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6. DISCUSSÃO

6.2. Estudo II: Estratégias de Ativação da Intenção

Após a finalização do Programa de Capacitação, os 12 enfermeiros que trabalhavam nas unidades do grupo intervenção mensuraram o consumo de sal e as variáveis psicossociais dos pacientes hipertensos adscritos em suas áreas de

cobertura e acompanhados no Centro de Saúde e aplicaram, ainda, as estratégias de Ativação da Intenção, enquanto que os sete enfermeiros que trabalhavam nas unidades do grupo controle mensuraram o consumo de sal e as variáveis psicossociais dos pacientes hipertensos e implementaram o cuidado usual.

Essa etapa foi denominada como estudo II – Programa INTerAÇÃO, e teve como principais objetivos avaliar: 1. o potencial efeito da estratégia de ativação da intenção na redução do consumo de sal; 2. a aceitabilidade pelas unidades de saúde, enfermeiros e pacientes e 3. A viabilidade da intervenção. Esses três objetivos em conjunto compreendem a avaliação da efetividade da intervenção.

Quanto à eficácia da intervenção quando aplicada por enfermeiros, ou seja, o potencial efeito, foi observada redução significativa do consumo de sal pelos pacientes submetidos à intervenção, apesar do pequeno número de participantes. Entretanto, não se pode atribuir essa redução do consumo de sal ao efeito da intervenção, devido ausência do grupo controle, e, além disso, foram utilizadas apenas medidas de autorrelato para quantificação do sal consumido.

Além de o elevado consumo de sal estar associado à hipertensão e doenças cardiovasculares, recente discussão aponta que o consumo excessivo de sal e de alimentos com alto teor de sódio pode estar associado ao aumento da incidência de obesdidade, tanto de forma direta(174), quanto indireta, por meio do aumento do desejo de comer alimentos que levam ao ganho de peso(175-177).

Após a avaliação do consumo de sal, neste estudo, foram mensuradas as variáveis psicossociais, levando o paciente a trazer ao plano consciente do pensamento suas ações realizadas no dia-a-dia (adicionar sal nos alimentos durante o preparo, consumir alimentos ricos em sal e temperos industrializados), bem como a pensar em sua intenção em mudar este comportamento, no automatismo da ação (hábito) e na percepção de confiança em conseguir mudar este comportamento (autoeficácia).

As estratégias de Ativação da Intenção partem do pressuposto de que os pacientes possuem a intenção de mudar o comportamento, mas não conseguem implementar o comportamento alvo de forma efetiva, por isso a variável intenção foi mensurada(60, 61, 64). Além disso, estudo anterior realizado no contexto brasileiro evidencia que a intenção em usar até uma colher de chá de sal por dia no preparo dos alimentos é o principal determinante deste comportamento(111).

Em T0, os pacientes participantes apresentaram um escore para a variável ‘intenção de adicionar até uma colher de chá de sal aos alimentos durante o preparo’ elevado, apontando para uma motivação positiva em reduzir o consumo de sal e possibilitando a utilização das etsratégias de Ativação da Intenção. O mesmo se repete para a variável autoeficácia, que evidencia uma percepção dos pacientes de serem capazes de mudar este comportamento.

Ao final do seguimento, os pacientes do grupo intervenção apresentaram uma redução significativa no escore do hábito, estabelecendo uma relação entre ruptura do automatismo deste comportamento com um dos fatores ligados ao sucesso do planejamento das ações e de enfrentamento de obstáculos. Esses pacientes apresentaram também aumento na percepção de auto eficácia e intenção.

Estudos que mediram as variáveis psicossociais durante a implementação de uma intervenção para mudança de comportamentos são escassos. Os estudos de Agondi et al(56) e de Nunciaroni(57) observaram resultados semelhantes das mudanças nos escores das variáveis psicossociais para o comportamento de consumo de sal.

Ao elaborar os planos de ação e de enfrentamento de obstáculos, observou-se que os pacientes começaram a pensar em estratégias para mudar seu consumo de sal que pudessem ser realizadas em seu dia-a-dia, tornando os planos possíveis de ser realizados e a mudança efetiva, sendo essa a estratégia que passa de uma fase volitiva para a fase de implementação do comportamento alvo(61).

Os planos de ação mais descritos foram os relacionados ao uso de uma colher de chá como medidor para a utilização de até uma colher por dia por pesoa, à redução do consumo de alimentos ultra-processados e à cessação do uso de temperos prontos industrializados. Observa-se que foram elaborados muitos planos envolvendo a interrupção do consumo de alimentos ultra-processados em casa, mostrando o conhecimento dos pacientes sobre o alto teor de sal desses alimentos e a elevada frequência de seu consumo nos domicílios, corroborando com as evidências sobre a transição nutricional no Brasil e as orientações descritas no Guia Alimentar para a população brasileira(80, 178).

