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O estudo das condições geográficas de ocorrência dos movimentos de vertente no N de Portugal.

Capítulo C1 Os problemas do estudo dos movimentos de vertente na constituição de um sistema de informação geográfica.

2. O estudo das condições geográficas de ocorrência dos movimentos de vertente no N de Portugal.

Uma das metodologias que, por vezes, é utilizada para o estudo dos movimentos de materiai s ao nível das vertentes recorre à estatística. Procura- se, com o recurso à análise da frequência de ocorrênci a de movimentos nas vertentes, estabelecer uma relação entre factores de ocorrência e tipo de movimentos. Em Portugal, J. L. Zêzere, em 1997 desenv olv eu um estudo estatísti co na regi ão Norte de Lisboa onde estabelece ci nco áreas amostra e desenvolve este ti po de análise. O estudo incide sobre cerca de 600 ocorrências e permi te estabelecer relações entre diversos ti pos litológicos e movimentações de materi ais nas vertentes.

Contudo, é necessário referir que este ti po de análise só poderá ter resultados posi tivos quando a população estatística é suficientemente numerosa para permitir resultados fiáveis. Nas áreas de maciço antigo é frequente a exi stência de largos sectores onde as condições naturai s são fav oráveis à estabilidade de vertentes. Aí, só aumenta a frequênci a de ocorrência da i nstabilidade das v ertentes quando a intervenção humana é importante. Consi derando as condições geográficas no maciço antigo, seríamos levados a pensar que só nas áreas de muito forte declive, sobretudo nas áreas montanhosas ou de forte encaixe da rede hidrográfica poderíamos

admitir a instabilidade das vertentes. Mesmo nessas áreas é difícil encontrar uma área amostra com uma grande quantidade de ocorrências (B. Ferrei ra et al., 1997). A nossa experi ência no Norte do país, rev ela dificuldades em encontrar uma área de trabalho com um conjunto de ocorrências capaz de consti tuir uma amostra suficientemente alargada de forma a consti tuir uma base consistente para a análise estatística.

Os limites da análise estão postos em evidênci a no trabalho de J. L . Zêzere (1997, p.525), quando conclui que "…os modelos estatísti cos são v álidos apenas para áreas com características geomorfológicas idênticas e para um único tipo de movimento de v ertente, visto que os factores condicionantes se rev estem de particularidades distintas em função destes condicionalismos…".

Essa mesma i dei a é expressa por R. C. Sidle et al. quando afirmam que as i nventari ações dos deslizamentos e dos múltiplos factores técni cos com eles relacionados, "…são sem dúvida útei s e altamente apropri ados em áreas onde pequenas a moderadas áreas da pai sagem são i nfluenci adas por movimentos de vertente" (1985, p. 97). Resta-nos, portanto, o estudo dos casos concretos que ocorreram no N de Portugal, e dessa forma, procurar o conhecimento das condições naturai s de ocorrênci a de movimentos nas vertentes e i dentificar áreas de instabilidade potenci al, o que poderá permiti r a identificação dos processos, e o esboço de uma zonação onde os diversos ti pos de interv enção humana se rev estem de um risco acrescido.

Esta perspectiva assenta numa ideia base: existe a possibilidade de uma modificação significativa da frequênci a de ocorrênci a de movimentações ao nível dos materi ais da vertente. Essa ideia é justi ficada por Dikau et al. (1996) como sendo a consequênci a de dois factores determinantes. Por um lado, poderia ser atri buído às alterações climáticas e

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ev entuais modificações no regime climático com aumento da intensidade e frequência de precipi tações. Por outro lado, um aumento da actividade humana que conduziria a uma modificação das si tuações de potenci al instabilidade e, com i sso, um aumento da frequência de ocorrênci as, o que tornari a cada vez mais importante o reconhecimento das áreas que poderão experimentar grandes modificações como consequência dessas alterações.

Como seria possível identificar as áreas onde, por interv enção humana ou por causas hídro-climáticas, se poderão desenv olv er os movimentos de vertente e aumentar a frequênci a de ocorrências?

A identificação destas si tuações permi tiria a um geomorfólogo ou engenhei ro experimentado reconhecer indicadores geomorfológicos, catalogá-los, classificá-los e cartografá-los" (Di kau et al., 1997, p. 2).

