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Nossa posição quanto à natureza do “lançamento tributário”

3 LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

3.3 Nossa posição quanto à natureza do “lançamento tributário”

Inicialmente, cumpre enfatizar que discordamos dos doutrinadores que defendem ser o lançamento mero procedimento administrativo253, apesar do disposto no art. 142 do Código Tributário Nacional, por entendermos que tal concepção peca, sobretudo, porque pode se dar o procedimento de verificação da ocorrência do fato sem que haja qualquer lançamento254.

Nesta toada, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES destaca que não há se falar em lançamento quando a atividade administrativa limita-se a “[…]       

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Crédito tributário, lançamento e espécies de lançamento tributário. In: SANTI, Eurico Marco Diniz de (Coord.). Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Forense, 2009, p. 318.

252 PAULO DE BARROS CARVALHO acentua que “[…] essas normas introduzidas são a própria substância da norma introdutora. Isto implica reconhecer que, sem tal núcleo de significação, o veículo introdutor fica oco, vazio, perdendo o sentido de sua existência”. (Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 61).

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Entendemos que “procedimento”, no sentido de série regrada de atos e termos, não é algo imprescindível para a celebração do lançamento, podendo verificar pela autoridade competente, sem o concurso de qualquer outro ato administrativo.

254 Atualmente, maior dos tributos hoje existentes prescinde do lançamento tributário, dando- se a incidência mediante ato do particular. Nesses tributos, ocorridos os eventos previstos em lei, devem os respectivos sujeitos passivos emitir a norma individual e concreta, constituindo o crédito tributário e, em seguida, proceder ao pagamento, extinguindo o liame obrigacional, em nada interferindo o Poder Público que, ao menos em tese, permanece vigilante, numa posição meramente controladora da conduta dos administrados. Nesses tributos, o lançamento, quando existe, aparece como acidente, na hipótese da Administração, no exercício da sua vigilância, surpreender alguma anomalia na constituição do crédito tributário; não é por outro motivo que, ao formalizarem as exigências tributárias alusivas a essas exações, vêm elas acompanhadas de um ato de aplicação de penalidade, ambos encerrados num documento fiscal denominado “auto de infração”. (Direito Tributário – Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 520-521).

verificar a ocorrência de hipóteses de suspensão do crédito tributário – tais como a moratória – ou de sua extinção – tais como a compensação, a transação, a remissão – ou, ainda, de sua exclusão – como a isenção e a anistia”255.

Se assim não o fosse, assevera JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES: […] o simples termo de início de fiscalização, lavrado por ocasião da abertura de procedimento administrativo instaurado para a verificação da regularidade fiscal do contribuinte, já seria considerado lançamento, como também o seria o mero termo de intimação para a apresentação de documentos ou esclarecimentos relacionados às obrigações tributárias e aos deveres instrumentais do contribuinte, pois de toda forma estar- se-ia diante da prática de atos tendentes à verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, procedimento que caput do art. 142 do CTN denomina lançamento. Neste caso, então, já haveria lançamento, sem, contudo, haver sequer a quantificação do momento da obrigação tributária, o que a nosso ver é inconcebível256.

Ora, como bem adverte PAULO DE BARROS CARVALHO257, pode haver lançamento sem qualquer procedimento que o anteceda, vez que procedimento não é imprescindível para o lançamento, que pode consubstanciar ato isolado, independente de qualquer outro258. Quando muito, o procedimento antecede e prepara a formação do ato, não integrando com seus pressupostos estruturais, que comente nele estarão contidos.

      

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BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, 113.

256 GONÇALVES, José Artur Lima; MARQUES, Marcio Severo. Lançamento tributário e decadência. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Lançamento tributário e decadência. São Paulo: Dialética; Instituto Cearense de Estudos Tributários ICET, 2002, p. 335-336. 257 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva,

2012, p. 444-458.

