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4. CAPÍTULO III EVASÃO NA EJA: FALTA DE INTERESSE OU FALTA DE

4.3. Evasão: escolha ou imposição?

A motivação que levou o aluno a procurar uma escola deve ser valorizada e comemorada pelos responsáveis por ela. A despeito de todas as dificuldades, e às vezes uma vida de negação deste direito que é básico, o indivíduo se sentiu impelido a buscar por algo que lhe falta e que sem ele sua vida não está completa, pelo menos no que diz respeito à sua autonomia ou à autonomia que o saber ler e escrever pode proporcionar. As humilhações porque passou pela incompreensão de muitos, pode ser que tenha causado traumas e distanciamento da escola, mas a vontade de querer superou todos os obstáculos e este indivíduo agora entra, quem sabe pela primeira vez, em uma escola com desejo de aprender.

A decisão de recorrer à escola depois de ter saído dela há muito tempo, ou mesmo de ir pela primeira vez não é uma decisão fácil. O medo do novo leva muitas pessoas a desistirem de fazer determinadas coisas e a volta à escola com certeza traz lembranças às vezes traumatizantes, pois “sendo esses jovens e adultos excluídos socialmente há muito tempo dos bancos escolares e que trazem consigo marcas profundas dos processos passados e reflexos de uma sociedade injusta e excludente, sendo que muitos deles já não acreditam em mais nada, nem na própria escola” (CERATTI, 2008, p.14). O mais comum é dizer que o aluno está nesta condição por conta própria, pela sua negligência com os estudos, entretanto a vida é mais complexa do que pensamos saber. Muitos fatores podem ter contribuído para que

este indivíduo não tenha nunca frequentado os bancos escolares ou mesmo já tendo feito abandoná-los.

A evasão se dá em consequência de diversos fatores internos e externos, entre os quais poderíamos citar como internos: as péssimas condições de ensino, professores despreparados e em muitos casos descompromissados, usos de metodologias sem atrativos etc. Os externos: o aluno ter de trabalhar o dia todo para tirar o sustento familiar, a falta de interesse do aluno e o forte apelo que as práticas ilícitas oferecem na busca pelo dinheiro fácil; tudo isso e muito mais tem afastado o aluno que ingressa nessa modalidade de ensino.

Conforme já dissemos anteriormente, a evasão é um processo de exclusão que se inicia no ingresso do aluno na escola. As desigualdades sociais que atingem índices alarmantes em nosso país, separando os indivíduos em classes mais e menos favorecidas, determinam quem prossegue e quem é expulso da escola. É um sistema excludente que penaliza sempre o lado mais fraco e “Está claro que no cenário educacional, o aluno aparece como elo mais fraco dessa engrenagem, ficando a deriva, tendo sua vida levada para lá e para cá, a mercê da massificação imputada a ele pelo poder dominante”. (CERATTI, 2008, p.15).

Para o aluno que está ingressando na EJA a escola precisa ser um lugar acolhedor, capaz de compreender e atender aos anseios de quem procura por ela, pois a permanência deste em sala de aula vai depender em muito da forma como é recebido por ela.

O fenômeno da evasão nas salas de EJA pode estar ligado a muitos fatores, pois é uma modalidade de ensino que tem suas particularidades. É um público que ainda precisa se sentir incluído dentro do processo, porque a impressão que se tem a respeito do modelo existente é de que este existe somente para constar, para satisfazer a uma exigência da lei, que não é levada a sério. Isto de fato pode fazer com que o aluno perceba que não vale à pena investir seu tempo sem retorno.

Aqueles que conhecem um pouco da história da educação brasileira podem perceber que a educação nunca foi realmente levada a sério no Brasil. Aqui e acolá alguém fez algo que trouxe algum benefício, mas uma política de estado que fosse duradoura foram muito poucas. E quando se fala da Educação de Jovens e Adultos aí é que o quadro é mais preocupante. Mais parece que os governos a oferecem por força da lei e não porque realmente tenham intenção de fazê-lo. Geralmente as salas de EJA funcionam à noite, por conta do público que a frequenta que são de trabalhadores, em sua grande maioria. A estrutura disponibilizada para recebê-los nas escolas é mínima, até mesmo precária. Talvez por isso haja uma evasão tão alta. E quando isso acontece:

A evasão escolar na educação de jovens e adultos representa a impossibilidade de acesso à cultura, ao universo de informações, vivências e valores, que são direito do cidadão, numa perspectiva da construção da sociedade em que estão inseridos. É necessário um esforço significativo de todos os envolvidos na EJA, a fim de que sejam criadas as condições de valorização desse universo de conhecimento, de reconhecer a necessidade de um novo olhar para esse segmento da educação brasileira, buscando formas de viabilizar não somente o acesso, mas principalmente de dar continuidade para que os alunos da EJA, independente da fase I ou II, permaneçam até a conclusão de seus estudos. (RICETTI, 2015, pp.80,81).

Acreditamos que qualquer nação que quer ser reconhecida com o uma potência mundial precisa voltar seu olhar com seriedade para a educação. E isso é uma necessidade urgente. O Brasil, portanto, precisa mais do que políticas de governo para as áreas estratégicas e com especialidade para a educação, precisa de políticas sérias de estado, pois estas permanecerão independente dos governos que se sucedam. Para isso precisamos de representantes que verdadeiramente lutem em prol dos interesses do conjunto da sociedade, e não apenas e tão somente dos seus individuais.