No N de Portugal, especialmente nas áreas onde dominam amplamente os afloramentos de grani tóides, é necessário reconhecer esses indicadores de forma a proceder à sua classificação e, dessa forma, av ançar para a cartografia das áreas de prov áv el instabilidade de v ertente. Em muitas áreas de montanha já foram identificadas várias si tuações passíveis de desenvolver rupturas nos materiai s das v ertentes. Corominas (1996,1), ci tando Reneau e Dietrich (1987), coloca as bacias hidrográficas de primeira ordem como sendo sítios de especi al sensi bilidade dada a espessura dos mantos de alteração. Por vezes, os mantos de alteração pouco espessos e depósi tos de vertente apresentam-se dispostos próximo dos topos das vertentes, onde as baci as hidrográficas de primeira ordem têm aspecto côncavo. A morfologia fav orece a acumulação de argilas e permite uma maior conv ergência do escoamento i nterno necessário à saturação dos solos. Fazendo referência a Costa (1984), conclui que "as rupturas ocorrem nas áreas mais declivosas das

vertentes (declives superiores a 15º ou mesmo 20º) resultante de um relativamente rápido fluxo interno de grandes quantidades de água" (p. 269).

A par de outros factores, tai s como os depósi tos moréni cos fracamente consolidados, ou não consolidados, Corominas et al. (1996) retomam a si tuação dos mantos de alteração, considerando que as áreas de rocha alterada são propícias ao desenvolvimento de fluxos de detritos. A espessura destas formações superficiais poderá ter um papel importante na absorção de quanti dades importantes de água o que poderá consti tuir uma sobrecarga adicional capaz de desenv olv er movimentos de materiai s.

Conforme foi exposto no capítulo B1 os mantos de alteração apresentam uma forte capacidade de infiltração e escoamento das águas de precipitação. Tal como veremos no capítulo C2, é possível observ ar precipitação em grandes quanti dades e de forte intensidade sem que isso provoque saturação dos solos e dos mantos de alteração, com a consequente escorrência ao nív el das v ertentes. A capacidade de retenção de água por parte dos mantos de alteração é fraca, o que dificulta os movimentos de materi ais nas v ertentes. Quanto mais espessos são os mantos de alteração mais capacidade de absorção e escoamento têm, mai s dificilmente se potenci am as condições para a saturação e, portanto, mais difícil se torna ati ngir os nív eis de ruptura que superem as forças de atri to.

Quando os materi ais resultantes da alteração são peliculares (aproxi madamente 2 m de espessura) e a frente de alteração se caracteriza por uma transi ção brusca entre rocha sã e manto de alteração, estão criadas as condições para o desenvolvimento de i nstabilidade de vertentes. Com efei to, o manto de alteração permite uma boa i nfiltração de grandes quanti dades de água que vai encontrar uma barreira ao escoamento i nterno

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a pouca profundidade. O fluxo interno vai acumulando água e saturando o plano de contacto entre rocha e manto de alteração. A ruptura parece ser inevitável. Esta é, porventura, a si tuação mai s frequente ao longo das linhas de água de forte declive, em baci as hidrográficas de primeira ordem. No maciço anti go Português, ao longo dos extensos afloramentos de rochas grani tóides, sobretudo nas serras, onde os declives são necessariamente mai s elevados, esta parece ser a conjugação dos princi pais factores para o desenvolvimento de instabilidade de vertentes.

Mas esta si tuação coloca-nos um problema de difícil resolução. Como medir a espessura do manto de alteração, antes da ocorrência de um movimento de v ertente? Nem sempre o terreno nos permite v erificar, em perfil, o afloramento dos grani tóides junto à frente de alteração. O trabalho no terreno, efectuado no N, permi tiu-nos verificar que as baci as hidrográficas de primeira ordem, quase sempre imediatamente a jusante do topo das v ertentes, ou a seguir a rupturas de declives, no sentido do seu aumento, são as áreas onde a espessura dos mantos de alteração é menor. Em teori a, estas áreas seri am os sectores onde poderia ocorrer um maior número de movimentos de vertente e, portanto, teri am de ser cartografados como áreas mais instávei s. Sem as leituras, em profundidade, da espessura dos mantos de alteração, teremos de encontrar formas de promov er a cartografia das condições geográficas propíci as à ocorrênci a de i nstabilidade de vertentes. Voltaremos a este tema no capítulo C3.

