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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.6. ESTRUTURA MOLECULAR DOS POLÍMEROS NO ESTADO SÓLIDO.

A estrutura do estado sólido em polímeros consiste no modo como as cadeias moleculares estão dispostas formando a massa sólida. Quando moléculas poliméricas são dispostas de forma ordenada, regular e repetitiva origina-se a fase cristalina. Essa ordenação tridimensional denomina-se cristalinidade (Canevarolo, 2006; Mano, 1999).

O arranjo morfológico das macromoléculas poliméricas é explicado segundo dois modelos principais: o modelo da micela franjada e o modelo das cadeias dobradas.

(a) Modelo da micela franjada

Na década de 1940 Bryant (1947) concluiu, através de padrões de difração de raios x, que haviam nos polímeros analisados pequenos cristalitos embebidos em uma matriz amorfa, propondo então o modelo da micela franjada ou cristalitos de franja. Segundo esse modelo, polímeros semicristalinos eram constituídos por pequenos cristais que existiriam como parte inseparável da matriz amorfa (Figura 3). Admitia-se que cada cristal era formado por um feixe de cadeias paralelas, sendo tão pequenos que cada cadeia macromolecular passava através de vários feixes, denominados cristalitos (cristais pequenos, de aproximadamente 100 Å). Por esse conceito o polímero nunca poderá se torna 100% cristalino, pois durante a cristalização, os seguimentos de cadeias localizados nas regiões amorfas ficam tensionados, não podendo se cristalizar posteriormente. Supunha-se ainda que não fosse possível a formação de cristalitos independentes, mesmo partindo de soluções diluídas do polímero, devido ao emaranhamento das cadeias (Bryant, 1947; Rabelo; 1989; Mano, 1999; Canevarolo, 2006).

Até o inicio da década de 1950 esse modelo permaneceu aceito, em grande parte porque levou a interpretação simples do grau de cristalinidade em termos de percentagens bem definidas de regiões cristalinas e amorfas. No entanto, tende a desviar a atenção os detalhes da estrutura e focar pouco em estrutura de maior grau de complexidade, como esferulitos (Billmeyer, 1984).

Figura 3. Modelo de cristalização segundo a teoria da micela franjada.

Cadeias se arranjando de forma regular, uma ao lado da outra, em algumas regiões dentro da massa polimérica.

(b) Modelo das cadeias dobradas (lamelas)

Em 1953, dois pesquisadores americanos, Schlesinger e Leeper, conseguiram obter cristais de soluções muito diluídas de trans-poli-isopreno natural (guta-percha). Em 1957, de forma independente, Keller, na Inglaterra, Fischer, na Alemanha e Till, nos Estados Unidos, conseguiram a formação de monocristais de polietileno a partir de soluções muito diluídas. Esses cristais foram observados por microscopia ótica e percebeu-se que possuíam formas geométricas bem definidas. Esses apresentavam estruturas de plaquetas planares ou pirâmides ocas que emergiam da matriz amorfa (Akcelrud, 2007). Estudos de difração de elétrons nesses cristais revelaram que as cadeias poliméricas estavam orientadas perpendicularmente ao plano basal das plaquetas. Tendo as cadeias poliméricas comprimento da ordem de 102 a 103 nm e as plaquetas com espessura da ordem de 10 a 20 nm, a única explicação plausível para essa configuração é que as cadeias estejam dobradas, com uma fita, sobre se mesmas dentro do cristal. Essa teoria foi proposta por Robertson (1965) e nomeou as plaquetas de lamelas (Mano, 1999; Akcelrud, 2007). Cada molécula dobra de maneira regular, estabelecendo um “plano de dobramento”, enquanto que a espessura do cristal é chamada de “período de dobramento” e corresponde á altura do plano de dobramento (Billmeyer, 1989; Canevarolo, 2006; Akcelrud, 2007). A Figura 4 mostra o plano de dobramento e a altura (L1) desse plano.

Figura 4. Modelo de cristalização segundo a teoria das cadeias dobradas. A cadeia polimérica dobra-se sobre si mesma formando uma fita chamada de lamela.

Fonte: Callister Jr., 2006.

O conceito moderno de morfologia polimérica assume que os polímeros altamente cristalinos são constituídos por uma única fase cristalina com defeitos nela

dispersos. Esses defeitos podem ocorrer durante o dobramento, já que mais de uma cadeia pode participar de um plano de dobramento. A Figura 5 mostra essas imperfeições. O efeito líquido de todos os defeitos presentes nessa fase contribui para a formação de cristais imperfeitos denominados paracristais. Assim um polímero de alta cristalinidade pode ser considerado um sistema heterogêneo que consiste de um conjunto de regiões ou domínios, interconectados; quimicamente semelhantes, porém com morfologias diferentes. Esse pode apresentar simultaneamente regiões cristalinas (com cadeias regularmente dobradas e alto módulo), paracristalinas (com cadeias dobradas defeituosas e baixo módulo) e amorfas (com cadeias sem qualquer ordenação e baixo módulo) (Mano, 1999).

Figura 5. Representação esquemática de um plano de dobramento mostrando as imperfeições que podem ocorrer na estrutura.

Fonte: Akcelrud, 2007.

No estado cristalino, as cadeias adotam a conformação de menor energia, que possibilita a maior interação possível entre elas. Intuitivamente, o arranjo espacial que levaria a essa condição seria a conformação planar, na qual as moléculas ficariam paralelas umas às outras.