Devemos considerar que já fizemos alguns avanços na guerra contra o analfabetismo, mas ainda estamos muito aquém do que seria desejável. A busca pela escola até que tem sido boa, contudo fazer com que este aluno permaneça no curso até o fim tem sido um desafio muito grande. Ao que parece, a escola não está conseguindo ser atrativa para muita gente, pois muitos a tem abandonado e na EJA este abandono de alunos é muito comum devido às dificuldades que as pessoas mais humildes tem.

O momento de crise pelo qual o país está passando, não só agora, mas já de alguns anos, só faz agravar o quadro que já não era favorável. É inegável que a educação no Brasil nunca foi uma prioridade e, se formos voltar o nosso olhar para a Educação de Jovens e Adultos, isso fica ainda mais evidente. A estrutura que é dispensada a ela é precária, muito na base do improviso. Consideramos que não seria exagero dizer que ela frequenta a periferia da educação nacional, quando deveria ser um espaço de emancipação humana, de restituição de uma perspectiva de futuro negado, contudo:

A educação de jovens e adultos é um campo de práticas e reflexão que inevitavelmente transborda os limites da escolarização em sentido estrito. Primeiramente, porque abarca processos formativos diversos, onde podem ser incluídas iniciativas visando a qualificação profissional, o desenvolvimento comunitário, a formação política e um sem número de questões culturais pautadas em outros espaços que não o escolar. Além disso, mesmo quando se focalizam os processos de escolarização de jovens e adultos, o cânone da escola regular, com seus tempos e espaços rigidamente delimitados, imediatamente se apresenta como problemático. Trata-se, de fato, de um campo pedagógico fronteiriço, que bem poderia ser aproveitado como terreno fértil para a inovação prática e teórica. Quando se adotam concepções mais restritivas sobre o fenômeno educativo, entretanto, o lugar da educação de jovens e adultos pode ser entendido como marginal ou secundário, sem maior interesse do ponto de vista da formulação política e da reflexão pedagógica. (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001, p.58).

Vemos, portanto, que apesar de ser disponibilizada, e até incentivada como se fosse um instrumento eficaz para diminuir os vergonhosos números do analfabetismo adulto no Brasil, a realidade da EJA é muito distante da que seria ideal. Os números estão aí para serem analisados e enfrentados. Segundo Ribeiro, Catelli Jr. E Haddad, 2015, p.13, há no Brasil 65 milhões de pessoas com 15 ou mais que não completaram o Ensino Fundamental. Se a educação tivesse realmente a importância que deveria ter, medidas urgentes já deveriam ter sido tomadas há muito tempo, contudo não vale a pena apenas lamentar o que não foi feito, é necessário que se faça, e quanto mais rápido menos prejuízo social.

Diante de todo o exposto, poderíamos, sem dúvidas, responder que a evasão escolar não é uma escolha única do aluno, mas parte de um processo de exclusão que este é instado a aceitar e a se submeter, como imposição do modelo capitalista que privilegia uns em detrimento de outros, dividindo seres humanos em castas, onde pra uns tudo, enquanto pra outros nada, conforme Santos, 2003, p.113:

[...]tanto o ingresso quanto a permanência na escola no período da escolarização inicial se deram sob o signo da dificuldade constituiu um indicativo irrefutável de que a exclusão da escola resultou do agravamento, bem como do somatório das dificuldades identificadas nesses dois momentos que a antecedem. Isso significa que, diferentemente de constituir-se em um fato isolado, provocado por uma razão específica, a exclusão deve ser entendida como um processo complexo de exclusão na escola.

As consequências advindas da privação à escolarização se refletirão por toda a vida do indivíduo, tendo este que se conformar com posições mais humildes e de menor remuneração no mercado de trabalho, quando consegue, ou na informalidade, sem os benefícios (mínimos) que o mercado formal oferece. A EJA pode ser uma possibilidade de recomeço, de reparação, de restituição, mesmo que em parte, de anos, até décadas de negação ao direito básico da educação que nos fazem refletir:

Que impactos a vivência da negação do direito à educação elementar completa, via exclusão precoce da escola, e a vivência de uma experiência de escolarização tardia geram na vida de adultos das camadas populares? Nessa pergunta incluem-se todas as inquietações surgidas a partir da prática docente junto a jovens e adultos que, tendo sido excluídos precocemente da escola, buscaram, através de uma oportunidade educacional no campo da EJA, a melhoria de sua formação escolar. Pelo que se pode observar através de seu enunciado, a pergunta se estende a dois extremos: por um lado, a exclusão precoce da escola que vitima, ano após ano, enormes contingentes da população brasileira aos quais se nega, através desse mecanismo, o direito à educação básica completa. No outro extremo, a reinserção de uma pequena parcela desses enormes contingentes na escola, na busca da continuidade da formação escolar outrora interrompida. (SANTOS, 2003, p.108). Infelizmente, do grande universo de pessoas fora da escola, poucos ainda são os que se dispõem a voltar a ela. Talvez devêssemos ter uma melhor divulgação em rede nacional dos benefícios que esta modalidade de ensino pode trazer. Essa campanha poderia desmistificar

eventuais traumas adquiridos na infância que ocasionou o afastamento da escola por parte desse aluno. O Brasil precisaria ser de fato uma pátria educadora.

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