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4 CONTROLE DE LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO DE

4.2 Processo administrativo tributário e o controle de legalidade do ato

4.2.1 Nulidade e Anulabilidade do ato de lançamento

O lançamento, como ato administrativo que é, introduz no sistema uma norma individual e concreta, a qual está em consonância com as exigências da norma geral e abstrata que lhe deu fundamento e submete-se a elas, sob pena de não preencher os requisitos extrínsecos (pressupostos) e intrínsecos (elementos) estabelecidos em lei, configurando-se, destarte, um lançamento defeituoso.

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, com toda propriedade, explica a questão:

A imperfeição ou incorreção do lançamento pode ser descrita como um vício que enferma sua elaboração. O lançamento       

377

KOCH, Deonísio. Processo Administrativo Tributário e Lançamento. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 264.

378 RIBAS. Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 115-116.

vicioso é, nesses termos considerado, aquele que apresenta deficiências jurídicas. Mas a conversão do lançamento num ato defeituoso não é decorrência de sua injustiça ou inconveniência. Apenas se liga a razões de ilegalidade ou, mais amplamente, antijuridicidade. Defeito do lançamento significa, por um lado, que ele se encontra em contradição com um requisito qualquer, contemplado pela norma que lhe fundamenta a validade; não, porém, com toda a norma de sua produção.379

Portanto, o ato administrativo de lançamento defeituoso é aquele inquinado de vícios de ilegalidade que podem dizer respeito a qualquer dos elementos ou pressupostos de sua estrutura. Por sua vez, o “[…] vício consiste numa contrariedade ao Direito, e, assim, ato viciado significa ato praticado em desconformidade com ordem jurídica. […] Os atos viciados devem ser regularizados, saneados ou eliminados”380.

Contudo, há intensas divergências doutrinárias em relação às consequências dos vícios que invalidam os atos administrativos, quer tais vícios sejam decorrentes de atos inexistentes, nulos ou anuláveis, conforme demonstrado, sinteticamente, por LÍDIA MARIA LOPES RIBAS:

Ruy Cirne Lima classifica os atos administrativos inválidos em: inexistentes, nulos, anulados, revogados e suspensos. Para

ele, não há identificação entre o conceito de invalidade do ato administrativo e a noção comum de nulidade do ato jurídico: “A nulidade e a anulabilidade caracterizam-se, dentre as formas de invalidade do ato administrativo, pelo interesse mais geral que as informa, transcendente à esfera exclusiva da Administração e manifestamente ligado à própria conservação da ordem jurídica”. […]

Para Cretella Jr. Os atos são nulos ou inexistentes (os que não podem ser convalidados), anuláveis (aqueles que contêm pequenos vícios, geralmente defeitos de forma, mantendo-se o conteúdo do ato, sem qualquer prejuízo à coletividade). […]

Hely Lopes Meirelles nega a existência de atos anuláveis, por

ser impossível convalidar um ato tido como anulável, já que não passa de ato nulo. Tratando da nulidade e da anulabilidade, Kelsen anuncia que a “anulabilidade prevista pela ordem jurídica pode ter diferentes graus” e que “a nulidade é apenas o grau mais alto da anulabilidade”.

      

379

BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 246.

380 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos Vícios do Ato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 269 (Coleção Temas de Direito Administrativo, v. 19).

Nesse mesmo sentido ensina Alfredo Augusto Becker: “No

mundo jurídico há maior (nulidade) ou menor (anulabilidade) intolerância o repugnância por atos jurídicos defeituosos (inválidos: nulos ou anuláveis)”. Assim também Sainz de Bujanda: “A nulidade absoluta ou de pleno direito constitui o grau máximo de invalidade de um ato jurídico”381.

Para J. J. CALMON DE PASSOS, os atos criados de maneira contrária ao que prescreve a lei só se encontram no estado de nulidade após o pronunciamento sancionador do juiz. Contudo, tal nulidade não será pronunciada quando não ocorrer prejuízo. “Isto é, o ato imperfeito, mesmo qual tal imperfeição haja sido sancionada expressamente com consequência da nulidade, é ato eficaz, desde que a imperfeição não haja ocasionado prejuízo”382.

