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O tempo histórico nacional como estratégia política em México: su evolución social

Paz, progresso e modernidade em México: su evolución social O discurso triunfalista do Porfiriato

1. O tempo histórico nacional como estratégia política em México: su evolución social

Na segunda parte do volume I, contido no primeiro tomo, Justo Sierra escreveu sobre a “História política” mexicana, desde o período pré-hispânico até o início do século XX. Se analisarmos a própria estrutura do capítulo, contida no índice geral de tomos, o vocabulário usado pelo autor nos indica sobre a compreensão do passado: é a partir da independência, principalmente após a proclamação da República (1824), que começa o período qualificado por ele de “Anarquia” nacional. Sierra escreveu sobre todos os principais conflitos em que o país esteve envolvido: a Guerra contra o Texas, a Guerra dos Três Anos, a Intervenção francesa, entre outros. Ele chegou a explorar várias camadas do passado; começou explicando o período pré-hispânico e as mudanças ocorridas no território a cada etapa. Entretanto, a ênfase foi dada à história independente, nacional, principalmente aos conflitos civis e internacionais.

Percebemos que, como também apareceu nos discursos de Díaz ao Congresso, as chaves de entendimento para se compreender e sintetizar a condição do México após a proclamação da República, foi a “anarquia” e o “caos”. Havia, na história nacional, um desajuste que começou com a independência e perdurou por décadas: no passado, o México não teve um período de paz em que pudesse se erguer como um país forte. Valendo-nos das propostas de Francisco Sousa, que utilizou a expressão “moldura

narrativa”, percebemos nos documentos analisados que “anarquia” e “paz” foram molduras narrativas ativas para se pensar e sintetizar o passado e o presente nacional171. “Assim como uma moldura destaca a pintura de tudo o que a cerca, concentrando o olhar apenas em seu interior, um evento é como uma cena, ele depende de algo que lhe é exterior e pelo qual se destaca do passado assumindo uma identidade (SOUSA, 2015, p. 215). Como veremos, os autores mencionados nesse capítulo, tinham uma compreensão similar sobre o passado, interpretado como ruidoso. E, nesse sentido, “anarquia” e “paz” foram molduras que orientaram a maneira de se entender a vida política. Vejamos, agora, como isso apareceu nas fontes.

Sobre a transição da Monarquia de Agustín de Itúrbide à República federal, Sierra afirmou:

El Congreso pulsó bien el estado anárquico del país y trató de apresurar la promulgación de las bases de la federación, aun antes de la Constitución definitiva, con el objetivo de apaciguar el ardor y la vehemencia de las reclamaciones del partido triunfante. El remedio resulto sólo un paliativo; el mal era profundo: síntoma de él fue la asonada militar en que tomó parte la guarnición de México, acaudillada por el coronel Lobato, que denunció luego como instigadores suyos á Michelena mismo, que intrigaba en el poder ejecutivo por desembarazar de obstáculos el camino de la ambición, y al brigadier Santa Anna, que se hallaba procesado por una tentativa de revolución federalista. (SIERRA, Justo, Tomo I, Parte 2, História Política, Federación y Militarismo, p. 172).

Logo no início da vida independente do México, no processo de transição entre as formas de governo – Monarquia e República –, o autor explicou que o país estava imerso em um “estado de anarquia”. Para ele, a conjuntura era tão crítica, que essa desordem estava enraizada no solo mexicano: com raízes grossas, longas e bem fixadas, “o mal era profundo” e não superficial/pontual, ou seja, não era algo que pudesse ser cortado através de alguma medida política. Para ele, o Congresso, na tentativa de reverter essa situação e apaziguar os ânimos das várias facções, tentou legitimar a República antes mesmo que a Constituição de 1824 fosse promulgada; mas tal medida apenas funcionou como uma ação paliativa e, novamente, a conturbação nacional se fez presente. Nessa passagem,

171 As ideias de Francisco Sousa, principalmente em relação ao que ele chama de “molduras narrativas” foram muito importantes para iluminar nosso problema de pesquisa. O autor pesquisou sobre a história do Brasil no século XIX, mas podemos pensar o México a partir das questões que ele mobiliza em sua produção. Ver, principalmente, SOUSA, F. “Revolta e proclamação como molduras da história: escrita da história e olhares para a República entre os sócios do IHGB.”. In: História da Historiografia, Ouro Preto, n. 18, ago 2015, pp. 213-230.

novamente percebemos que os adjetivos utilizados para qualificar o passado nacional foram negativos: “anárquico”, “maléfico”, etc. A sensação causada era a de um passado desorientado, desajustado, ruidoso. Sierra descreveu em detalhes a ebulição política pela qual passou a jovem nação, citamos mais um trecho do capítulo:

La administración del general Guerrero nació muerta172; para poder legitimar su usurpación por medio del asentamiento del país y de la adhesión del ejército, se necesitaba tener un programa muy sencillo y marchar a su realización con una energía y cordura superiores; ni así probablemente habría logrado gran cosa: la transición entre el gobierno colonial y el gobierno propio había sido tan brusca, tan poco preparada por los hábitos políticos y sociales, había removido tanto elemento de desorden y anarquía, había creado tantas energías facticias, sublevado a cada paso tal tumulto de descontentos y encendido tantos odios, que debían pasar años y años antes que el temblor de tierra cesase y la república adquiriese asiento por medio de la transformación radical de su modo de ser económico. El mal estaba en las cosas y era inevitable; para hacerse caso de la relativa bondad de los gobiernos que se sucedieron en México después del funesto pronunciamiento de la Acordada, es preciso aplicarles ese criterio: ¿hasta qué punto aumentaron o atenuaron y neutralizaron los males de una situación incurable? (SIERRA, Justo, Tomo 1, Parte 2. Historia política, Federación y Militarismo, p. 178).

Mais uma vez percebemos um tom pessimista na interpretação de Sierra. A tensão entre conservadores e liberais era tão latente que minava qualquer tentativa de ordem e de paz nacional. Para o autor, a presidência de Guerrero foi frágil e já nascera com a aparência de morta. Uma presidência que emergiu pelos modos errados, pois dia 01 de abril de 1829, Guerrero, António Lopez de Santa Anna e outros aliados, promoveram um golpe de Estado contra o presidente conservador eleito: Manuel Gómez Pedraza. Por mais que Guerrero dispensasse grandes somas de energia pelo país, organizar a nação era uma medida quase impossível aos olhos de Sierra, ação relegada ao futuro e não ao presente. Como no primeiro trecho selecionado, este segundo também postergava a ordem ao futuro: “deviam passar anos e anos” até que a República, de fato, se organizasse. A forma do futuro era desconhecida, anuviada pelo caos. “O mal estava nas coisas e era inevitável”: novamente vemos uma condição de imutabilidade, em que não se abria espaço a mudanças na narrativa de Sierra. Este, ao escrever entre 1900 e 1902 e ao voltar os olhos para o pretérito, mostrava que o destino do México durante o século XIX estava fadado aos conflitos, as crises e às guerras. O ponto central que analisamos é: como esse

172 Vicente Guerrero (1782-1831) foi o segundo presidente mexicano, assumindo a primeira magistratura no ano de 1829. Seu governo durou, como vimos no Capítulo 1, poucos meses.

passado, a utilização dessa moldura narrativa que era a “anarquia” e que sintetizou a história nacional da primeira metade do século XIX, fundamentou, legitimou e deu validade à vida política no presente. Para o escritor, a anarquia era tão axiomática que estava enraizada na sociedade: era o mal inevitável. É importante destacar que a metáfora arborescente de “raiz” foi recorrentemente utilizada e vinculada à ideia de “mal” e de “anarquia”.

Em seus escritos, Sierra não vislumbrava a cura para esse mal constante, que insistia cada vez mais em se manter no território. É importante apontar que o uso desse vocabulário político para qualificar a história do México não foi exclusiva de Don Justo. Na parte 8 do Tomo I, por exemplo, ao escrever sobre a evolução dos municípios ao longo da história no país, Miguel Macedo retomou essa mesma conjuntura e moldura descrita pelo campechano. Escreveu: “Así se cerró el primer período de nuestra historia. La era de calma y tranquilidad mecánica que él régimen colonial había mantenido como bien supremo, iba a concluir, e iba ya a abrirse el período de las agitaciones y revueltas (…)”. (MACEDO, Miguel S., Tomo I, Parte 8, El Municipio, p. 672).

Miguel Macedo foi um destacado advogado mexicano e um dos fundadores da Escuela Libre de Derecho, localizada na capital. Durante cinco anos, entre 1906 e 1911, ocupou o cargo de Subsecretário de Governação. No índice de tomos, ao qualificar o período pós-independência, Macedo também utilizou os termos “anarquia” e “efervescência política”. Para mencionar o governo de Díaz, utilizou a expressão “República constituída”. Para ele, 1821 e, principalmente, 1824, marcaram o início das “agitações” e das “revoltas”, cessadas apenas a partir de 1876, em que a República passou, de fato, a ser, formada, constituída. Os argumentos e adjetivos possuíam um lugar comum entre escritores que harmonizavam com o porfirismo. Na leitura dos documentos, percebemos estruturas semelhantes e recorrentes de interpretação do passado e do presente. Voltando às explicações de Sierra, após mencionar os conflitos iniciais do país, o autor ponderou sobre a Guerra entre México e Estados Unidos, principalmente no que tange à questão do Texas. O ano narrado foi 1848:

En ninguna parte se hacía sentir apenas la acción del gobierno [mexicano]; cada entidad federalista era dueña de sí misma, y al pacto federal sustituido de hecho una especie de confederación de repúblicas insolventes. Constituir un centro, reorganizar un poder capaz de volver la cohesión al país, en mejores condiciones para ello, después de la guerra (que disminuyendo en más de la tercera parte el territorio, había

facilitado al centro la tarea de fortificar su radio de acción), aprovechar el dinero de la indemnización americana, no sólo para vivir, sino para regenerar la hacienda pública, clave de la estabilidad política; tal era en sus rasgos más acentuados la misión que tocaba desempeñar al hombre de ideas progresistas, de probidad inmaculada y de energía demasiado desleída en benevolencia, que era el general Herrera.