258 Neste sentido, JAMES MARINS esclarece: “Nem sempre o ato de lançamento será precedido de procedimento, pois há casos em que a autoridade administrativa serve-se de elementos pré-fixados que dispensam procedimento próprio para a individualização da obrigação tributária. Isso ocorre, por exemplo, nos lançamentos ex officio de IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, em que o agente lançador simplesmente aplica aritmeticamente alíquotas pré-existentes em plantas de valores, não podendo, com propriedade, identificar procedimento”. (Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2001, p. 230).

No mesmo sentido, cumpre trazer à colação as lições de REGINA HELENA COSTA:

Em nosso entender, o lançamento reveste natureza de ato administrativo, pois nem sempre impor-se-á uma sequência de atos para que se possa apurar o montante devido e indicar o sujeito passivo da obrigação tributária principal. Com efeito, ainda que, em determinadas hipóteses, seja necessária a prática de uma série de atos para a indicação do sujeito passivo e a apuração do valor do tributo a pagar, por vezes tal resultado é alcançado pela expedição de um único ato administrativo259.

Por outro lado, também é certo que pode haver procedimento administrativo tendente à verificação de ocorrência de fato jurídico tributário e, assim, à realização do lançamento de ofício, sem que ocorra o ato final do lançamento tributário, pelas seguintes razões, por exemplo:

a) a autoridade administrativa tributária, após realizar o procedimento de fiscalização em face de determinado sujeito passivo da obrigação tributária, constata simplesmente que não ocorreu qualquer fato jurídico tributário; portanto, não houve o nascimento da obrigação tributária relativa ao tributo fiscalizado; b) a autoridade administrativa tributária, após realizar o

procedimento de fiscalização em face de determinado sujeito passivo, constata que ocorreu fato jurídico tributário, porém também verificou que foi satisfeita a obrigação tributária então nascida mediante o pagamento do correspondente crédito tributário, nos termos da legislação tributária.

Claro está, portanto, que o ato jurídico do lançamento tributário não se confunde com o procedimento administrativo – conjunto de atos preparatórios daquele –, que nem sempre o antecede ou que, realizado, muitas vezes não culmina na realização do lançamento.

      

259 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. Constituição e Código Nacional Tributário. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217-218.

Logo, o que se verifica é que o art. 142 do Código Tributário Nacional, não andou bem ao tentar definir lançamento como procedimento. Destarte, procedente é a crítica feita por ALBERTO XAVIER:

O artigo 142 do Código Tributário Nacional incorre em sério equívoco ao caracterizar o lançamento como procedimento administrativo, quando na realidade este instituto assume o caráter de um ato jurídico, mais precisamente o ato administrativo que aquele procedimento vida preparar. Cumpre, porém, salientar que o Código se não manteve coerente com a posição assim adotada, posto que noutros preceitos acolheu a expressão lançamento com o significado de ato jurídico e não de procedimento: é, por exemplo, o que se passa com o artigo 149, ao referir-se à revisão do lançamento, de vez que objeto de revisão só podem ser atos, não procedimentos260.

Ademais, se o lançamento tivesse natureza jurídica tão somente de procedimento e não de ato administrativo, como bem observa SOUTO MAIOR BORGES261, o prazo decadencial encerrar-se-ia e o prescricional começaria a correr com o início do procedimento fiscal, antes e independentemente da constituição do crédito tributário. Todavia, não se pode conceber prescrição sem a consolidação da obrigação jurídica e do respectivo crédito.

Ainda, acerca da questão da decadência na hipótese em destaque, pelo contrário, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO entende que, ao se concluir pelo lançamento como mero procedimento administrativo, haveria a dilatação do prazo decadencial, já que sua contagem só começaria a fluir a partir da última decisão prolatada no processo, situação em que seriam prestigiadas a inércia e a morosidade dos processos, por parte da Fazenda Pública262.

Nossa posição segue a linha defendida por PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem lançamento tributário é ato administrativo, que pode decorrer ou não de um procedimento, mas, o professor também explica que há uma confusão entre processo e produto, pois “[…] lançamento é palavra que       

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Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44. 261

Lançamento Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 99-100.

262 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 256.

padece do problema semântico da ambiguidade, do tipo processo/produto, como tantas outras nos discursos prescritivo e descritivo do direito”263.

