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4. CAPÍTULO III EVASÃO NA EJA: FALTA DE INTERESSE OU FALTA DE

4.2. O estudante trabalhador da EJA

Durante muito tempo em nosso país a educação foi um privilégio de poucos afortunados. A população brasileira, composta majoritariamente por pessoas sem grandes recursos monetários, precisava, desde muito cedo, ainda com pouca idade, ingressar no mercado de trabalho para ajudar no orçamento financeiro da família. Esta prática comum em nosso país castigado por inúmeras crises financeiras aliadas a administrações temerárias por parte de sucessivos governos, por muito tempo afastou o aluno em potencial da escola, gerando uma grande defasagem da entrada na escola na idade certa, ou a não entrada, em muitos casos.

No Brasil, infelizmente, as pessoas estão tendo que ingressar cada vez mais novas no mercado de trabalho. O custo de vida, aliado à má remuneração, tem levado famílias a optar entre o estudo e o trabalho de seus filhos, e neste sistema perverso capitalista a opção mais abraçada tem sido trabalhar, em primeiro lugar, para ajudar a complementar o orçamento familiar, e estudar, se der. Neste sentido, talvez fosse mais acertado dizer trabalhador estudante, do que estudante trabalhador e isso quando ele, contradizendo a maioria, resolve estudar. Como vai para o mercado de trabalho sem uma qualificação que o estudo dá invariavelmente se submete a trabalhos que um qualificado tende a recusar:

No Brasil de hoje, o aluno adulto trabalhador é uma realidade palpável, que suscita questões relevantes para o sistema educacional. Pesquisas revelam que, em São Paulo e Goiás, 50% do total de alunos do segundo grau estudam e trabalham, e que, em Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, esse número atinge de 45% a 48%. A maior parte desempenha atividades no setor terciário, sendo poucos os que trabalham no setor secundário e menos ainda no setor primário. (FEIGEL, 1996, p.61).

Parece inquestionável que a busca pela alfabetização, pelo saber ler, eleva a autoestima, reinsere o indivíduo na sociedade da qual foi alijado quando lhe foi negado o direito básico à escola. O saber ler propicia a autonomia do indivíduo, ou seja, ele não mais Bahia, no ano de 2011. O décimo terceiro aconteceu em 2013 em Natal, no Rio Grande do Norte. Por fim, o último aconteceu em Goiânia, Goiás, em 2015.

precisará que alguém lhe diga o que está escrito na fachada de um coletivo ou na placa de uma rua, entre muitas outras coisas que o ato de ler possibilita. O desejo de aprender ler será mais eficaz quando se der com a motivação correta:

Jovens e adultos se sentem motivados a aprender quando entendem as vantagens e benefícios de um aprendizado, bem como as conseqüências negativas do seu desconhecimento. Métodos que permitam ao aluno perceber suas próprias deficiências, ou a diferença entre o status atual de seu conhecimento e o ponto ideal de conhecimento ou habilidade que lhes é exigido, sem dúvida serão úteis para produzir esta motivação. (RICETTI, 2015, p.149).

A preocupação com este tema tem feito com que ações governamentais sejam implementadas no sentido de erradicar o analfabetismo em nosso país, sem, contudo, a obtenção de êxito até agora.

Segundo dados do MEC, ainda há no Brasil mais de 13 milhões de analfabetos com 15 anos de idade ou mais, tornando-se em um gigantesco desafio para as autoridades competentes solucionarem.

4.2.1 MOTIVAÇÃO PARA O INGRESSO

O ser humano é fruto de suas escolhas e as escolhas que fazemos ao longo das nossas vidas geram consequências. É claro que muitos fatores interferem nas nossas escolhas, nem sempre elas são voluntárias, às vezes somos forçados a escolher coisas com as quais não concordamos, mas que para aquele momento determinado é a única opção que se nos resta.

As dificuldades da vida nos fazem trilhar caminhos que custarão muito caro futuramente, e o estudo é um deles. Muitas pessoas precisam trabalhar desde muito novas para ajudar nas despesas da casa, no orçamento familiar. Isso também acontece nas cidades, até mesmo nos grandes centros, mas no campo a realidade é mais cruel. A falta de oportunidades e o descaso do poder público fazem com que as famílias tenham de decidir se seus filhos estudam ou trabalham para suprir as necessidades básicas de subsistência. E, geralmente, as necessidades imediatas são as escolhidas, em detrimento daquelas que demandam tempo para surtir efeito, como o estudo, por exemplo. Não é à toa que em nosso país a taxa de analfabetos é muito alta e se levarmos em conta os analfabetos funcionais, aqueles que lêem, mas não interpretam o que leram, aqueles que apenas assinam mecanicamente seu próprio nome, essa conta sobe bastante. Mas há também os que nunca frequentaram a escola e, ainda, aqueles que foram forçados a deixá-la depois de estarem lá:

Muitos foram crianças cujas famílias se viram acossadas por contínuas carências, que tinham uma casa em condições precárias e viviam em estado de pobreza tal que

a renda familiar mal cobria as despesas com alimentação, sem margem para as despesas com vestuário, saúde e lazer. Freqüentavam uma escola pública que achavam desinteressante e precisavam trabalhar.

Para essas crianças, o dia-a-dia vivido transforma a infância, que é um momento de crescimento e possibilidades, em períodos de carência, obrigação, domesticação e privação dos direitos fundamentais. Serão, então, precocemente adultos. Ingressando muito cedo no mercado de trabalho, ocupam posições desfavoráveis, que as fazem abandonar a escola[...] (FEIGEL, 1996, pp.61,62).

O Estado tem disponibilizado educação para o público adulto no período da noite,

levando em conta que este estudante é um trabalhador que trabalha durante o dia. Esta modalidade de ensino também se destina àqueles que estão fora da faixa etária própria para o ensino regular ou mesmo uma pessoa já aposentada, que agora que tem tempo para pensar em si, sente a necessidade de aprender a ler e escrever para adquirir uma maior autonomia.

Muitas pessoas têm procurado esta modalidade e ingressado nela como forma de recuperar o tempo que foi perdido. Naturalmente foram motivados pelo desejo de conhecer o mundo das letras e desvendar o mistério que há por trás delas. Cada uma dessas pessoas possui seus próprios elementos motivacionais. No universo da EJA existem muitas motivações diferentes, dependendo das expectativas de cada egresso:

A motivação tem uma grande variedade de aspectos comportamentais dentro dos diferentes interesses entre os indivíduos e, mais precisamente, sobre as verdadeiras razões que levam as pessoas a agirem. A sociedade é rica em ilustrar que cada indivíduo possui expectativas diferentes porque, cada uma destas pessoas está voltada à busca de seus próprios fatores de satisfação motivacional. (RICETTI, 2015, p.114).

Ainda sobre o mesmo assunto:

Da mesma forma para o aprendizado, entre as condições essenciais, a motivação é uma das mais básicas e também uma das mais complexas. O aluno necessita de querer aprender, por uma razão qualquer. Talvez ele já tenha desenvolvido algum interesse por uma atividade qualquer por causa da satisfação que obteve. Talvez deseje incrementar o seu próprio sentimento de adequação, ou ganhar elogio dos seus professores ou dos seus pais, ou queira evitar causar desgostos a eles. Talvez deseje realizar mais do que um amigo, ou agradar a classe com seu relatório. A condição essencial é que exista alguma tensão não resolvida, ou uma tendência a conquistar um objetivo. O aprendizado não se dá pela simples repetição de um ato, ou pela exposição a uma situação, é preciso haver motivação, isto é, o aluno precisa querer aprender. (RICETTI, 2015, p.114).

Realmente, depois de um dia cansativo de trabalho ainda encontrar disposição para ficar em uma sala de aula por três ou quatro horas diariamente precisa estar muito motivado para isso. A escola precisa lançar mão de instrumentos capazes de fazer com que o aluno tenha interesse em permanecer em sala. A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino que precisa de uma diferenciação das demais, pois o aluno adulto e trabalhador já tem uma história de vida que deve ser aproveitada em seu benefício, pelo professor, no seu aprendizado. É necessário que ela entenda que o público que a procura tem interesses diversos

daquele que frequenta a escola regular, portanto precisa de estratégias que prenda-o dentro da sala e evitem que este indivíduo se evada dela. O professor logicamente deverá buscar formas para que o grupo todo aprenda, mas precisa também ter um olhar individualizado conhecendo as expectativas de cada aluno para poder buscar a melhor maneira de ajudá-lo:

A principal estratégia como potencial de levar os alunos a valorizarem o aprender é acreditarem na importância dos conteúdos e atividades acadêmicas do seu currículo, capitalizando interesses pessoais e valores dos próprios alunos. De modo geral, todo aluno passará a ver significado e importância nas aprendizagens escolares se elas aparecerem de alguma forma relacionada com a sua vida, seu mundo, suas preocupações e interesses pessoais. (RICETTI, 2015, p.140)

Como dissemos, o aluno precisa ver significado naquilo que está sendo oferecido para ele. A forma mais apropriada de prender a sua atenção e fazer com que ele permaneça com vontade de continuar a frequentar a escola é usar coisas do seu cotidiano, fazendo com que ele interaja, se identifique com o conteúdo que está sendo exposto, algo que tenha relacionamento com sua história de vida, bem como com o contexto social onde ele está inserido. Portanto, é necessário que ele esteja motivado, pois:

A motivação para eles é muito importante e deve estar no contexto de suas vidas e profissões. Motivados, eles serão tão capazes e dispostos a aprender como os jovens, embora com diferentes estruturas da capacidade e disposição para aprendizagem, com pontos de referência e interesse ligados à vida prática e às situações individuais. (FEIGEL, 1996, p.66).

Assim como tudo na vida, também na educação, ou principalmente nela, se faz necessário a motivação, pois não é fácil depois de um dia de trabalho duro, levando-se em conta que o trabalhador que volta a estudar ou que nunca frequentou os bancos escolares exerce um trabalho muitas vezes braçal, por conta da baixa escolaridade, ter disposição para ingressar e muito mais para permanecer em sala de aula. A escola tem de ser atraente. O indivíduo precisa sentir que ela pode ser a chance que ele tem de melhorar socialmente, de se sentir incluído, visto pela sociedade como um ser integrante dela, pois:

Às vezes a falta de interesse do aluno, traduzida na evasão escolar é uma maneira de mascarar sua incapacidade para se esforçar. Mas em outras ocasiões não é assim. O aluno faria um esforço se percebesse que os conteúdos da aprendizagem são medianamente atrativos, úteis, conectados, com sua vida diária, atraentes o suficiente para que o esforço valha a pena. Quando, pelo contrário, descobre que aprender supõe apenas memorizar certos conteúdos distantes para recuperá-los depois em uma prova, sua atitude defensiva diante da aprendizagem vai se consolidando. Pouco a pouco, seu atraso vai se ampliando e chega um momento em que a distância com o ritmo médio da turma se torna intransponível. O aluno com dificuldades específicas de aprendizagem não apresenta, de início, problemas de motivação, se bem que progressivamente pode se sentir incapaz de realizar as tarefas propostas e abandona qualquer tentativa de superá-las[...] (CERATTI, 2008, p.13). Precisamos, portanto, acreditar que uma educação de qualidade é possível. É lógico que não se faz do dia para a noite, mas é necessário que haja vontade política por parte das

autoridades competentes, mas, acima de tudo, uma maior conscientização da sociedade, de fazer valer, através das lutas coletivas, um direito seu que está sendo tolhido:

Avançar rumo a uma educação de qualidade para todos e todas é enfrentar de frente as desigualdades que marcam a história deste País e a tolerância para com elas, ainda tão presente na sociedade e no Estado brasileiro. Avançar rumo à qualidade na educação é, também, valorizar a diversidade, combatendo desigualdades que não são só de renda, mas também de gênero, região, campo/cidade, idade, orientação sexual, deficiências, etc. Nessa perspectiva, a EJA constitui uma das faces mais explícitas do desafio educacional e da afirmação dos direitos humanos no País, e assim deve ser reconhecida pelos governantes e movimentos sociais comprometidos com a justiça social. (RIBEIRO; CATELLI JR.; HADDAD, 2015, pp.44,45).

É necessário que avancemos, não podemos ficar estáticos, nos contentando apenas com as migalhas que se nos são oferecidas. As diferenças socioeconômicas que nos envergonham como nação, neste modelo excludente, só tenderão a diminuir, posto que acabar pode parecer utópico, quando tivermos acessível a todos, em igualdade de condições, uma educação verdadeiramente emancipadora, que liberte os indivíduos das amarras a que são submetidos. Podemos até ser diferentes, isto é próprio da natureza humana, desiguais jamais.

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