Por outro lado, de acordo com PONTES DE MIRANDA, o ato nasce “nulo” ou “anulável” conforme a gravidade do dano, sendo que a decisão tem apenas a finalidade de declarar o dano/vício anterior. Segundo o autor, “[…] o nulo é ato que entrou, embora, nulamente, no mundo jurídico. Também entra, e menos débil, no mundo jurídico o suporte fáctico do negócio jurídico anulável. Nulo e anulável existem.”383

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO também distingue os atos defeituosos em nulos e anuláveis:

[…] são nulos: a) os atos que a lei, assim, prescreve; b) os atos em que, racionalmente, impossível à convalidação, pois, se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior. […] São

      

381 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 83-85 (grifos nossos).

382 O autor não fala em anulabilidade. Para ele nem fazem sentido as diferenças entre nulidade absoluta e relativa, já que inexiste nulidade processual sem um prévio dizer do magistrado. (Esboço de uma teoria das Nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 127, 141).

383 Tratado de Direito Privado – Parte Geral. Tomo IV, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 29.

anuláveis: a) os atos que a lei, assim os declare; b) os atos que podem ser repraticados sem vício384.

Assim, para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a possibilidade ou não de convalidação seria o critério utilizado para distinção entre nulidade absoluta (atos nulos) e nulidade relativa (atos anuláveis). Portanto, sob tal concepção quando o vício for sanável ou convalidável, tratar- se-á de hipótese de nulidade relativa; quando não, será o caso de nulidade absoluta.

Por sua vez, convalidação “[…] é o ato administrativo praticado pela Administração com a finalidade de, ratificando ato anteriormente invalidável, torná-lo válido, se subsistentes condições para emaná-lo de maneira conforme ao ordenamento”385. Assim, a convalidação nada mais é do que a correção de

um vício, mediante “[…] a edição de um ato administrativo que retira, com efeitos retroativos, o vício do ato administrativo inválido”386.

Portanto, a convalidação é ato discricionário da Administração e, como já foi dito, nem sempre é possível, pois, dependendo do tipo de vício que atinge o ato, “[…] se dá quando o ato administrativo supre o vício existente em ato precedente e gera efeitos retroativos à data em que foi praticado. Só são convalidáveis atos que podem ser legitimamente produzidos”387.

Consequentemente, os vícios passíveis de serem convalidados são os formais, isto é, são defeitos decorrentes da inobservância das normas de direito tributário processual, constatados nos pressupostos do ato administrativo de lançamento, caracterizando, destarte, vícios de produção normativa. Considera-se formal o vício quando na formação ato administrativo de lançamento foi preterida alguma formalidade.

      

384 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 257.

385 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 230.

386

MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos Vícios do Ato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 278 (Coleção Temas de Direito Administrativo, v. 19).

387 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 85.

Com a convalidação, o ato é refeito sem o vício que maculava o ato passado e retroage à data em que foi realizado. A Lei nº 9.784/99, em seu artigo 55388, prevê a possibilidade de convalidação no processo administrativo por ato da autoridade administrativa. Por outro lado, a inviabilidade do saneamento do vício ensejará a anulação do ato administrativo, no caso, do lançamento.

Já para ADA PELLEGRINI GRINOVER, o critério para o julgador separar tais nulidades seria o prejuízo da parte, “[…] quando a própria finalidade pela qual norma que foi instituída estiver comprometida”389, caso contrário seria inútil, do ponto de vista prático.

