas duas constatações levam à conclusão de que sem a atuação do ser humano não há o fenômeno da incidência normativa199.

Em tempo, CLARICE VON OERTZEN DE ARAUJO200, escrevendo sobre o tema, agregou conhecimento de outras áreas do saber para o estudo desse fenômeno, dentre elas a física quântica.

Segundo a autora, PAULO DE BARROS CARVALHO dá um enfoque linguístico ao fenômeno normativo, diferentemente de PONTES DE MIRANDA. Por isso, como ambos partem de premissas diferentes, para a autora, a diferença entre os pontos de vista adotados por PONTES DE MIRANDA e PAULO DE BARROS CARVALHO sobre o fenômeno da incidência normativa não se excluem nem se contradizem, mas, antes, se complementam.