• Nenhum resultado encontrado

Paz, progresso e modernidade em México: su evolución social O discurso triunfalista do Porfiriato

Mapa 4 – Variações territoriais do México entre 1824 e

2. Porfirio Díaz, o arquiteto do México moderno A construção da imagem do presidente por escritores oitocentistas

2.2. Ethel Brilliana Tweedie: uma viajante inglesa no México

Para corroborar com a hipótese de que as produções representavam Díaz como o herói condutor da história nacional mexicana, analisaremos rapidamente alguns trechos do livro Mexico as I saw it, escrito em 1901 por uma viajante inglesa chamada Ethel Brilliana Tweedie. Como afirmou Riguzzi, a partir de 1880, muitos relatos de viagem e crônicas sobre o México foram produzidos205. Achamos importante mencionar o livro de Tweedie por ter sido escrito em 1901, ano em que México: su evolución social e a biografia de Díaz, escrita por Reyes, também estavam sendo produzidas. Em passeio ao México, a autora, através do olhar europeu, descreveu sua apreciação sobre o país e sobre o presidente – que, para ela, foi o maior homem do século XIX.

Tweedie, dentre as várias viagens que fez pelo mundo e registrou em relatos, entre 1900 e 1901 visitou o México e chegou a se reunir com o presidente Díaz206. Seu

205 “En la forma tradicional de la crónica o del relato de viaje, en 1880 fueron publicados en Canadá A Trip to Mexico, en Nueva York A Birdseye Virw of a Trip to Mexico, en el 82 en Londres A Flight to Mexico; en México, en 1883, aparecía la Guía del viajero mexicano, mientras en París, en 85-86 aparecían Voyage au Mexique, Un parisiene au Mexique y Mexique souvenirs et descriptions; otra vez en Nueva York en 1887 Face to Face with the Mexicans.” (RIGUZZI, 1988, p. 142).

206 Dois dos exemplos das obras da autora, quando de suas viagens, são A Girls Ride in Iceland (1894) e Through Finland in Carts (1897).

livro foi publicado pela editora de Londres Hurst and Blackett e, logo em 1902, teve uma segunda edição publicada pela The Macmillan Company, uma filial em Nova Iorque da famosa Macmillan Publishers londrina. Tweedie destinou um capítulo para falar do presidente, seu caráter e seu governo. Ao analisarmos a documentação usada pela autora, vimos que ela também utilizou fontes oficiais mexicanas, principalmente as escritas pelos Ministérios do país. É importante destacar que as fontes usadas em seu capítulo sobre Díaz foram as do governo mexicano, ou seja, fontes oficiais. Documentos que foram reproduzidos no capítulo 8 de seu livro, intitulado “General Porfirio Díaz, presidente of Mexico”. A partir das informações registradas no livro, inferimos que a autora, para construir seu conhecimento sobre o México e sobre o presidente, teve contato com essa narrativa oficial construída pelo porfirismo e explicada acima. Como afirmou Paolo Riguzzi, as Secretarias do governo, principalmente a de Fomento, tinha uma produção editorial destinada a falar sobre as riquezas mexicanas e sobre a importância do presidente. Muitas dessas literaturas laudatórias saíam em versão trilíngue para aumentar a circularidade das informações entre os indivíduos207.

No início do livro, a autora explicou a situação conflituosa por que passou o país antes da ocupação do general à primeira magistratura. É interessante perceber que uma narrativa que destacou o desajuste e os conflitos do passado nacional também foi mobilizada de maneira semelhante pela viajante. Embora não tenha gastado grande parte do capítulo para explicar os acontecimentos anteriores a 1876, fossem as intervenções estrangeiras, as guerras civis ou o conflito entre Estado (poder temporal) e a Igreja Católica (poder religioso), a autora não deixou de enfatizar o assunto. Escreveu logo no primeiro parágrafo do capítulo que narrou a trajetória de Díaz,

I WENT to Mexico inspired with profound respect and admiration for General Porfirio Díaz, a man who ascended a throne – so to speak – when revolution was in the air, murder of daily occurrence, property unsafe, and universal riot reigned supreme. It was not, however, until I had met him and spent some time in his company, not until I had lived several months in Mexico, that I fully realized the extraordinary ability of its President. (TWEEDIE, 1902, p. 116).

207 Explicou Paolo Riguzzi, “La producción editorial de la Secretaría de Fomento incluía tratados técnicos, agrícolas y comerciales, también vehículos para el elogio y la celebración de las riquezas mexicanas y de la obra de Díaz que permitía su más amplio aprovechamiento. Trabajos como el ya citado "Cuadro" del geógrafo oficial del porfiriato García Cubas estaban específicamente dirigidos a esta función. Al grado que el "Cuadro" destinado a la Exposición de New Orleans y seguido después en el 87 por un Atlas Histórico Geográfico trilingüe, había sido promovido por el mismo Díaz y supervisado por expertos nombrados por él.” (RIGUZZI, 1988, p. 143).