EURICO MARCO DINIZ DE SANTI imputa à referida ambiguidade, processo/produto, as inúmeras das divergências e desencontros nas teorias que tratam do ato administrativo, e, faz as procedentes considerações:

Assim, o ato administrativo (processo) produz o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto). Note-se que, só no caso de ato administrativo, é que ocorre a ambiguidade processo/produto, à qual imputamos inúmeras das divergências e desencontros nas teorias que tratam do ato administrado. […] Assim, convencionamos chamar de ato-fato administrativo, o ato da autoridade administrativa, e ato-norma administrativo, à norma individual e concreta produzida por esse ato-fato, deixando a expressão ato administrativo para designar o gênero que envolve essas duas espécies264.

Em tempo, PAULO DE BARROS CARVALHO explica que tanto o ato como o procedimento devem estar previstos em normas do direito positivo:

A compreensão da figura do lançamento fica mais nítida quando refletimos sobre a convergência das palavras “norma”, “procedimento” e “ato”, tomadas como aspectos semânticos do mesmo objeto. Ato é, sempre, o resultado de um procedimento e que tanto ato quanto procedimento hão de estar, invariavelmente, previstos em normas do direito posto, torna-se intuitivo concluir que norma, procedimento e ato são momentos significativos de uma e somente uma realidade.

Norma, no singular, para reduzir as complexidades de referência aos vários dispositivos que regulam o desdobramento procedimental para a produção do ato (i); procedimento, como a sucessão de atos praticados pela autoridade competente, na forma da lei (ii); e ato, como o resultado da atividade desenvolvida no curso do procedimento (iii)265.

Sob essa perspectiva, lançamento tributário pode ser visto como ato, procedimento e, também, como norma, vez que a escolha das acepções a       

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Direito Tributário – Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 515. 264

Decadência e Prescrição no Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 104-106. 265 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva,

serem adotadas dependerá das premissas a serem firmadas por cada intérprete, levando em consideração a qual momento se refere o lançamento, pois, segundo PAULO DE BARROS CARVALHO:

Procedimento é sempre desenvolvido e caminha na direção de um objetivo adredemente estipulado. Não tem, em si mesmo, sentido unitário, como o ato, contudo se preordena para obtê- lo. […] Tanto será lançamento a norma do art. 142 do CTN, como a atividade dos agentes administrativos, desenvolvida na conformidade daquele preceito, como o documento que a atesta, por eles assinado, com ciência do destinatário. A prevalência de qualquer das três acepções dependerá do interesse protocolar de quem se ocupe do assunto, mas um depende do outro266.

E o mestre ainda explica passo a passo a questão de lançamento como ato, procedimento e norma, fazendo a seguinte analogia:

Pensemos num bolo cuidadosamente preparado para ser servido como sobremesa. Há uma receita, formulada por escrito ou passada de pessoas para pessoas pelos múltiplos canais por onde flui a cultura. Eis aí a norma, no caso, não positivada pelo direito, mas fixando um conjunto de providências, como a previsão de quantidades de substâncias, misturadas segundo certas proporções e maneiras específicas, e obedecendo a uma ordem sequencial, tudo realizado em determinadas condições de temperatura e pressão, procedimento que há de ser percorrido para que, encerrado o processo, apareça, como resultado, o produto final, no nosso exemplo, o bolo267.

Neste trabalho, optamos por definir268 lançamento como um ato administrativo269 com a finalidade de introduzir no sistema uma norma individual e concreta que tem como antecedente o fato jurídico tributário, e, no       

266

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 461-462.

267 Ibid., p. 459.

268 TÁCIO LACERDA GAMA ensina que “[…] definir o significado de um termo é apontar a sua conotação, ou seja, os critérios de uso de uma expressão. É esse procedimento que torna possível aos demais intérpretes identificar a denotação de um conceito”. (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 122).

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Vale o destaque de que os atos administrativos podem ser, ou não, atos jurídicos. São atos jurídicos os atos administrativos que criam, modificam ou extinguem direito. Os demais atos administrativos que não possuam nenhuma dessas funções são atos sem efeitos jurídicos. Logo, o lançamento é um ato administrativo jurídico.

consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação.