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3. CAPÍULO II HISTÓRICO DA EJA: REFLEXÃO SOBRE AS POLÍTICAS DE

3.1. Histórico da educação e da EJA no Brasil: elementos de

3.1.1. Paulo Freire e sua visão libertadora de educação

Um homem a frente do seu tempo, que vendo a situação em que se encontrava sua gente buscou formas de ajudar a diminuir a situação de subserviência a que este mesmo povo vinha sendo submetido ao longo de sua história. Desejou formar sujeitos mais críticos com a realidade a que estavam expostos. Buscou inserir na sua metodologia de ensino coisas e objetos que fizessem parte do cotidiano das pessoas, pois assim acreditava que a absorção seria mais fácil. Por conta da criticidade que tentava incutir nas cabeças das pessoas, não era visto com bons olhos por aqueles que tomaram o poder por meio de um golpe, implementando um regime ditatorial em nosso país a partir de 1964, indo se exilar no Chile de onde escreveu a Pedagogia do oprimido9.

Era de fato um educador que via na educação uma das formas, senão a única, de liberdade possível de ser alcançada, não por toda a pedagogia, mas pela defesa de uma pedagogia libertadora, pois não compreendia como um ser humano podia se sentir bem manipulando outro ser semelhante seu. Por isso:

A dedicatória que Paulo Freire faz em seu livro Pedagogia do oprimido expressa uma posição radical, como definição de seu ponto de partida, feita claramente em uma escolha política. Pensamos como essa radicalidade incomoda muitos educadores e a muitas autoridades políticas. Daí que todo seu esforço para desvendar os aparatos de opressão ocorre apoiado nesse lugar de cumplicidade com aqueles que sofrem. Ele rompe com o recurso fácil de fazer belos discursos sobre a transformação social para apontar o foco que realmente altera as relações de poder, nessa materialidade de sofrimento em que se encontram multidões de esfarrapados. (DIAS, 2015, p.115).

Adverte Freire, que pode ser muito cômodo para um educador ser mais um retransmissor do pensamento único, aquele que satisfaz a classe dominante da sociedade, mas ao fazer a opção por aqueles que não têm voz nem vez, os esfarrapados, o educador assume o papel de protagonista da história, aquele que procura romper as barreiras impostas pelos que dominam e querem manter as coisas da mesma forma, para não se sentirem ameaçados, pois como já dissemos, o conhecimento é libertador. Para que isso se torne realidade, é preciso que o educador sinta empatia pelos menos favorecidos, ou seja, aqueles que mais precisam que alguém os veja, e valorize. Paulo Freire fez essa escolha, e vislumbrava uma revolução pela educação:

9

Pedagogia do Oprimido é um dos mais conhecidos trabalhos do educador e filósofo brasileiro Paulo

Freire. O livro propõe uma pedagogia com uma nova forma de relacionamento entre professor, estudante, e sociedade. O livro foi escrito em 1968, quando o autor encontrava-se exilado no Chile. Proibido no Brasil, somente foi publicado no país em 1974.

A revolução, portanto, atua como atividade transformadora das circunstâncias e contribui para os processos educativos dos homens. Daí, pode-se reafirmar que o trabalho educativo de Freire colabora significativamente para o processo revolucionário, uma vez que prima pelas transformações das circunstâncias opressoras e desumanizantes, na perspectiva de desenvolver, de formar um homem não alienado. (CARVALHO; PIO, 2017, p.438).

Paulo Freire pensava em uma educação em que o ser humano, na figura do aluno, seria o protagonista, ou seja, o objetivo do que pretendia ser feito deveria ser voltado para ele, pensando no ambiente em que este estava inserido, e nas necessidades que teria, isto é, uma educação que respeitasse todo o contexto do aluno, partindo dos conhecimentos que este já tivesse. Então:

Paulo Freire, em seu artigo de 1969, nos convida a pensar no papel da educação na humanização. Se a educação é um “que fazer” humano, qualquer consideração acerca dela, nos demanda uma análise sobre o homem no modo como ele se situa no mundo. Toda teoria pedagógica, para ele, carrega uma concepção de homem e de mundo. Para Paulo Freire essa relação deve ser pensada de dois modos: trata-se do homem como um ser no mundo e com o mundo. (DIAS, 2015, p.128).

Paulo Freire via o homem como um ser em permanente busca. Não o compreendia como uma tábua rasa, mas como alguém que, embora possa não ter conhecimentos científicos, tinha os da escola da vida, conhecimentos adquiridos no mundo em que vive.

Foi o quarto filho de um casal nordestino, da cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco, cujo pai era oficial da Polícia Militar, e a mãe bordadeira, uma profissão muito característica do sertão do Nordeste do Brasil para aquela época. Começou a ser alfabetizado em casa, por sua mãe, indo posteriormente para a escola, conforme registro:

Como acontecia com muitos meninos de seu tempo, Paulo Freire iniciou os seus estudos numa pequena escola na casa da própria professora. Eunice Vasconcelos era o seu nome e, mais tarde, ele dedicou doces páginas de lembranças a ela. Com 10 anos de idade, mudou-se com a família para a cidade de Jaboatão, ao lado de Recife. Perdeu o pai quando tinha treze anos. As condições financeiras da família agravaram-se; esse foi um outro motivo pelo qual ele se atrasou em seus estudos do “curso primário” e, apenas aos dezesseis anos, ingressou no “curso ginasial” (FREIRE, 2005, p.27).

A família de Paulo Freire, mesmo estando seu pai vivo, já não vivia com muita facilidade, passou, então, com a morte deste, principal mantenedor, a enfrentar grandes dificuldades, inclusive de alimentação. Contudo, sua mãe conseguiu em um colégio particular uma bolsa para que ele estudasse de graça, com a única exigência por parte daquele que concedera que fosse bastante estudioso. Por conta das dificuldades que a família havia passado, ele estava já atrasado em relação aos outros colegas, só conseguiu terminar o primário e ingressar no ginasial aos dezesseis anos de idade.

Segundo o próprio Paulo Freire, a sua paixão pela educação, que o acompanharia por todos os seus dias de vida, foi descoberta em algum momento entre os 15 e os 23 anos. A

partir daí ele já sabia o que viria a ser quando concluísse seus estudos, e passou a dedicar-se com mais afinco em benefício desse desejo, conforme relato:

Quando era ainda um estudante de escola, o menino Paulo iria começar a descobrir uma das “paixões” que o acompanhariam por toda a vida: a palavra, o seu valor, seus segredos, seus mistérios. Entre os anos da adolescência e os da juventude, dedicou-se por conta própria a estudos de filologia e de filosofia da linguagem. Antes mesmo de completar o seu curso na Faculdade de Direito do Recife, Paulo Freire já lecionava Língua Portuguesa. Anos mais tarde, ele demarcou assim o período da descoberta de seu desejo de tornar-se um educador: Aos vinte e dois anos de idade, Paulo ingressou na Faculdade de Direito do Recife. Depois de formado, ele praticamente não exerceu a profissão de advogado. A educação, a escola e a sala de aula o chamariam cedo e para toda a vida. (FREIRE, 2005, p.29).

Paulo Freire trabalhou na educação buscando a assimilação através da vivência, usando para isso coisas e fatos do cotidiano, incentivando a dialogicidade entre professores e alunos. Nascia, assim, com ele uma pedagogia baseada no respeito, uma pedagogia que buscava a participação ativa de todos os agentes envolvidos nela, e que proporcionava uma leitura crítica da realidade social que aquela e outras comunidades eram obrigadas a enfrentar. É óbvio que isso era desagradável às elites, ao poder dominante, aos que queriam manter o status de subserviência da população, culminando com o seu exílio para o Chile com a chegada pelo golpe dos militares ao poder.

Uma preocupação que Freire tinha em relação à Educação de Jovens e Adultos era quanto à abordagem. Criticou o material didático que era usado no final da década de 40, pois era um material que não levava em conta os saberes que os indivíduos que frequentavam essa modalidade tinham. Todos já eram adultos, tinham uma história de vida, experiências que poderiam ser aproveitadas em seus próprios benefícios, facilitando a alfabetização. Ele achava que trabalhar com algo com que o adulto já fosse familiarizado, ajudaria na absorção do conhecimento, saindo daquele estudo mecanizado que não causava empatia no aluno trabalhador.

Freire queria fomentar uma consciência questionadora nos seus alunos, buscava formar cidadãos críticos da situação em que se encontravam, levados a essa condição de alienação pelo regime capitalista, em que a opressão e a submissão são parte da lógica, e estimuladas. Não interessa ao regime que pessoas pensem e cheguem às suas próprias conclusões a respeito de algo. Paulo Freire, por isso, era visto como um subversivo, como um transgressor da lei natural que precisava ser eliminado pelo regime, buscando abrigo no Chile. Era, pois, um revolucionário, conforme Carvalho e Pio, 2017, p.437:

Refletindo sobre suas práticas vivenciadas no Brasil e no Chile, Freire elabora uma proposta educativa que tem como compromisso central a libertação humana, construída no diálogo e na luta por transformações sociais. Ele, em Pedagogia do

Oprimido, quer afirmar que a consciência de transformação da realidade e de educação só se obtém por meio da práxis revolucionária.

Paulo Freire de fato marcou positivamente a educação no Brasil, principalmente na modalidade EJA. A concepção de ensino desenvolvida por ele para a educação de adultos consistia no aproveitamento das experiências de vida de cada aluno e o uso de palavras que fossem do conhecimento e do cotidiano dos mesmos. Que ninguém pode ser visto como uma tábua rasa, que não contenha nada, pelo contrário, todos temos coisas que podem e devem ser aproveitadas, que a apropriação/construção do conhecimento deve partir do que já se sabe e alargar o leque do conhecimento. Essa é de fato uma pedagogia libertadora, que visa tirar o indivíduo da opressão em que vive, levado a ela por alguma circunstância, na maioria dos casos, alheia à sua vontade, pois, segundo Freire, o conhecimento tem o poder de libertar oprimidos.

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