TÁCIO LACERDA GAMA entendeu por bem distinguir o gênero nulidade em nulidades formais e materiais, imputando a cada uma destas espécies o caráter absoluto ou relativo, segundo a gravidade do vício:

As nulidades formais e materiais se referem, respectivamente, a vícios na enunciação da norma e no seu conteúdo prescritivo. Desta maneira, sempre que existir incompatibilidade entre o instrumento introdutor (decreto, regulamento, instrução normativa…) e a norma de competência, o vício será de forma. Ainda que exista compatibilidade entre a enunciação- enunciada e seu fundamento de validade, se se constatar vícios em qualquer dos atos se seu iter procedimental, teremos um caso de nulidade formal. A nulidade material, como o próprio nome sugere, é fruto da incompatibilidade entre o conteúdo da norma de competência, previsto no seu consequente, e a norma de competência, previsto no seu consequente, e a norma introduzida. Não se trata mais do modo de produção do ato normativo, mas sim da sua mensagem prescritiva. Seja quanto à forma ou quanto à matéria, as nulidades, como regra, são tipificadas nas leis ordinárias que tratam dos processos administrativos federal, estadual, distrital ou municipal. Esses diplomas normativos tipificam algumas espécies de ilícitos que podem ser praticados no curso de lides administrativas, imputando a cada um deles a caráter absoluto ou relativo, segundo a sua gravidade. […]       

388

Art. 55. “Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.” (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, 29 jan. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em 17 maio 2013.

Como se vê, os atos anuláveis são criados com vícios menos graves do que os nulos. Daí por que podem ser sanados e têm prazo certo para ser alegados em juízo, sob pena de preclusão. Já os atos nulos, por conflitarem com aspectos essenciais da competência (i.e. sujeito e procedimento devidos), podem ser desconstituídos ao longo de todo o processo e, em alguns casos, até depois dele. Algumas destas nulidades, ou vícios absolutos, chegam a ser vistas como matéria de ordem pública que compromete a própria validade do processo em que esse ato é praticado390.

O que se pretendeu deixar claro, é que tanto administrativistas, quanto civilistas ou tributaristas, em sua grande maioria, dividem os atos jurídicos/administrativos viciados em nulos, anuláveis e inexistentes, e, de certa forma, discriminam graus de nulidades distintos de tais vícios a partir das consequências geradas por atos (prejuízo) ou pela gravidade do defeito.

MARCOS VÍNÍCUIS NEDER e MARIA TEREZA MARTINEZ LOPES se manifestaram neste sentido:

Alguns defendem haver atos nulos e anuláveis, adotando a mesma concepção prevista no Código Civil. Outros autores que alegam que não se pode aplicar as regras do direito civil por serem incompatíveis com a natureza do direito público. Sustentam que só pode haver atos nulos no direito administrativo, não se cogitando em atos anuláveis. E, finalmente, há aqueles que entendem que, no direito administrativo, existem atos nulos, anuláveis e inexistentes391.

Desta forma, em síntese, os atos inexistentes392 são aqueles que, por estarem fora do mundo do mundo direito, não têm relevância jurídica. Podem constituir-se como norma religiosa, moral, social etc., mas, como não

      

390 Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 351-352.

391

Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 555.

392

Para a maioria dos autores, não se deve dar importância aos atos inexistentes, pois se equiparariam aos atos nulos, já que não chegariam a se aperfeiçoar como atos administrativos. Tal equiparação, todavia, para nós, é um equívoco, pois, conforme demonstraremos adiante, os atos nulos também produzem efeitos.

se revestem de linguagem jurídica, não nos interessa, restando, portanto, os atos nulos e anuláveis393.

Já os atos nulos, ou nulos de pleno direito, por terem sido produzidos em desacordo com a lei, apresentam vício insanável e não produzem qualquer efeito no mundo jurídico. A nulidade pode ser alegada pelo interessado, Ministério Público ou decretada de ofício pelo juiz e tem como consequência a “nulidade absoluta”394 do ato, em face de sua ineficácia desde sua constituição.

Alguns juristas, como OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, representante da teoria tradicional, não separa os atos nulos dos inexistentes, pois, segundo o autor, “[…] os atos nulos são considerados como jamais formados. São juridicamente inexistentes. A nulidade ocorre de pleno direito, e, portanto, ninguém é obrigado a obedecê-lo, ante o seu caráter de invalidade absoluta”395.