Analisando os modelos descritos acima se observa que, o modelo das cadeias dobradas não satisfaz à condição de maior interação intermolecular e parece desperdiçar energia. Mesmo diante desses fatos as moléculas poliméricas preferem o dobramento. Existem várias razões para isso: primeiro, a vantagem termodinâmica do modelo da micela franjada não é tão grande, já que os desvios da regularidade nas pontas da micela hipotética seriam maiores que os relativos aos dobramentos; segundo, uma análise detalhada da vibração dos segmentos indica

que a energia livre por unidade de repetição tem dois mínimos em relação ao comprimento da porção paralela. Além dos argumentos termodinâmicos, observa-se ainda o fator cinético: em virtude da diluição e da forma enovelada das cadeias em solução, é muito mais provável que uma molécula se dobre sobre si mesma, dando início a um núcleo de cristalização, do que encontre outras totalmente estendidas e, juntas, formem uma miscela (Akcelrud, 2007).

2.6.1 Estrutura cristalina

O arranjo nanométrico de cristalização representado pelos modelos de miscela franjada e cadeias dobradas ou lamelas se organiza em uma escala maior formando estruturas organizadas. As mais conhecidas são as esferulíticas, Shisk-

kebab entre outras (Billmeyer, 1989; Canevarolo, 2006; Akcelrud, 2007).

(a) Estrutura esferulítica

A organização mais proeminente em polímeros em uma escala maior que lamelas, são os esferulitos. Esses podem ser observados em microscópicos ópticos através de luz polarizada e apresentam uma estrutura circular característica denominada “Cruz de Malta”. Esse efeito resulta da natureza birefringente dos polímeros e está associado com orientação molecular resultante da morfologia característica das lamelas (Billmeyer, 1984).

Embora não se tenha um consenso geral sobre se esferulitos são formados por rearranjo de material previamente cristalizado ou como produtos de cristalização primária, a última interpretação é considerada mais provável. Quando um polímero cristalizável fundido é resfriado, os núcleos cristalinos formam-se e iniciam o crescimento. Esses núcleos de crescimento podem ser uma partícula estranha (nucleação heterogênea) ou podem surgir espontaneamente no material fundido (a nucleação homogênea) (Billmeyer, 1984; Canevarolo, 2006).

Durante o crescimento as cadeias se dobram formando as lamelas. No entanto, um número muito grande de cadeias tende a participar do crescimento e se ligar aos núcleos de todas as formas possíveis: as lamelas ramificam-se e rerramificam-se em todas as direções, como fitas, resultando em um crescimento

esférico, formando os esferulitos. A direção do crescimento é radial, mas a direção do dobramento é perpendicular, dessa forma os segmentos de cadeias ficam orientados tangencialmente à superfície dos esferulitos. A estrutura fina dos esferulitos é composta por lamelas na forma de feixes, que crescem radialmente a partir de um núcleo central interligado pela fase amorfa. As lamelas inicialmente são paralelas umas com as outras, mas com o crescimento divergente, se torcem e ramificam, formando as estruturas esferulíticas radialmente simétricas. Assim, os esferulitos são considerados como agregados esféricos de milhares de monocristais lamelares, que se orientam na direção radial a partir de um núcleo (Billmeyer, 1989; Akcelrud, 2007).

Os esferulitos são observáveis ao microscópio ótico, colocando-se uma seção do material entre polarizados cruzados. As lamelas individuais são anisotrópicas e, portanto, birrefringentes. Seus principais eixos óticos estão nas posições perpendicular e paralela, respectivamente ao plano de dobramento. A consequência dessa configuração espacial é o aparecimento de duas bandas ortogonais paralelas à direção principal dos polarizadores. Essas bandas são apresentadas em microscopia ótica como a chamada cruz de Malta para cada esferulito. A Figura 6 mostra uma micrografia óptica com a Cruz de malta e um modelo de esferulito (Kestenbach, el.at., 1997; Akcelrud, 2007).

Figura 6. Microscopia óptica de um filme de PVC mostrado a Cruz de malta (esquerda) e o modelo de um esferulito (direita).

Fonte: Kestenbach, el.at., 1997

O crescimento dos esferulitos envolve a segregação de material não cristalizável nas regiões entre as fitas lamelares (Figura 7). A segregação de material amorfo inter e intra-esferulítico contribui para que, na prática, um material

perfeitamente cristalizado tenha ≅ 95% de cristalinidade. Usualmente essa porcentagem é muito menor (Billmeyer, 1989; Akcelrud, 2007).

Figura 7. Representação esquemática da morfologia molecular de um esferulito.

O material amorfo aloja-se entre as fitas lamelares de um esferulito ou entre os próprios esferulitos. Fonte: Akcelrud, 2007

(b) Estrutura Shish-kebab

Se uma solução diluída de polímero (concentração menor que 1%) cristalizada sob agitação e em temperaturas próximas a sua temperatura de fusão podem ser formados agregados cristalinos constituídos por uma estrutura central com crescimento laterais de lamelas. Essa morfologia é chamada de Shish-kebab. Nela a estrutura central (Shish) é constituída de cadeias relativamente estendidas com um número significativo de defeitos. Os kebabs formam-se por crescimento epitaxial, utilizando a estrutura central como um núcleo, e possuem uma estrutura lamelar de cadeias dobradas. Esta é talvez a mais espetacular morfologia produzida por cristalização em condições incomuns (Billmeyer, 1984; Akcelrud, 2007). Este modelo pode ser visto na Figura 8.

Figura 8. Modelo da estrutura Shish-kebab. Fonte: Billmeyer, 1989.