• Nenhum resultado encontrado

1.2. Abordagens corporais utilizadas no processo de ensino-aprendizagem da

1.2.2. Técnica de Alexander

Falemos da individualidade e do caráter de um homem – é como ele usa a si mesmo (ALEXANDER, 1993, p. 13)

Frederick Matthias Alexander nasceu em Wunyard, uma pequena cidade situada ao noroeste da Tasmânia, Austrália, em 1869. Apaixonado pelo teatro desde a mais tenra idade, com seis anos já havia começado a praticar a recitação, costume muito difundido na época. Aos dezenove, já gozava de certa reputação como ator e declamador shakespeariano. E foi exatamente nessa época que começou a apresentar problemas de voz em seus recitais. A rouquidão e a respiração ruidosa e ofegante atingiam cada vez mais a qualidade de sua performance.

Apesar do tratamento médico, os problemas continuavam. Sua voz melhorava nos dias que antecediam à apresentação, pois evitava seu uso a conselho dos médicos. Mas, mesmo que seu recital se iniciasse com sua voz funcionando clara e limpidamente, pouco antes da metade deste a rouquidão já se fazia sentir (ALEXANDER, 1993).

A situação foi se agravando e chegou a seu clímax quando, em 1888, em uma apresentação considerada por ele como de grande importância para sua carreira, Alexander perdeu a voz em pleno palco. Diante da impossibilidade da medicina explicar a causa de seus problemas, Alexander decide iniciar um processo de auto-observação em relação ao uso que fazia da própria voz e do próprio corpo no ato de sua performance. Alexander estava cada vez mais convencido que o problema tinha origem em algo que ele realizava no momento de sua declamação, já que não apresentava problemas na sua fala cotidiana.

Esse período de observação durou cerca de nove anos (MAISEL, 1993). Com a ajuda de espelhos, Alexander observava seu corpo tanto no ato da recitação como no da fala normal. Ao longo de suas observações, foi percebendo que, no momento da declamação, tinha a tendência de puxar a cabeça para trás e para baixo, comprimindo a laringe e sorvendo o ar pela boca de tal forma que um ruído ofegante era produzido. Nesse movimento, Alexander terminava por projetar seu tórax para cima o que, juntamente com a cabeça inclinada para trás e para baixo, fazia com que sua estatura ficasse reduzida e sua respiração comprometida.

Alexander (1993) percebeu também que, quando falava, realizava o mesmo padrão de movimento, só que de maneira menos acentuada. Convencido que descobrira a raiz de seu problema, Alexander entendeu que o próximo passo seria aprender a prevenir ou modificar o mau uso de seu corpo. E percebeu que, quando conseguia não inclinar a cabeça para trás, sua laringe não ficava comprimida e conseguia não ofegar.

Assim ele chega ao primeiro grande princípio de sua técnica: o movimento primordial16. Segundo Maisel (1993), na introdução do livro A ressurreição do corpo17 de Matthias Alexander, já em 1907, teria identificado que o pré-requisito para o bom movimento era

o maior alongamento possível da coluna em qualquer atividade que estejamos desempenhando. Foi esse alongamento vertebral durante a atividade que ele chamou “o movimento verdadeiro e primordial em todo e cada ato”. [...] O alongamento era mantido através de uma relação especial entre cabeça, pescoço e torso que ele conseguia sentir, e que aparentemente tinha três características principais [...]: (1) Deixe o pescoço livre [...]. (2) Deixe a cabeça ir para frente e para cima [...]. (3) Deixe o torso alongar-se e alargar-se (MAISEL, 1993, p. XXIX-XXX).

A partir da relação cabeça-pescoço-torso do movimento primordial, “Alexander descobriu que a interferência da posição livre da cabeça em relação à coluna vertebral

16 Ou Controle Primordial, como ele mesmo denominou esse movimento anos depois.

17 O livro citado é, na verdade, uma coletânea de textos de Alexander retirados, em sua grande maioria, dos quatro livros escritos por ele e reunidos por Edward Maisel.

acarretava uma interferência no uso geral do resto do corpo” (ABTA18, 1997, p. 214),

concluindo finalmente que

existe um equilíbrio funcional no uso de todas as partes do organismo e que, por isso, o uso de uma parte (ou partes) específica em qualquer atividade pode influenciar o uso das outras partes, e vice-versa. [...] Quando se percebe um defeito no uso de uma parte e tenta-se corrigi-lo modificando o uso dessa parte sem produzir ao mesmo tempo uma mudança correspondente no uso das outras partes, o equilíbrio funcional do todo é afetado (ALEXANDER, 1993, p. 35).