En 12 de junio de 1848 abandonaran la capital de la República los invasores y la ocupó el gobierno nacional, rodeado de los prohombres del partido liberal de gobierno, de los que creían que las reformas deberían de ser muy lentas y por medio de transacciones sucesivas para evitar la lucha civil; las resistencias mostraron que este programa era irrealizable. (SIERRA, Justo, Tomo I, Parte 2, La Reforma, Reorganización y reacción, p. 226).

Após a independência, o México chegou a ser o país mais extenso da América hispânica. Amplo, mas sem organicidade entre as províncias, ainda no governo de Itúrbide, o Texas foi concedido ao banqueiro norte-americano Moses Austin para ser colonizado. Trezentas famílias da antiga Luisiana espanhola migraram para a localidade e, ao longo dos anos, o número de colonos norte-americanos teve um crescimento exponencial, ultrapassando o número de mexicanos residentes na região173. Com a abdicação de Itúrbide e a proclamação da República, o Texas não sofreu grande impacto, mas, em 1824, resultado da anexação ao estado nortenho de Coahuila pela Constituição de Cádiz, a província começou a perder a autonomia política que até então havia adquirido174. Por conseguinte, além da referida anexação – Texas-Coahuila, como ficou conhecida –, a maioria dos colonos texanos procedia da região sul dos Estados Unidos que, antes da Guerra de Secessão, era escravista175. Em 16 de setembro de 1829, sob a presidência de Vicente Guerrero, a escravidão foi abolida em toda a República mexicana e tal medida causou grande mal-estar para os colonos da província, advindos das regiões escravocratas do vizinho do Norte.

Outro fator que corroborou com a insatisfação dos moradores do Texas, além das medidas mencionadas acima, foi a lei expedida em 1830 por Anastasio Bustamante, presidente do país neste ano. A nova lei federal de colonização enrijeceu a política sobre colônias, outorgando que elas fossem controladas pelo Estado – anteriormente, muitos empresários tinham autonomia na região, principalmente os provenientes dos EUA.

173 Sobre a história detalhada da ocupação do Texas ver: GONZÁLEZ, Luis. “El período formativo”. In: COSÍO VILLEGAS et al. Historia mínima de México. Cidade do México: El Colegio de México, ed. 1994, p. 103.

174 Para um aprofundamento sobre a historiografia da colonização e da independência do Texas ver: ZORAIDA VÁZQUEZ. Los primeros tropiezos. COSÍO Villegas, Daniel. et al. Historia general de

México. Cidade do México: El Colégio de México, 2000.

Também foram implantadas aduanas e fortes de segurança, medidas que resultaram na eclosão de um conflito local contra as medidas federais. Em 1833, o Texas conseguiu firmar um acordo de separação de Coahuila e, em 1836, após a derrota das tropas de Antonio Lopez de Santa Anna, a província tornou-se independente do México, sendo, em 1845, incorporada ao território dos Estados Unidos.

Com a anexação do Texas pelos norte-americanos, os mexicanos esperavam que a extensão territorial de seu país chegasse até as margens do rio Bravo (rio Grande) e não até as margens do rio Nueces, limite inicialmente reconhecido. Os problemas de fronteira fizeram com que um novo conflito fosse gerado. Os norte-americanos invadiram o país, medida que durou até 1848, ano em que se firmou o Tratado de Guadalupe176. Com o resultado do Tratado, o governo mexicano perdeu, além do Texas, também as regiões de Nuevo México e a Nueva California, ou seja, mais de cinquenta por cento de seu território. Nas palavras de Luis González, os indivíduos caíram em um sentimento pessimista e temeroso, os conflitos internos e externos ganhavam espaço nas obras de intelectuais, causando grande preocupação177. Para eles, após vinte e sete anos de independência, o México ainda sofria com os eventos turbulentos que abalavam sua vida política, social e econômica.

176 Tratado de paz entre México e Estados Unidos, colocando fim à Guerra.

177 Para um aprofundamento sobre os conflitos mexicanos ao longo do século XIX ver: GONZÁLEZ, Luis. “El período formativo”. In: COSÍO VILLEGAS et al. Historia mínima de México. Cidade do México: FCE, ed. 1994.