• Nenhum resultado encontrado

1.2. Abordagens corporais utilizadas no processo de ensino-aprendizagem da

1.2.4. Eutonia

Gerda Alexander nasceu em Wuppertal, Alemanha, em 1908. Aos sete anos começou a ter aulas de piano e de rítmica com Otto Blensdorf, um aluno de Jacques Dalcroze, e desde essa época já estava decidida a ser bailarina profissional. Tendo sido educada de acordo com os princípios da rítmica25, Gerda passou a se interessar desde muito cedo pelo estudo do movimento e aos 14 anos já era professora assistente de várias escolas baseadas no método Dalcroze.

Desde seus primeiros anos de vida, Gerda teve uma saúde precária. Tinha constantes crises alérgicas, alimentares, respiratórias e também crises hepáticas. Com 16 anos, após vários episódios de febre reumática, contraiu uma endocardite e foi proibida pelos médicos de realizar qualquer tipo de movimento. Assim, teve que aprender a se movimentar usando um mínimo de energia e desistir de seu sonho de ser bailarina. Mas seu interesse pelo movimento lhe deu forças para continuar seus estudos de rítmica e, em 1929, formou-se professora de Rítmica e Movimento na Hochschule für Musik em Berlim.

Segundo Gerda, durante seus anos de aprendizado, observou que

quando se tem uma noção clara do que se quer fazer, o organismo reage de forma reflexiva, utilizando exatamente a quantidade certa de energia, com o nível correto de tônus26 necessário para executar o seu objetivo, desde que os

músculos sejam flexíveis e não estejam inibidos pelas tensões habituais. [...] Sublinhava-se a importância do relaxamento. [...] Logo percebi que fazer coisas de maneira relaxada, como se costumava dizer, era uma estupidez. Qualquer movimento que fazemos – em nossas atividades diárias, em qualquer lugar – requer certa quantidade de energia. A idéia de fazer trabalhar somente os músculos diretamente envolvidos no movimento, enquanto os outros permanecem relaxados, é equivocada: os músculos relaxados têm um tônus demasiadamente baixo e ficam pesados, dificultando a ação dos que trabalham. O relaxamento é perfeito para descansar, mas para

24

Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o termo proprioceptivo se refere ao que é “capaz de receber estímulos provenientes dos músculos, dos tendões e de outros tecidos internos” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1563).

25Seus pais haviam se conhecido por intermédio do seu professor de rítmica e, admiradores desta escola, decidiram que seus filhos seriam educados de acordo com seus princípios.

26Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o termo tônus está ligado à fisiologia e significa “estado de excitabilidade do sistema nervoso que controla ou influencia os músculos esqueléticos” ou “estado normal de elasticidade e resistência de um órgão ou tecido” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1854).

mover-se é preciso encontrar um tônus adequado, ajustado exatamente a cada situação (GAINZA, 1997, p. 22-23).

Essa constatação aliada ao fato de observar que, geralmente, em sala de aula, os alunos tendiam a imitar o movimento do professor em vez de buscar a sua própria forma de mover-se, fez com que Gerda chegasse à conclusão de que era necessário ensinar aos alunos algumas leis básicas do corpo para que, através desse conhecimento de si mesmos, eles pudessem encontrar suas características individuais de movimentação.

Fico maravilhada em pensar na riqueza de variações que seriam possíveis se cada um se expressasse de um modo pessoal baseando-se nas leis do movimento, na gravidade, na antigravidade e sua manifestação no espaço. Durante meu ensino prático, percebi que raramente encontramos pessoas que realmente sentem o seu corpo e, também, que raras vezes sabem o que estão fazendo. [...] Compreendi, então, que o mais importante era estar consciente do que se estava fazendo. Em seguida, observei que poucos professores de ginástica e rítmica eram verdadeiramente conscientes de seus corpos: quadris, pernas, costas, ombros etc. Consciência no impulso e no movimento. Para recuperar a consciência é preciso estar muito atento ao que se faz e sentir: “agora estou fazendo tal ou qual coisa”. Ainda que não tenha sido feita muito corretamente, tenho que saber como estou procedendo e o tratamento que devo ministrar (GAINZA, 1997, p. 26).

Assim, a partir dessas observações e de estudos, inclusive, sobre a conduta corporal dos animais, Gerda Alexander cria, em 1957, a Eutonia27

para expressar a idéia de tonicidade muscular harmoniosamente equilibrada e em constante adaptação, em justa relação com a situação que se vive ou atividade que se desenvolve. [...] A eutonia desenvolve o corpo e a imagem corporal até alcançar uma consciência mais plena e um conhecimento mais completo do corpo. Inclui não somente o controle da postura, a distribuição do peso, o controle do tônus e das funções musculares como também a consciência e o controle de processos semiconscientes e inconscientes como a circulação e a regularização do sistema neurovegetativo autônomo (ALEXANDER, 1997, p. 129) 28.

A Eutonia, portanto, tem como temas essenciais o tônus muscular e sua flexibilidade. Objetiva criar no aluno a condição de perceber-se e sentir-se conscientemente, nas mais variadas posturas e gestos, aprendendo qual a quantidade de energia necessária para cada movimento e como reagir de forma espontânea e criativa aos diversos estímulos do meio ambiente. Todo esse processo se evidencia pela auto-observação, na qual o aluno é estimulado a perceber primeiramente todas as sensações da superfície da pele, que é resgatada em suas

27 Do grego eu = bom, justo e harmonioso e do latim tônus = tônus, tensão.

28Citação retirada do Apêndice do livro Conversas com Gerda Alexander de Violeta de Gainza intitulado “Eutonia significa equilíbrio de tensões”, que transcreve uma entrevista realizada por esta autora em 1982.

funções de “reguladora das funções neurovegetativas na interação com o meio ambiente”, “envoltório que reestrutura e redimensiona a imagem corporal” e “continente dos conteúdos físicos e emocionais, induzindo à consciência da tridimensionalidade dos diferentes tecidos pertencentes ao espaço interno” (SANTOS, 1997, p. 101).

