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Percurso de construção de sentido da norma jurídica

2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS E DEMARCAÇÃO DE PREMISSAS

2.4 Percurso de construção de sentido da norma jurídica

O direito está na região ôntica dos entes culturais, segundo a teoria dos objetos de Husserl, como algo produzido pelo homem, conforme já explicamos anteriormente. Assim, enquanto objeto cultural, o direito carrega valores que o ser humano implanta para concretizá-lo, os quais mudam de acordo com o intérprete, com sua ideologia, vivência e experiência.

E quando se fala em valores, remete-se, automaticamente, à subjetividade; daí é que se percebem os obstáculos que se erguem na árdua tarefa de compreender o sentido e alcance dos textos jurídicos positivados. Mas o que é interpretar e qual a sua importância?

PAULO DE BARROS CARVALHO, de acordo com os ensinos de LOURIVAL VILANOVA, leciona que “[…] interpretar é atribuir valores aos

      

182 Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 326.

183 “O observador pode tecer proposições sobre a compatibilidade ou incompatibilidade das normas produzidas, mas como sua linguagem não é prescritiva, ela não é relevante juridicamente. O participante, ao contrário, tem competência para apreciar a adequação das normas às regras que lhe fundamentam e de dizê-la mediante aquilo que denominamos de interpretação autêntica. Ele está autorizado, pelo sistema, a constituir juridicamente a invalidade, caso haja incompatibilidade.” (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 716).

símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos”184.

Desta maneira, “[…] é o intérprete que atribui valor aos símbolos estruturados em forma de frases pelo legislador e assim constrói o conteúdo significativo dos textos. O valor, portanto, não está no suporte físico e sim na construção do intérprete”185.

Na mesma linha, o mestre, sob a premissa de que o conhecimento, inclusive o conhecimento do direito, se opera mediante construção linguística, destaca ser possível afirmar que um fato inexiste antes da interpretação e que aquele que pretende conhecê-lo deverá compreender a linguagem prescritiva própria de seus textos, percorrendo o seguinte procedimento:

Tornando (i) contato com a literalidade textual (plano de expressão), ali onde estão as estruturas morfológicas e gramaticais, (ii) o intérprete elabora em sua mente os conteúdos significativos e, (iii) colocando-os no modo estrutural das regras jurídicas, organiza essas entidades para formar um (iv) domínio, cujos vínculos de coordenação e de subordinação aparecem no momento mesmo da organização dessas regras de direito como sistema. Se retivermos a ideia de que o direito possui constantemente esses planos: (i) o das formulações literais, (ii) o de suas significações enquanto enunciados prescritivos, (iii) o das normas jurídicas, como unidades de sentido obtidas mediante o grupamento de significações que obedecem a determinado esquema formal (implicação), (iv) dentro de uma estrutura hierarquizada e coordenada segundo a lógica sistêmica do direito posto; e se pensarmos que todo nosso empenho se dirige para construir essas normas a partir de um estrato de linguagem, não será difícil verificar a gama imensa de obstáculos que se levantam no percurso gerativo de sentido ou, em termos mais simples, na trajetória da interpretação.186

Assim sendo, devemos considerar no processo interpretativo os quatro planos, ou quatro subsistemas que compõem os textos do direito (S1 ao       

184

Direito Tributário – Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 181.

185 LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e Norma Jurídica: Aproximações com o Constructivismo Lógico-Semântico. In: HARET, Florence Cronemberger; CARNEIRO, Jerson (Orgs.). Vilém Flusser e Juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, p. 379.

186 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. v. I. São Paulo: Noeses, 2011, p. 10-11.

S4): (S1) plano da literalidade, (S2) plano das significações das palavras nos textos normativos, (S3) na organização desses sentidos na estrutura normativa (de hipótese e consequente) e (S4) na organização dessas estruturas nas suas relações de subordinação e coordenação.

Esse esquema é chamado por PAULO DE BARROS CARVALHO187 de percurso gerador de sentido da norma jurídica, sendo que, no subsistema S1, temos o conjunto de enunciados, de suportes físicos. No plano S2, temos os enunciados interpretados, as proposições jurídicas, mas ainda sem aquele conteúdo completo de significação. No plano S3, temos a interpretação conjunta de todos os enunciados, a fim de construirmos a significação completa, a norma jurídica. Por último, em S4, temos a articulação das normas construídas em S3, baseada em regras de coordenação e de subordinação, a fim de organizar um sistema de normas.

Nestes termos, considerando o percurso gerador dos textos jurídicos, nos planos S1 e S2 nos deparamos com os enunciados prescritivos (conforme já explicado, PAULO DE BARROS CARVALHO utilizava a expressão norma em sentido amplo; contudo, após empreender estudo a respeito, concluiu, visando à precisão terminológica, que o termo norma deve ser reservado apenas para fazer referência à construção de sentido elaborada pelo intérprete, existindo, antes de tal esforço interpretativo, somente enunciados prescritivos).

Por outro lado, nos planos S3 e S4 é que lidaremos, efetivamente, com as normas em sentido estrito, nos termos adotados neste trabalho, qual seja, norma como significação construída a partir dos enunciados do direito estruturada na forma hipotético-condicional “D (H→C)”, denotando mensagem deôntica completa.

      

187 Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 106-121.

Por fim, complementando, TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM188 ressalta que o cientista, numa inesgotável construção de sentido189, atribui significados aos enunciados prescritivos para criar enunciados descritivos, enquanto o aplicador do direito outorga significações aos enunciados prescritivos para criar outros enunciados prescritivos. Contudo, em qualquer dessas hipóteses, interpretar significa construir significações; implica formar juízos.