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Estudo crítico-analítico: uma Pesquisa Qualitativa

2. CAPÍTULO I Alteridades de um gênero composicional A Música

2.2. Abordagem teórico-metodológica Chaves para uma formulação

2.2.1. Estudo crítico-analítico: uma Pesquisa Qualitativa

Para apresentar a temática deste novo segmento da escrita, vinculada à questão da(s) abordagem metodológica e transbordamentos sobre a formulação de novas chaves epistemológicas, parece-me conveniente indicar que, tanto esta seção quanto a anterior, relacionada à localização do Objeto de Estudo, são habitualmente postadas na introdução do corpo textual de uma Dissertação Acadêmica. A razão pela qual uma e outra foram inseridas no início deste capítulo deve-se ao fato de estarem imbricadas ao fluxo de discussões e problematizações que se desdobrarão nos próximos segmentos. Assim, para delimitar o enquadramento metodológico- epistemológico que me proponho utilizar ao longo da pesquisa corresponde indicar

que o mesmo adquire as marcas de uma abordagem múltipla, propensa à adoção de enfoques complementares, direcionados à “rotação” que o Objeto de Estudo adquire no seu tratamento. Em tal sentido, as ferramentas de análise e mapeamento do tema estudado experimentam sucessivas dobras e revezamentos procedimentais afins ao do olhar “poliédrico”: uma observação móvel e diferenciada em função do seu reposicionamento.

Considero, inicialmente, a adoção da tradicional “Pesquisa Qualitativa” como método de estudo, vinculada à discussão crítico-analítica e conjunto de problematizações que atravessam o corpus da escrita – referenciada sempre na práxis compositiva dedicada à produção de Música Incidental. Trata-se, extensamente, dos desafios atrelados ao levantamento e recorte bibliográfico de autores e produções artísticas que se debruçam na especialidade do gênero. Seria este um viés transverso e vertebrador da pesquisa em geral, em vistas de que o campo de discussões críticas, estratégias de análise e revisão histórica das fontes opera como cimento epistêmico que se aplica a qualquer um dos campos restantes – locados nos registros autobiográficos, reconstrução de processos criativos, documentos e crônicas de ordem pragmática16.

Contudo, o fato de que a referida produção de Música Incidental esteja tão estreitamente ligada ao aprendizado e profissionalização de um “ofício” compositivo – um âmbito onde adquire singular relevância o refinamento de procedimentos, conjunto de testes e soluções estéticas de cunho artesanal –, a metodologia a ser utilizada aguça o foco das suas observações sob as marcas fenomênicas que emergem desses remanejamentos. Dentre as variadas linhas de investigação que vêm fundamentando a vinculação entre pesquisa qualitativa e perspectiva fenomenológica aplicada à educação e ensino no campo das artes, as autoras mato-grossenses Martins

16 HASEMAN, Brad. Manifesto pela Pesquisa Performativa. SP: 5° SPA USP/PPGAC, 2015, p. 42: “A

pesquisa qualitativa opera de forma bastante diferente. Ela prefere abordagens indutivas e

necessariamente engloba uma ampla gama de estratégias de investigação e métodos, abrangendo as perspectivas tanto dos pesquisadores quanto dos participantes. Como a pesquisa qualitativa tem o objetivo principal de ‘apreender o sentido da ação humana’ (Schwandt, 2001, p. 213), rapidamente se torna claro que os processos e metodologias através dos quais a pesquisa ocorre são de suma importância. Em algumas tradições acadêmicas, como os Estudos Culturais, artefatos (coisas), comportamentos e respostas são construídos como textos qualitativos. Eles são estudados durante o processo de investigação, e as descobertas são representadas como baseando-se em uma variedade de fontes e abordagens. Isso leva Flick a colocar a ‘pesquisa qualitativa acima de todos os trabalhos com textos’ (Flick, 1998, p. 11). [...] No entanto, a pesquisa qualitativa – com a sua preocupação em capturar as propriedades que foram observadas, interpretadas e matizadas dos comportamentos, respostas e coisas – se refere a ‘todas as formas de investigação social que se baseiam

Fernandes, Lucia Rodrigues, Tomaz da Silva e Aparecida da Silva (UFMT - PPGE - GPMSE5, 2004) indicam:

A trajetória, na pesquisa, é definida segundo o próprio fenômeno, o campo de estudo, a interrogação feita. A partir das descrições busca-se a estrutura fundamental do fenômeno, o ‘fenômeno situado’. [...] Numa pesquisa fenomenológica os dados são as situações vividas pelos sujeitos e são tematizados por eles. O significado expresso pode variar de sujeito para sujeito. Percebe-se que múltiplas linguagens podem ser utilizadas na expressão desta experiência vívida; e que cada sujeito utiliza-se de um dado de semiose (com códigos linguísticos tais como o falado, escrito, gestual, plástico) de maneira mais clara e espontânea que outro, por isso, o pesquisador pode perceber mediante uma relação não-diretiva com os sujeitos o modo que os mesmos se expressam e utilizam a arte. (MARTINS FERNANDES., LUCIA RODRIGUES, TOMAZ DA SILVA, APARECIDA DA SILVA S., 2004, p. 2)

Pensando nos desafios atrelados à captura, recorte e processamento composicional de marcas emergentes, manifestas nos traços fenomênicos do um processo criativo em artes – no caso presente, o desvendamento dos procedimentos de captura/segmentação/transbordamento criador dentro da obra DESFAS[c/z]ES –, pode ser de utilidade observar a sequência de análise metodológica que Maria Bicudo e Vitória Espósito propõem no livro Pesquisa Qualitativa em educação: um enfoque

fenomenológico (1994). As autoras advertem que a percepção do fenômeno (suas

evidências significantes), compreendido em termos de estar-com-o-percebido e ir-às-

coisas-mesmas17 inicia-se a partir de: 1. Uma suspensão (Epojé), deixando o sujeito

comunicar/expressar experiências vívidas onde se destaca o fenômeno; 2. Estabelecimento de um recorte e diferenciação de aspectos determinantes (Redução), onde se percebam as unidades de uma variação significativa; 3. Efetivação de uma leitura ou interpretação (Compreensão) onde se coleta e dinamiza, dentro de um processamento comunicante/criador, o conjunto de achados, numa “experiência transcendental que apropria-se do desvelado” (idem, p. 3).

No encerramento deste primeiro subitem, voltado para as alteridades das abordagens qualitativas que lidam com a apreensão e discriminação taxonômica de

17BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; ESPOSITO, Vitoria Helena Cunha (orgs). Pesquisa Qualitativa

em educação – um enfoque fenomenológico. Piracicaba: Editora Unimep, 1994, p. 2 e 3: “Pesquisa

qualitativa possível se entendermos, como Merleau-Ponty nos diz em O Olho e o Espírito, que ‘as imagens são o interior do exterior e o exterior do interior que a duplicidade do sentir torna possíveis’. Ou seja, o fazer artístico envolve um ‘desvelamento da consciência humana com um novo sentido visual’, decodificando e recriando as relações do ser com o mundo, sendo uma expressão do ser. As manifestações artísticas são apreendidas a partir do significado de mundo”.

objetos “processuais” – atrelados à sua constituição efêmera, transicional e, frequentemente, instável –, pretendo balizar que tal ordem de desafios metodológicos traz aparelhada a necessária reformulação de premissas epistemológicas que se acomodem e fundamentem esses construtos artístico-criativos, susceptíveis de serem revis(si)tados e estendidos. Por dita razão, pode ser oportuno atender as apreciações que Gérard Lebrun formula no ensaio A ideia de Epistemologia (In: A Filosofia e a sua

História. SP: Cosac Naify, 2006, p. 129 a 144) quando o filosofo e epistemólogo

francês nos alerta sobre a flexibilidade interpretativa que se requer frente à “proliferação de enunciados, protocolos e/ou indicadores de pesquisas [narrativas associadas a Textos-Documentos] expressos no corpus dos variados pronunciamentos científicos” (idem., p. 131. Grifo nosso). O autor destaca a queda histórica de qualquer pretensão iluminista sobre uma humana sabedoria, e sublinha, em contrapartida, a riqueza contida na emergência de “gaios saberes, epistemologias ainda adolescentes, agressivas, insolentes, subversivas, que desrespeitam a cientificidade de direito divino por respeitarem mais a ciência como trabalho e como documento” (idem, p. 135). Interessa-me destacar, na concepção que se deriva desta hermenêutica, que os dados ou fontes que concorrem no objeto/caso estudado (cada viés disciplinar; cada aspecto constitutivo que se soma) possuem, apesar da respectiva autonomia operacional, um valor relativo e complementar (olhar poliédrico), pois devem permanecer abertos às continuas revisões do conjunto. Além do mais – acrescenta Lebrun – “nem todas [essas premissas disciplinares] precisam estar formuladas com clareza”:

Uma ciência [práxis artística] só se torna objeto epistemológico quando se entende que cada uma das disciplinas [aspectos constitutivos] que a compõem tem como única unidade àquela de um trabalho produtivo regulamentado por um conjunto de regras passíveis de revisão, das quais nem todas precisam estar formuladas com clareza. (LEBRUN, 2006, p. 138. Grifos nossos).

2.2.2. Artistas pesquisadores guiados-pela-prática: entre a Pesquisa