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1.2. Abordagens corporais utilizadas no processo de ensino-aprendizagem da

1.2.3. Método Feldenkrais

Moshe Feldenkrais nasceu no ano de 1904 em Baranovitz, Rússia, e aos 14 anos emigrou sozinho para o condado britânico da Palestina. Foi nessa região que, aos 16 anos, teve contato pela primeira vez com as artes marciais, começando então os seus questionamentos acerca do desenvolvimento e refinamento do movimento. A partir de suas

observações acerca dos gestos espontâneos de ataque e defesa, elaborou um manual de defesa pessoal, no qual sugeria aperfeiçoar esses gestos em vez de realizar os exercícios em posturas predeterminadas de luta (OLIVEIRA, 1988). Esse manual lhe rendeu, anos depois, um convite para participar de uma série de conferências e demonstrações sobre judô, realizadas pelo criador dessa arte marcial, o professor Jigoro Kano. Moshe, que nessa época morava em Paris, se tornou aluno de Kano que, interessado em suas idéias, responsabilizou-o pela implantação do judô na Europa. Nessa mesma época, Moshe realizava seu doutorado em Física pela Sorbonne20, onde foi assistente de Joliot-Curie21 em pesquisas nucleares.

Após sofrer uma lesão no joelho em uma partida de futebol, Moshe recebeu dos médicos o diagnóstico de que teria sérias dificuldades para andar se não se submetesse a uma cirurgia, que também poderia não resolver o problema. Decidiu então aliar seus conhecimentos de física e de movimento a estudos de neurologia, anatomia e biologia e se recuperou através da criação de um método que partia da auto-observação para “aperfeiçoar a organização e o funcionamento de seus movimentos pela ativação da capacidade que o sistema nervoso tem de aprender” (YAKHNI, 1997, p. 129). O resultado desse trabalho foi apresentado à comunidade científica no ano de 1949, na Inglaterra, sob o título de Body and

Mature Behavior.

Para Feldenkrais, o corpo e a mente são partes indissociáveis de um todo, estando sentimento e padrão motor ligados em uma só função. Essa relação corpo-mente, de acordo com sua concepção, é melhor esclarecida através do conhecimento do fato de que “a anatomia do cérebro humano é afetada pela história individual com uma intensidade desconhecida em outros animais” (FELDENKRAIS, 1994, p. 74). O conhecimento de que os cérebros humanos não são idênticos e de que o sistema nervoso possui características que explicam não só as diferenças entre cada um de nós, como também o que nos difere dos outros animais, leva à conclusão de que é grande a capacidade desse sistema de aprender com a experiência individual e, portanto, com os sentimentos e emoções. Assim, segundo Yakhni, o trabalho de Feldenkrais está totalmente baseado “no desenvolvimento evolutivo do sistema nervoso e na capacidade inata que o sistema nervoso humano tem de aprender” (YAKHNI, 1997, p. 131). Segundo Feldenkrais,

20 Moshe graduou-se em engenharia mecânica e elétrica.

21 Jean Frédéric Joliot-Curie, físico que, juntamente com sua esposa, Irène Curie, filha de Pierre e Marie Curie, ganhou o Prêmio Nobel de Química em 1935 por pesquisas no campo da estrutura atômica e da radioatividade. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Joliot-Curie> Acesso em 12 jul. 2011

grande parte das dificuldades que enfrentamos para compreender a nós mesmos se deve ao fato de considerarmos a atividade funcional e o comportamento adultos qualidades humanas intrínsecas, esquecendo que a história do indivíduo é indissociável dele. Tendemos a acreditar que viemos ao mundo com um padrão ou conjunto preestabelecido de características, e que seríamos aquilo que somos mesmo que nossa história tivesse sido diferente. Inadvertidamente, não consideramos a vida como um processo, mas como uma série de estados estáticos. [...] No entanto, o sistema nervoso humano é tão afetado, durante o prolongado período da infância, pela experiência pessoal do ambiente, que a pessoa desenvolve reações biológicas e emocionais características e únicas para cada experiência pessoal (FELDENKRAIS, 1994, p. 74).

E esse aprendizado tem várias facetas. Para Feldenkrais, “nós agimos de acordo com a nossa auto-imagem” (FELDENKRAIS, 1977, p. 19), e esta é condicionada por três fatores: a hereditariedade, a educação e a auto-educação. Dos três, apenas a auto-educação, por ser a força da individualidade, estaria sob nosso controle. Assim mesmo, diante da massificação da educação que muitas vezes busca apenas moldar os indivíduos de forma a serem uniformemente bem ajustados socialmente, essa auto-educação terminaria por também ficar comprometida. Essa tendência à uniformização cria conflitos com as características individuais dos seres humanos que terminam por suprimir suas necessidades em favor de um ajustamento social. Assim, “estas condições levam a maior parte dos adultos hoje em dia a viver atrás de máscaras, a máscara da personalidade, que o indivíduo tenta apresentar aos outros e a si mesmo” (FELDENKRAIS, 1977, p. 23). Estão estabelecidos, então, uma série de distúrbios físicos e emocionais que só uma mudança na auto-imagem é capaz de ajudar a reverter.

Quando nossa auto-imagem ainda está sendo estabelecida, a flexibilidade é maior e as formas de ação se renovam a cada dia. Mas, ao longo do tempo, algumas ações vão tornando-se imutáveis e se fixam como hábitos, perdendo o caráter voluntário e tornando-se inconscientes. Segundo Feldenkrais (1977) toda ação é composta de pensamento, sentimento, sensação e movimento. O grau de contribuição de cada um deles em determinada ação é determinado pelo próprio tipo da ação, a pessoa que a pratica e do momento em que ela se deu. Mas, em alguma medida, os quatro componentes sempre estarão presentes. Assim, uma correção da imagem “seria uma abordagem mais rápida e mais eficiente do que a correção de ações particulares e erros no modo de se comportar” (FELDENKRAIS, 1977, p. 41).