A partir desse primeiro momento, o aluno é orientado a percorrer seu corpo, sentindo e percebendo cada parte dele tanto separadamente como incluída no todo corpóreo. Nessa etapa podem ser utilizados diversos toques para despertar a consciência de algumas regiões mais difíceis de serem percebidas. Em alguns momentos, pode ser pedido ao aluno que interrompa o processo anterior para procurar perceber a diferença de sensação entre as partes que já foram trabalhadas e as que não foram. Após esse pequeno “inventário” corporal, toda essa percepção é realizada com os alunos em diversas posições, observando as mudanças da musculatura na nova posição (SANTOS, 1997; VISHNIVETZ, 1995).

Todo esse procedimento visa à consciência do espaço corporal desde o externo até o interno. Aos poucos, o aluno vai sendo conduzido a perceber seus órgãos, músculos, tendões, ligamentos, ossos e articulações, sempre no que diz respeito tanto a sua forma, dimensão, largura, profundidade e espessura, como também nas suas relações dentro do nosso organismo.

Esse ato de auto-observação profunda leva a outro princípio da eutonia que é o de estar sempre atento a si mesmo. O “estar em ‘si mesmo’ cria uma ‘presença’, [princípio] importante para chegar-se à unidade psicossomática29, pois dela depende a eficácia do processo pedagógico-terapêutico” (SANTOS, 1997, p. 101).

Como resultado de todo esse processo, abre-se no indivíduo, através de suas percepções e sensações, uma nova consciência sobre si mesmo e sobre sua interação com o meio. O indivíduo passa então a ter um tato consciente, “que assegura a presença de um corpo interno e reativo contido pela pele” (SANTOS, 1997, p. 102); um contato consciente, que irradia além da pele e realiza um intercâmbio ativo com pessoas, objetos e com o meio ambiente, absorvendo a presença desse espaço sem perder a individualidade; um reflexo postural consciente, com uma boa regulação do tônus; e um movimento eutônico consciente, onde “todo o corpo se move e é sentido em sua unidade” (VISHNIVETZ, 1995, p. 81)

O movimento eutônico consciente é a compreensão e incorporação de todos os princípios da eutonia e tem por características um corpo alinhado e flexível, movimentando-se

29 Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o termo psicossomático é um adjetivo que indica aquilo “que pertence ao mesmo tempo ao orgânico e ao psíquico” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1572).

com leveza, comodidade, coordenação e agilidade; uma mente tranqüila e alerta, sempre atenta a cada uma das partes do corpo e em contato com o espaço a sua volta; e movimentos expressivos que refletem a capacidade criativa do indivíduo (SANTOS, 1997; VISHNIVETZ, 1995).

Segundo Gerda Alexander, “se um corpo está livre de falsas tensões e dos habituais movimentos errados, não há necessidade de acrescentar-lhe expressão. O próprio corpo expressa o que a pessoa é nesse momento” (GAINZA, 1997, p. 26). Nesse sentido e em relação à interpretação musical através de um instrumento ela afirma: “Quando não se sente a integridade corporal, não basta a emoção. As diferenças de tensão no fraseado devem ser vividas e expressas por meio do corpo” (GAINZA, 1997, p. 60).

Gerda Alexander começou seu trabalho com músicos logo no início de sua carreira como professora em 1929. Estudantes e profissionais procuravam-na para, através de seus ensinamentos, adquirirem melhoras em suas dificuldades técnicas e também em dores causadas por excesso de tensões em seu aprendizado. Até hoje, sua técnica é amplamente difundida no meio musical como forma de prevenção ou tratamento de tensões musculares.

Segundo Susana Kesselman, a eutonia pode ajudar os músicos a terem uma melhor disposição corporal para viver seu cotidiano, tanto favorecendo as posturas muitas vezes desconfortáveis exigidas por alguns instrumentos, como aliviando as tensões decorrentes de uma alta demanda de horas de trabalho. Além disso, proporciona recursos para que o músico melhore a qualidade de seu toque e o contato com seu instrumento, com o público e consigo mesmo, pois facilita a expressão e diminui as dificuldades técnicas pela crescente flexibilidade do tônus (GAINZA; KESSELMAN, 2003).

A Eutonia torna-se importante para este trabalho não apenas por ser, desde o seu início, aplicada em músicos, mas também pelo fato de que seus princípios foram compartilhados com Alexander Lowen, o criador da Bioenergética. Lowen conheceu Gerda Alexander por volta de 1964 quando esta foi convidada a dar conferências em várias universidades dos Estados Unidos. Estiveram em contato durante quatro anos e Lowen teve acesso tanto ao plano de trabalho de Gerda para o treinamento profissional em eutonia como também a vários de seus artigos. Segundo Gerda, Lowen “adotou nosso ‘contato’ e o chamou de ‘assentar os pés sobre a terra30’” (GAINZA, 1997, p. 112).

1.3. Abordagens corporais utilizadas no processo de ensino-aprendizagem