Os planos de ação elaborados mostram também uma mudança na rotina dos pacientes e de seus referentes sociais, ao implementar uma ação que rompe com o automatismo das ações habituais, neste caso, rompendo com a ação relativa à adição

de sal apenas com um controle visual, sem quantificar o uso deste nutriente durante o preparo das refeições.

Os obstáculos antecipados mais frequentes foram relacionados ao sabor ruim dos alimentos que os familiares ou as visitas poderiam encontrar, e as estratégias de enfrentamento mais elaboradas foram conversar e conscientizar os familiares sobre os riscos do consumo excessivo de sal e aumentar o uso de temperos naturais durante o preparo dos alimentos.

O desenvolvimento dos planos estimulou os pacientes a pensarem sobre trocas alimentares e opções de alimentos minimamente processados ou in natura, como por exemplo, a troca de linguiça e salsicha por carne moída e ovos, promovendo uma alimentação mais saudável de forma geral, levando em consideração, também, os preços semelhantes dos alimentos.

Os planos de ação e de enfrentamento de obstáculos elaborados pelos pacientes deste estudo (no contexto real da prática clínica dos enfermeiros) são similares aos desenvolvidos em estudos anteriores, em que os planos foram desenvolvidos pelos pacientes com o apoio dos pesquisadores, e não do profissional da prática clínica(120,143,179).

No que se refere à aceitabilidade, a maioria dos Centros de Saúde e potenciais enfermeiros se mostraram interessados em participar do estudo, entretanto a taxa de participação foi menor do que 50%. Resultados similares foram demonstrados por Yamazaki et al(180) durante um porgrama de treinamento em estudo de caso para técnicos de enfermagem.

Neste estudo, dentre os enfermeiros que terminaram o programa de capacitação, 75% implementaram a intervenção com os pacientes hipertensos, e estes enfermeiros reportaram em seus diários de campo que a formação e o suporte recebido pelo grupo de pesquisa e pela coordenação foram fatores facilitadores para a utilização e avaliação da intervenção na prática. Foi observada proporção de retenção dos pacientes mais elevada no grupo intervenção do que no grupo controle, apontando para a aceitabilidade positiva da intervenção diferente do cuidado usual, implementado pelo grupo controle.

Além disso, os pacientes participantes relataram estar satisfeitos com a experiência vivenciada durante a intervenção, mostrando a aceitabilidade da estratégias de ativação da intenção para reduzir o consumo de sal. Como evidenciado

em estudos anteriores, os pacientes referiram que não foi difícil propor os planos de ação e de enfrentamento de obstáculos(56, 57). Pacientes que avaliam intervenções como aceitáveis são geralmente dispostos a utilizá-las no dia-a-dia(181).

Neste estudo, os pacientes reconheceram, ainda, a importância de se reduzir o consumo de sal para níveis próximos ao aceitável, especialmente estenderam os planos propostos aos seus familiares, reduzindo gradativamente o consumo de sal, como recomendado por He et al(22) e ampliando o acesso ao comportamento alvo para além dos próprios pacientes, estimulando um estilo de vida mais saudável.

Os dados dos diários de campo mostram os pontos positivos da intervenção e da sua viabilidade vivenciada pelos enfermeiros, por meio de manifestações espontâneas, o que corresponde à avaliação da viabilidade da intervenção. O principal ponto positivo refere-se à percepção de que a intervenção é eficaz, melhora a qualidade da consulta de enfermagem e é de fácil aplicação. Resultados encontrados por Stacey et al(182) mostram percepções semelhantes entre enfermeiros que participaram de um estudo que objetivou avaliar uma intervenção na prática clínica.

Todavia, este estudo piloto identifica as barreiras para a implementação das estratégias de ativação da intenção na prática, uma fase essencial para guiar encontrar as soluções apropriadas e corrigir a intervenção para facilitar sua inserção na prática real(55). Além de identificar as dificuldades, sua resolução aumenta a fidelidade e a eficácia da intervenção quando aplicada na rotina clínica(183).

Uma barreira importante relatada pelos enfermeiros foi o aumento do tempo da consulta de enfermagem devido aos intrumentos de medida do consumo de sal e das variáveis psicossociais, e não à intervenção em si. Logo, um ponto que deve ser considerado em estudos futuros corresponde à exclusão das medidas das variáveis psicossociais, uma vez que seu potencial mecanismo de ação foi previamente demonstrado para este comportamento em populações semelhantes(56, 57). Entretanto, as medidas do consumo de sal devem ser consideradas, já que facilitam a compreensão do comportamento e da principal fonte de consumo de sal pelo paciente e enfermeiro e possibilita, ainda, a escolha da melhor intervenção a ser empregada pelo enfermeiro(44,184,185).