O cenário que descreveu Tweedie ao se referir ao México antes de 1876 também é caótico: existiam “assassinatos ocorrendo diariamente por todo o país, as propriedades eram inseguras e a desordem universal reinava suprema”. Novamente, a narrativa de um país marcado pela anarquia geral. Ao longo do capítulo, a autora escreveu que o México passou por problemas com a França, os Estados Unidos e, internamente, viveu um grande conflito político. Os indivíduos lutavam uns contra os outros, não havia ordem. Em cinquenta e nove anos existiram cinquenta e dois presidentes, fato que, para Tweedie, dispensava explicações, tamanha a fragilidade política. Sua descrição foi construída de uma forma que induzia o leitor a imaginar os acontecimentos pretéritos. O artifício “dispensar explicações” fazia com que a própria conjuntura passada saltasse aos olhos e falasse por si mesma no presente, mostrando a desestrutura dos governos anteriores. O diagnóstico a que a autora chegou foi o de que o país estava ingovernável, “the country was heavily in debt, and probably no land has ever been less safe for human life, or more unsettled than Mexico about the middle of the nineteenth century.” (TWEDIE, 1902, p. 121). Para ela, na metade do século XIX, o país era o lugar mais inseguro para se viver de todos os países. Diante de tantos conflitos, o México havia se tornado um lugar exótico, pitoresco – ou seja, um país fora do centro, que vivia às margens em relação às grandes nações –, o lugar das guerras. México, aos seus olhos, necessitava de um indivíduo forte, que guiasse a nação e a conduzisse a um futuro civilizado. Em paralelo à explicação sobre o passado mexicano, cada vez mais Díaz foi emergindo na narrativa como um grande soldado que combateu no Exército nacional para salvar seu país e transformá-lo em um lugar seguro para se viver. A viajante enfatizou a popularidade que Díaz foi adquirindo após a vitória, em 1867, contra o governo de Maximiliano.

Não podemos deixar de mencionar que Tweedie interpretou a conjuntura mexicana a partir de seu olhar estrangeiro e europeu. Durante sua formação, ela estudou no Queen’s College, fundado em 1848 por Frederick Denison Maurice, professor do tradicional King’s College. Ao falar da eleição de Díaz para o cargo de presidente, percebemos como ela também mobilizou o arquétipo oitocentista do grande herói que liderava a nação. Tweedie, de forma poética, descreveu em seu livro a entrada do presidente na capital mexicana logo que este assumiu a presidência: diante de sua imagem imponente de governante, a população ficou hipnotizada e se tornou sua adepta,

respaldando, assim, sua administração. Novamente, percebemos a recorrência da imagem do herói agraciado e apoiado pelo povo:

The crowd cheered; the crowd hissed; the multitude fought amongst themselves, but on he rode, only pressing his lips closer together. His entry was so powerful, so masterful, that many who had previously been against him were hypnotized by the manner of the man, and from that moment became his devoted adherents. (TWEEDIE, 1902, p. 122).

Para ela, quando Díaz se tornou presidente, a multidão aplaudiu. Sua entrada foi tão poderosa e magistral, que todos ficaram hipnotizados. Percebemos nessa imagem um divisor de águas: o herói, em seu cavalo, entrou triunfante na capital e, a partir desse momento, o destino do México tomou novos rumos. Mais uma vez vemos o discurso da transformação nacional. Díaz, situado entre os tempos, acabou com o caos desmedido. Diante de um México desorganizado, o oaxaqueño precisava governar com ímpeto para gerar estabilidade a um país devastado208. Ou seja, como percebemos também em outros autores que escreviam à época, a rigidez de um governo era necessária para erguer uma nação dos escombros de uma guerra civil – para lembrar os dizeres de Justo Sierra. Destacamos que a forma de um governo e a medida do poder do presidente eram validadas e justificadas em comparação com o passado nacional. E, além disso, validadas a partir de exemplos da História. Citamos:

Díaz was a soldier, living an arduous military life, at a time when Mexico had sixteenth century ideas, and was ruled by a Church despotism, reminiscent of the middle ages, but Díaz was a wonderful man. He shook himself free from the trammels of the past, and carved out a development for himself, and a future for his country. It was as a general of the army he declared himself President of the Republic, although of late year it is not, perhaps, so much as a military despot, but rather as a diplomatic ruler that he has reigned. (TWEEDIE, 1902, p. 138).