Assim, o uso que fazemos de nós mesmos, ou seja, a forma como usamos o nosso corpo nos nossos movimentos cotidianos, determinam o equilíbrio ou o desequilíbrio dessa relação entre todas as partes do nosso organismo. E esse desequilíbrio é facilmente estabelecido pelos hábitos errados que vamos adquirindo ao longo de nossa vida. Esses hábitos são “reações quase inconscientes que, repetidas de modo contínuo, vão empobrecendo nossos movimentos até torná-los insatisfatórios na resposta a um estímulo” (ABTA, 1997, p. 215).

Segundo Maisel, Alexander afirmava que

o processo civilizatório contaminou o equipamento biológico e sensorial do homem, afetando em conseqüência as reações de todo o organismo. Cada vez mais tensão e conflito substituem a coordenação. E, como os hábitos funcionam abaixo do nível consciente, qualquer melhora só pode ser obtida se dissermos “não” a todas atividades habituais, suplantando-as, ao nível fisiológico, com “o movimento verdadeiro e primordial em todo e cada ato” (MAISEL, 1993, p. XL).

Para Alexander, “a mudança implica executar uma atividade contra o hábito da vida” (ALEXANDER, 1993, p. 04) e essa atividade estaria baseada em três procedimentos básicos: auto-observação, inibição e direção. Como inibição ele entendia a restrição necessária a uma ação de caráter inconsciente ou instintivo que poderia se dar simplesmente através da “não ativação de mensagens que o cérebro envia para o corpo” (VIEIRA, 2008, p. 274). Assim, durante suas aulas, Alexander pedia a seus alunos que não ativassem suas tendências tentando realizar os movimentos pedidos e sim que permitissem que a sua orientação manual lhes desse uma nova experiência sensorial a atos comuns como sentar, ficar de pé, caminhar, ou movimentar qualquer parte do corpo, procedimento que permanece até hoje em qualquer sessão de aplicação dessa técnica.

O direcionamento seria, portanto, a orientação consciente e racional de como responder a um estímulo, colocando-o na direção do movimento primordial. Isso instauraria, ao longo do tempo, novas condições de uso do corpo. Em suma, seria enviar ou direcionar a energia do movimento para os canais certos em vez dos errados estabelecidos pelos maus hábitos anteriores.

Finalmente, a frase que escolhi para iniciar esse trecho sobre a Técnica de Alexander denota uma das grandes lições aprendidas por esse autor ao longo de seus anos de auto- observação e experimentação: de que o corpo e a mente são um todo inseparável. Segundo suas próprias palavras:

Devo admitir que, quando iniciei minha investigação, eu, assim como a maioria das pessoas, também concebia “corpo” e “mente” como partes separadas no mesmo organismo. Acreditava, portanto, que os males, dificuldades e deficiências do homem podiam ser classificados como “mentais” ou como “físicos” e tratados em termos especificamente “mentais” ou especificamente “físicos”. Minhas experiências práticas, contudo, levaram-me a abandonar esse ponto de vista, e o leitor de meus livros perceberá que minha técnica baseia-se na concepção oposta, qual seja a de que é impossível separar processos “mentais” de processos “físicos” em qualquer forma de atividade humana. [...] Todo treinamento, tenha ele uma finalidade educativa ou outra qualquer, isto é, quer tenha por finalidade a prevenção ou a eliminação de um defeito, desvio ou doença, deve basear-se na unidade indivisível do organismo humano (ALEXANDER, 1993, p. 171- 172, grifo do autor).

A Técnica de Alexander é atualmente aplicada em instituições de ensino da Europa e dos Estados Unidos, estando presente inclusive em suas grades curriculares, e em algumas no Brasil. Segundo Pederiva, em sua dissertação sobre a percepção de professores quanto ao papel do corpo no processo de ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, “a Técnica de Alexander e a Eutonia19 são as técnicas mais apontadas pelos professores como solução para o desenvolvimento da consciência corporal” nos músicos (PEDERIVA, 2005, p. 107).