Mas, “para haver uma reeducação, é necessário que a psique e o corpo mudem simultaneamente, que os quatro componentes da ação sejam influenciados” (YAKHNI, 1997,

p. 129). Além disso, também é necessário que o indivíduo esteja em estado de consciência22, desperto em relação a esses quatro componentes. Nesse estado, deverá estar ciente de suas sensações, não apenas em relação aos cinco sentidos, mas também ao sentido cinestésico23; de seus sentimentos em relação a si e aos outros; de seus pensamentos e também de seus movimentos tanto externos como internos (FELDENKRAIS, 1977).

De qualquer forma, pelo fato de esses componentes estarem intrinsecamente ligados, a atenção detalhada a qualquer um deles vai influenciar os outros e consequentemente à pessoa como um todo. Afinal, “não há modo prático de corrigir um indivíduo, exceto pela melhora gradual, alternando entre o todo e suas partes” (FELDENKRAIS, 1977, p. 51).

Segundo Feldenkrais, a sua escolha de enfocar o movimento como forma de melhorar o ser humano como um todo se baseou nas seguintes razões: o sistema nervoso ocupa-se principalmente com o movimento; nós temos mais clareza no entendimento do movimento do que no do pensamento ou sentimento; a habilidade do movimento é muito importante para a auto-imagem; os movimentos refletem o estado do sistema nervoso; o movimento é a base da consciência; a respiração é movimento; em todo comportamento está presente o padrão motor e uma mudança

na base motora, dentro de cada padrão simples de integração, quebrará a coesão do todo e, desse modo, o pensamento e o sentimento perdem sua sustentação nas rotinas estabelecidas. O hábito perdeu seu maior suporte – o dos músculos – e se tornou mais acessível à mudança (FELDENKRAIS, 1977, p. 60).

Para Feldenkrais, toda ação é realizada através da contração ou do relaxamento muscular. A tensão muscular excessiva ou a intensidade emocional não são compatíveis com uma boa postura:

a má postura pode sempre ser atribuída aos fatores que provocam a elevação do tônus emocional. Isso ocorre sempre que percebemos uma tensão corporal e não dispomos de meios para aliviá-la. A má postura é o equivalente físico externamente visível do conflito interior, ou contradição. [...] A má postura sempre expressa a tensão emocional que a causou. [...]

22 Termo aqui usado no sentido de “estado de vigília”, ou como coloca o Houaiss: “faculdade por meio da qual o ser humano se apercebe daquilo que se passa dentro dele ou em seu exterior”, “estado do sistema nervoso central que permite a identificação precisa, o pensamento claro e o comportamento organizado” ou “nível da vida mental do qual o indivíduo tem percepção (ao contrário dos processos inconscientes)” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 526).

23 Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o termo cinestésico se refere a cinestesia que é o “sentido da percepção de movimento, peso, resistência e posição do corpo, provocado por estímulos do próprio organismo” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 467).

Somente o processo de amadurecimento e a liberação da emoção associada a cada ação e situação farão uma diferença real no nosso modo de agir, sem modificar nenhum detalhe particular da configuração de nosso corpo (FELDENKRAIS, 1994, p. 66-69).

Mas, há um atraso entre o pensamento e sua tradução em ação. Nesse pequeno espaço de tempo, segundo Feldenkrais, podemos criar a imagem de uma ação diferente da qual estamos acostumados inibindo a anterior e facilitando a criação de uma nova postura. Para ele, “a possibilidade da pausa entre a criação do padrão de pensamento para qualquer ação particular e a execução da ação, é a base material para a consciência” (FELDENKRAIS, 1977, p. 67). Aí estaria, então, o nosso processo de autoconhecimento e de amadurecimento. Para Feldenkrais,

o adulto maduro, capaz de assumir a responsabilidade por sua própria vida, aprendeu a dissociar a emoção dos padrões estabelecidos sob a tensão da dependência e a fixar o impulso para agir naquilo que considera conveniente. Com o poder de tranferir o conteúdo emocional, ele adquiriu também o poder de controlar sua intensidade (FELDENKRAIS, 1994, p. 109).

Para o processo de reeducação do ser humano, Feldenkrais criou exercícios cujo objetivo é melhorar a habilidade, expandindo os limites daquilo que é possível. Para ele, é necessário “tornar possível o impossível, tornar fácil o que é difícil e tornar o fácil prazenteiro” (FELDENKRAIS, 1977, p. 81). Para isso, é necessário compreender o movimento e para compreendê-lo é necessário senti-lo e não forçá-lo. Assim, seus exercícios são bem simples e foram feitos para serem realizados com um mínimo de esforço no movimento. Para Feldenkrais, a sensibilidade é aumentada quando o esforço é diminuído. Esse seria o segredo para a sensibilidade e para o refinamento dos movimentos (FELDENKRAIS, 1988).

O trabalho feito em grupo é denominado Consciência pelo Movimento e o individual chama-se Integração Funcional. Ao longo de sua carreira, Moshe Feldenkrais trabalhou e conviveu com pessoas das mais diversas idades e áreas de atuação, tendo aplicado seus exercícios em crianças, idosos, deficientes físicos, profissionais e estudantes de dança e música, atletas, cientistas, pesquisadores, entre outros.

Para Freitas, o método de Feldenkrais “traz preciosas indicações que, se projetadas ao trabalho do músico, mostram que no centro do trabalho do instrumentista, está o elemento adequado ao desenvolvimento proprioceptivo24: os movimentos” (FREITAS, 2004, p. 83).