Na passagem acima, novamente percebemos que o México pré-Díaz se assemelhava a outras conjunturas do passado. O exemplo era mais uma vez a Idade Média, como também escreveu Díaz Dufoo em México: su evolución social. No pujante século XIX, o país se via anacrônico, retrógrado. Essa configuração mudou quando Díaz

208 Escreveu Tweedie: “The new President soon swept out General Lerdo’s troops; He shot outlaws, deserters and rioters whole-sale, and began his military sway with an iron hand, the only possible mode of governing such a country. He knew his people. Was he not one of them? He knew the way to rule was to clear the land of bandits and revolutionist, to sweep away the ringleaders, and then control the remaining populace. The people feared him, they knew his strength, they felt his power. Only a quarter of a century later they had learnt to love him and were led by a silken cord.” (TWEEDIE, 1902, p. 123).

“se libertou desse passado e esculpiu um futuro para seu país”, construindo o México moderno. Para Tweedie, o general combateu os bandidos, gerou estabilidade e paz, além de tornar o México um país moderno, “thus he started a new rule and a new life for old Mexico, the birth – so to speak – of Modern Mexico, of which he may well be proud” (TWEEDIE, 1902, p. 122). Sob Díaz, nascia um novo México: o México moderno. O velho México, marcado por guerras e perturbações, desajustes e decadências, ficara no passado, afirmou. O país se abria para o futuro. Como escreveu,

He has slowly and steadily risen to power and respect, risen from a country lad to be one of the greatest Dictators the world has known. As a soldier he has quelled war and established peace. As a ruler he has made a country – formerly insecure even to its own inhabitants – safe for all. As a diplomat he is at peace with the world. He has paid enormous debts and created solvency – now even developing into wealth – in Mexico. (TWEEDIE, 1902, pp. 123-124).

Na passagem acima, percebemos duas questões importantes de serem analisadas. A primeira, refere-se justamente a este discurso de pacificação do México sob o governo de Díaz. O discurso da pacificação do país durante o Porfiriato se tornou, como vimos, central para a maioria dos autores – tanto estrangeiros quanto nacionais – e fez com que essa imagem turbulenta do México anterior a 1876 legitimasse o porfirismo e as ações do presidente. Além disto, segundo ponto a ser considerado, percebemos que a autora se referiu ao presidente como “ditador”. Para ela, o México necessitava de uma liderança firme; como também pontuaram Sierra e Reyes; o povo precisava ser guiado. O presidente somente conseguiria gerar estabilidade, paz e progresso com pulsos fortes. Como a própria autora argumentou, sob o governo do general, o México se viu nascer moderno. Novamente vemos o discurso da mudança, do novo, da transformação. Para a autora, a anarquia fazia parte do passado e não mais do presente mexicano. O futuro da nação deveria ser glorioso, devido à estabilidade e à paz conquistadas pelo presidente. A nação, antes o lugar da guerra e do pitoresco, entrava no cenário dos países civilizados. Em comparação com grandes estadistas, Díaz, segundo Tweedie, destacou-se como o maior homem do século XIX. Escreveu:

Has any other man in the nineteenth century done as much? We have had Napoleon, no doubt a greater despot; a Moltke, a greater soldier; a Beaconsfield, a finer politician; a Talleyrand, a greater diplomatist; but has any man of humble origin, practically self-educated, raised himself to such a position, and brought his country from battle and murder to peace and prosperity, and still ruled? (TWEEDIE, 1902, p. 124).

Novamente a História servia de comparativo: Tweedie se referiu a grandes personagens da Europa do século XIX. Os exemplos franceses foram Napoleão (como Sierra também mencionou), grande estadista francês do início do oitocentos e o diplomata Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, Primeiro-ministro francês após a Restauração. Também foram citados Helmuth von Moltke, que participou do Exército da Prússia à época da Unificação Alemã e Benjamin Disraeli (conde de Beaconsfield a partir de 1879), importante político britânico. É válido destacar que todos eles foram homens do império, da força bélica, personagens que conduziram sua nação e fortaleceram o Estado, transformando-as em potências. A própria viajante explicava em outras páginas,

Díaz has been the architect and builder of modern Mexico, and so well has he done his work, it is extremely unlikely that anyone will undo it. The country has been at peace for over a quarter of a century, everything has improved, and the men who have helped the President have learnt from him the art of government. (TWEEDIE, 1902, p. 137).