J. Costa (1984), referi ndo-se em parti cular aos fluxos de detritos considera que "as baci as hidrográfi cas progressivamente pequenas e de declive elev ado têm um forte potenci al para uma grande capacidade de transporte por movimentos de vertente, tal como os fluxos de detri tos" (p. 269).

Esta capacidade de transporte resulta, em especial de "…declives muito acentuados (usualmente excedendo os 30º nas regiões montanhosas), resultando numa grande i nstabilidade nos materi ais superficiai s" (p. 269). Ainda segundo o mesmo autor, existe uma relação importante entre o ti po de materi ais do substrato li tológico e o conjunto de materi ais que são movimentados nas v ertentes. Com efei to, "…a análise de muitos dos detri tos indica que uma pequena parte dos materiais dos fluxos de detri tos consiste em silte e argila (aproxi madamente 10-20%), e a percentagem de argilas pode ser surpreendentemente baixa, geralmente não mais do que alguns pontos por cento. Curry (1966), Sharp e Nobles (1953) e Lawson (1982) reconhecem menos do que 3% de argila em amostras de fluxos de detri tos" (p. 273). Esta constatação coincide com o facto de muitos dos mantos de alteração das regiões temperadas serem consti tuídos por fracas componentes argilosas, tal como foi debati do no cap. B1 deste trabalho.

D. M. Cruden e D . J. Varnes (1996) referem-se a deslizamentos em áreas de mantos de alteração e afirmam que estes se desenv olv em em momentos em que a precipitação é mais intensa e abundante, mas quando se trata de definir a relação entre i ntensidade e duração da precipitação necessári as ao desencadear dos movimentos remetem a decisão para a análise das condições regionais de ocorrênci a tais como a condições locai s da litologia, da geomorfologia e do clima. Esta ideia expressa por Cruden e Varnes espelha a dificuldade em relacionar as quanti dades e intensidades de precipitação com as condições locais de ocorrência de movimentos já que os factores ligados à litologia, morfologia, hidrologia e ao clima são extremamente v ariávei s, não podendo generalizar-se, facilmente, o conjunto de condições v erificáv eis em determinado processo de movimento de

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vertente.

O conjunto de factos até aqui expostos ajuda a entender a importância do estudo das si tuações de i nstabilidade nas áreas montanhosas, no senti do de defi nir as condições geográficas de ocorrência de movimentações de materi ais nas v ertentes. A partir dessa definição estaremos em condições de esboçar a zonação das áreas de risco em sectores onde a intervenção humana poderá agravar e promover movimentos de materiai s, onde não é usual verificar-se o desenvolvimento destes processos. É o caso dos vales do NW Português, onde existem sectores de declives elev ados e, por isso mesmo, poder-se-ão experimentar modificações de di nâmica que resultem de aumentos artificiais de declives.

É nesse senti do que av ança o texto de R. C. Sidle et al. (1985). Já então era apontada a necessidade de inv entariação dos movimentos de materi ais nas v ertentes, sali entando a importânci a destas metodologias em regiões em que só uma pequena ou moderada área é afectada por este tipo de dinâmica. Quando exi stem práti cas de i nterv enção humana i ntensivas e que potenci almente poderão conduzir à instabilidade dos terrenos, atri bui-se especi al relevo ao levantamento, fei to no terreno, da topografia, geologia, hidrologia e coberto vegetal. Este conjunto de i ndicadores poderá fornecer importante i nformação das áreas que potenci almente seri am mais i nstáveis. Os mesmos autores identificam, para cada um destes indicadores, os aspectos que consideram reveladores dessa instabilidade.

A construção da cartografia dessas condições na nossa área de trabalho parece ser a metodologia mais adequada para antecipar a zonação das áreas que apresentem suscepti bilidade ao desenvolvimento de movimentos de materiais nas vertentes, quando são agrav adas as condições

naturai s da dinâmica do meio físico, nomeadamente com interv enções humanas que se adivinham crescentes.

3. A importância do estudo da dinâmica dos movimentos de vertente para a