Por sua vez, diz-se anulável o ato administrativo cujo vício pode ser sanado e haver sua convalidação, tratando-se, destarte, de “nulidade relativa”396. São atos decorrentes da desobediência a certos requisitos não atinentes à sua substância, como erro, dolo, coação, simulação e incapacidade       

393 De acordo com a teoria civilista, os vícios que geram nulidade dos atos jurídicos (nulidade absoluta) são: agente absolutamente incapaz; objeto ilícito; desrespeito à forma da lei ou quando a lei proíbe a prática do ato. Já a anulabilidade (nulidade relativa) decorre de atos praticados por pessoas relativamente incapazes ou quando viciados por erro, dolo, coação, simulação ou fraude.

394 “A nulidade absoluta relaciona-se com matérias que podem ser conhecidas de ofício pelo julgador, não estando sujeitas à preclusão, tampouco convalidação, mesmo no silêncio da parte. Por exemplo, os pressupostos de constituição e de validade do processo, assim como as condições da ação, a perempção, litispendência e coisa julgada não se convalidam com o tempo, podendo ser apreciados a qualquer momento até a decisão final de mérito (art. 267, IV, V, VI do CPC)”. (NEDER, Marcos; LOPES, Maria Tereza Martinez. Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 583).

395 Princípios gerais de direito administrativo. v. I, 3. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 577.

396

“As nulidades relativas, por sua vez, não são cominadas em lei, e seu reconhecimento depende sempre da comparação do ato celebrado em concreto com o modelo legal. Se o ato, embora viciado em sua formação, mostrar-se capaz de produzir seus efeitos processuais e se não for requerida sua invalidação pelo interessado, ele pode ser aproveitado. A imperfeição, aqui, é muito mais leve de modo que o ato é ratificável, expressa ou tacitamente, se a parte não postula sua anulação”. (NEDER; LOPES, op. cit., p. 583).

relativa do agente. Ademais, o ato anulável pode ser alegado pelo interessado, produz efeito até ser anulado e está sujeito à prescrição, ao contrário dos atos nulos.

Tal distinção entre atos administrativos nulos e anuláveis tem sido adotada por nossos Tribunais. A título de exemplo, citamos a seguinte ementa:

ATOS NULOS E ANULÁVEIS. A diferença entre ato nulo e ato anulável, é que o primeiro — ato nulo — não tem existência legal e, por isso mesmo, nenhum efeito produz, pois não pode ser ratificado, ao passo que no segundo — ato anulável —, é todo ato jurídico que se constitui em detrimento dos interesses de quem se encontra sob a tutela da lei, podendo ser ratificado pelas partes.397

Vale a transcrição de trecho do respectivo acórdão, que se aplica como luva ao caso em apreço:

É sabido que ato anulável é todo ato jurídico que se constitui

em detrimento dos interesses de quem se encontra sob a tutela da lei, tal qual o que é praticado por pessoa relativamente incapaz, ou pela que, sendo capaz, teve o seu consentimento viciado por coação, simulação, erro, dolo ou fraude, o qual pode ser ratificado pelas partes. Também é sabido que ato

nulo ou nulo de pleno direito é todo ato jurídico formado ou

praticado contra expressa disposição da lei, ou com preterição dos requisitos intrínsecos e extrínsecos exigidos para a sua validade. Não tem existência legal e, por isso mesmo, nenhum efeito produz, pois não pode ser ratificado.398

Ante as considerações feitas, queremos esclarecer que não discordamos possibilidade de o ato administrativo viciado ser tido por nulo ou anulável. O que não admitimos é que se fala em ato “nulo de pleno direito”, pois, a partir da teoria da linguagem, nada é nulo de pronto.

Assim, conforme demonstraremos adiante, a nulidade somente será constituída quando houver a linguagem competente neste sentido. Então, até a       

397 BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Acórdão nº 9101-00.294 do Processo nº 10805.002942/2002-91. Relator: Valmir Sandri. Julgamento: 24 ago. 2009. Órgão Julgador: 1ª Turma. Unidade: Câmara Superior. Publicação: 24 ago. 2009.

edição de outra norma individual e concreta reconhecendo o vício e constituindo linguisticamente sua nulidade, o ato administrativo de lançamento será válido, susceptível, porém, de anulação.

4.2.2 Nossa posição quanto à distinção entre atos administrativos nulos