Na citação acima, Tweedie usou as palavras “arquiteto” e “construtor”, dando- nos a ideia de que realmente Díaz edificou um país moderno. Ao visitar o México e ver tudo o que aconteceu, ela acreitava que a paz e a modernidade eram tão sólidas que o passado caótico não se repetiria nunca mais presente. A estratégia argumentativa do “estar no país” e “ver de perto” as transformações, como uma testemunha ocular atenta, davam autoridade às suas afirmações frente ao público leitor. Para ela, o México progredia, indústrias e estradas de ferros foram criadas, os egressos e ingressos monetários estavam equilibrados e, cada vez mais, o país ganhava prestígio internacional: “Díaz has proved capable in every issue. The wheels of state are well oiled; his regime is acknowledged by the entire world to be a success.” (TWEEDIE, 1902, p. 138). A fama do general era conhecida em todo o mundo, dizia. Para Tweedie, o México estava em paz. Inicialmente, era legítimo que Díaz governasse com medidas incisivas, devido à conjuntura interna do país, mas, posteriormente, tais medidas não seriam mais necessárias. Como Sierra, Tweedie interpretou a concentração de poderes na mão do presidente como uma atitude passageira. A dureza inicial de seu governo não impediu, segundo a inglesa, que a população respaldasse seu governo. O povo validava sua presidência. Díaz era aclamado.

Nosso objetivo não foi explorar profundamente o livro de Tweedie, mas inferir que essa produção oficial, porfirista e até mesmo propagandista, além de traduzir um cenário nacional, buscava criar uma realidade que firmasse o México entre as grandes nações. Havia usos políticos e da história que geravam determinadas compreensões sobre

o presente, sobre o governo. Como vimos no Capítulo 1 da tese, o porfirismo se valeu do tempo histórico nacional como uma estratégia política. A seleção de fatos, conteúdo histórico, conceitos e molduras narrativas deveriam produzir sentidos que causassem efeitos nos consumidores desses livros, ensaios e obras. Como afirmou Paolo Riguzzi,

Por lo que se refiere a formas y contenidos, la literatura promocional abarcaba una variedad de géneros que iba desde la crónica de viaje a estudios geográficos, agrícolas y mineros, así como compendios históricos que hacían culminar en el porfiriato el ciclo evolutivo de la nación, prospectos económicos e informes comerciales y financieros. Pero la forma consistía en una síntesis que actualizaba y apuntaba la nueva situación mexicana, poniendo de relieve el “Mexico as it is” contrapuesto al “Mexico as it was”. (RIGUZZI, 1988, p. 142).

Compreender as recorrências discursivas, a circularidade das informações, os fatos escolhidos, exaltados e marginalizados, silenciados, nessas produções aqui analisadas, é muito importante para pensarmos os argumentos que legitimaram um governo que teve 31 anos de duração. No Capítulo 3, veremos que autores que censuravam a administração do general e as várias reeleições do presidente interpretaram o passado a partir de uma outra forma e resgataram a imagem de Benito Juárez como o Benemérito da Nação para enfraquecer a de Díaz, rompendo com a construção da genealogia liberal mencionadas nos Capítulos 1 e 2.

A proposta que deixamos para uma pesquisa futura, mais aprofundada, é estudar como escritores estrangeiros também mobilizaram e utilizaram as próprias Memórias e diários de Porfirio Díaz. Reyes e Tweedie leram, mencionaram e utilizaram os escritos do presidente209. A autora mencionou as Memórias e os diários de Díaz em uma nova edição de Mexico as I saw it, publicada em 1911, após a eclosão da Revolução Mexicana. A editora responsável foi a Thomas Nelson & Sons, original de Edimburgo e com filial, à época, em Londres, Dublin e Nova Iorque. Tweedie revisitou seu livro e escreveu um Apêndice, reafirmando a importância que Díaz tinha para o México. Durante o doutorado, não cotejamos as edições, pois não foi o foco da pesquisa, mas após a leitura de ambos os exemplares, vimos que Tweedie afirmou em 1911, em um acréscimo na edição de 1902: “A few minutes after our arrival the President himself walked in. How little I then

209 James Creelman também citou as Memórias de Díaz. Sobre ele falaremos no Capítulo 3. James Creelman: The author has had the advantage of many extended conversations with President Díaz and the other leading men of the Mexican republic. Much has been drawn from the President’s private memoirs. Many books and records have been searched and many parts of Mexico visited. All financial statements are to be understood as in Mexican currency. (CREELMAN, 2011 [1911], p. VI).

dreamt I should write his life from his diaries and letters five years later210. (TWEEDIE, 1911, p. 141 - grifo nosso). Em 1906, a inglesa publicou pela mesma Hurst and Blackett londrina, outro livro sobre o presidente, intitulado Porfirio Díaz, seven times President of Mexico. Não investigamos os usos da memória de Díaz nos trabalhos da viajante; deixamos como proposta um estudo que mapeie tais leituras nas obras de autores estrangeiros, pensando a hipótese de que estes indivíduos representaram o passado mexicano a partir, também, dos relatos realizados pelo próprio Díaz, já que suas Memórias narraram a época em que ele foi militar, combatendo grupo conservadores no país em várias batalhas.

3. O discurso do triunfo mexicano e os indígenas vistos como a face do