Estratégias para facilitar o preenchimento dos instrumentos em estudo futuro, evitar o aumento do tempo da consulta e manter a rotina da consulta de enfermagem

mais próxima da realizada atualmente na prática incluem um pesquisador externo para realizar a mensuração do consumo de sal, como descrito por Légaré et al(169).

Outros fatores complicadores descritos nos diários de campo foram a falta de tempo para recrutar pacientes, a sobrecarga de atividades devido à ausência de enfermeiros ou outros profissionais da equipe e atividades relacionadas à prevenção e controle de doenças transmissíveis como febre amarela, Zika e dengue, que mudam a rotina de trabalho dos enfermeiros. Como um estudo pragmático, esses problemas foram considerados, mas não esperava-se uma proporção elevada de interferência como foi observado. Abordagens para superação dessas dificuldades incluem discussões com a gestão sobre o papel do enfermeiro, a organização das agendas e o processo de trabalho nas unidades de saúde; adequação do protocolo da intervenção visando associar o seguimento proposto ao seguimento já estabelecido; aumento do período de coleta de dados nas unidades de saúde, objetivando o recrutamento de mais pacientes.

Um outro fator complicador para implementar a intervenção na prática foi relacionado à falta dos pacientes nas consultas agendadas, justificadas, por alguns enfermeiros, por problemas de saúde, esquecimento ou ausência de seguimento dos planos elaborados. Na prática real, as faltas acontecem, mas suas causas e frequência não foram exploradas neste estudo piloto. Estratégias que podem ser empregadas para evitar as faltas incluem discussões com a equipe de saúde sobre atividades a serem realizadas para quando o paciente não comparece, como por exemplo, uma abordagem multidisciplinar para reforçar a importância e data da consulta ou reservar parte da agenda para remarcar os pacientes que faltaram em consulta anterior.

Diferentemente do esperado, os contatos telefônicos não são factíveis na prática clínica. A literatura demonstra a potencial eficácia de intervenções envolvendo contatos telefônicos para implementar intervenções que visam mudanças de comportamentos, porém mais estudos são necessários para avaliar essa abordagem na prática clínica(186). Estratégias de reforço que podem ser utilizadas na atenção primária incluem a reavaliação de contatos telefônicos realizados por equipe multidisciplinar ou visitas domiciliárias pelos agentes comunitários de saúde.

Estudos que associam o consumo de sal ao aumento da pressão arterial e doenças cardiovasculares demonstram o quanto é fundamental e urgente a atenção

que deve ser empregada para se reduzir o consumo de sal da população em todo o mundo e, com isso, reduzir a obesidade, a hipertensão e outras doenças e agravos não transmissíveis, bem como promover uma alimentação mais saudável, tanto em nível populacional como em nível individual(16, 22, 128, 187, 188).

No Brasil, a redução do consumo excessivo de sal requer tanto a diminuição no teor de sódio adicionado pela indústria a alimentos processados ou ultra-processados quanto a redução na adição desse nutriente à preparações culinárias(178). No âmbito mundial também se reconhece o consumo excessivo de sal na população em geral e a Organização Mundial da Saúde afirma que a redução do consumo de sal pode ser considerada uma estratégia custo-efetiva para a redução das doenças não transmissíveis(5). Portanto, a escolha de estratégias testadas em ambientes reais da prática clínica podem se mostrar mais eficazes para mudar este comportamento.

Este estudo, como um ensaio clínico aleatorizado do tipo pragmático, identifica as barreiras para a implementação de uma intervenção baseada em teoria na prática real dos enfermeiros da atenção primária à saúde, propõe estratégias para a superação dessas barreiras a fim de ajustar a intervenção para a vida real, aumentando a viabilidade e as chances de implementação da estratégia de Ativação da Intenção para a redução do consumo de sal na prática clínica.

Devido ao pequeno número de participantes e do estreito tempo de seguimento, estudos futuros são recomendados envolvendo uma amostra maior e possibilitando a avaliação efetiva da eficácia da intervenção em condições clínicas reais e com um tempo maior de seguimento, a fim de acompanhar, também, a manutenção da mudança do comportamento e do potencial de perenidade da inclusão da intervenção na prática clínica.

Apesar disso, este estudo introduz na literatura uma abordagem que inclui gestão, enfermeiros e pacientes para propor, implementar e avaliar uma intervenção baseada em teoria para reduzir o consumo de sal entre hipertensos na prática clínica. A originilidade e singularidade apresentadas neste estudo contribuem para a compreensão dos fatores potencialmente envolvidos no gap entre a pesquisa e a prática clínica em enfermagem.