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1.3. Novos modelos de gestão hospitalar

1.3.2. Evolução da gestão hospitalar em Portugal

Nos últimos anos, o sector hospitalar português, e concretamente o sector público, tem sido «palco» de diversas e profundas transformações. Um melhor conhecimento da evolução dos sistemas e modelos de gestão hospitalar, enquadrando-se estes em estratégias do SNS, e dos factores que mais têm influído no seu desenvolvimento, permite explicar melhor o seu contexto actual. Segundo Arcanjo (2004), o sector público português tem sido “um palco organizacional central na política dos Governos da República” (p. 7), a reforma está na ordem do dia e é inevitável, fruto das questões do seu financiamento, cada vez mais insuficiente, da percepção pública adversa face à relação custo-eficácia dos serviços/cuidados prestados, e a um grau maior de exigência por parte dos utentes de um atendimento mais eficiente, foram cruciais. Estes factores influenciaram a tutela do MS a reflectir o desempenho das suas organizações prestadoras de cuidados, nomeadamente as hospitalares, levando a cabo reformas, denotando-se a constante procura de um modelo económico e organizacional para o bom funcionamento dos hospitais portugueses.

Para Frederico (2006), enquadrando-se “o Hospital no Sistema de Saúde, não se pode deixar de aludir ao facto de se tratar de um sistema complexo e adaptativo, fortemente influenciado pelo contexto político, cultural, económico e científico e tecnológico” (p. 49). Ressalta o facto de que, numa análise organizacional desse sistema, se deve atender também ao seu contexto histórico. O OPSS (2003) considera que “com frequência as

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propostas da reforma de saúde são formuladas sem qualquer análise do contexto económico, social, cultural e político. E, no entanto, sabe-se como este contexto tem sido de importância crítica no passado. Seguramente continuará a sê-lo no futuro” (p. 8), e que, durante o último quarto de século, Portugal sofreu diversas transformações, em ciclos de tempo especialmente curtos, os quais tiveram uma ponderação transcendente, tais como “democratização (1974), entrada na Comunidade Económica Europeia (1986) e integração na União Monetária Europeia (2000), num ambiente de rápida transição de paradigma tecnológico” (OPSS, 2001, p. 10).

Foi, pois, necessário pensar em reformas que pudessem criar sustentabilidade do sector público, sem contudo perder a sua componente social. Para Frederico (2006), já no princípio do século XX, aquando do período do Dr. Ricardo Jorge como inspector da Saúde Pública, surgiram novas exigências ao Estado, tendo em vista, melhorar as condições sanitárias, aliás, o que já tinha ocorrido em outros países, tais como, Alemanha e Reino Unido. Desta forma, era da responsabilidade do Estado, a “condução de políticas sociais que proporcionassem à população cuidados de saúde, apoio na doença, na incapacidade, no desemprego e na velhice” (p. 50). No período pós-guerra, houve grandes investimentos nesta área, fruto do desenvolvimento económico dos países europeus, permitindo melhorar a qualidade de vida das populações.

Em 1968, é publicado em Portugal o DL nº 48357, de 27 de Abril, igualmente conhecido por Estatuto Hospitalar, “onde se encontram equacionados e regulamentados alguns dos principais aspectos da vivência hospitalar, (…) pretende-se disciplinar o funcionamento dos hospitais oficiais e Misericórdias e regulamentar as carreiras do pessoal, médico, de enfermagem, de administração e de farmácia, de modo a conferir estabilidade profissional ao pessoal hospitalar” (Frederico, 2006, p. 50). Foram, desta forma, criados os pilares do planeamento da rede hospitalar a nível nacional e o primórdio da responsabilização dos serviços hospitalares pelos resultados. Simões (2004), considera que este diploma está na origem da estrutura inicial do hospital público português, assim como o DL nº 48358, de 27 de Abril de 1968 - Regulamento Geral dos Hospitais, e evidencia, de acordo com o mesmo, uma aproximação a uma matriz empresarial, mais especificamente, no seu artigo 35º do Estatuto Hospitalar. Todavia, não teve continuidade em normas executivas, nem em aspectos cruciais, como a gestão financeira e a gestão de recursos humanos.

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No início da década de 70, a saúde em Portugal apresentava indicadores sócio- económicos e de saúde demasiado desfavoráveis em relação ao contexto da Europa Ocidental, os serviços de saúde eram fragmentados e de natureza variada, entre os quais, grandes hospitais estatais, uma ampla rede de hospitais das Misericórdias, Serviços de Saúde Pública, Serviços Médico-Sociais, os Serviços Privados, e outros. Por sua vez, o financiamento dos serviços públicos de saúde era reduzido, a despesa com a saúde era de 2,8% do PIB, no início da década e, conjuntamente, as profissões da saúde tiveram de se adaptar às limitações económicas do sector e à debilidade financeira das instituições públicas. O país entra num período de grandes transformações quer internas, quer externas, contudo, um período particularmente desvantajoso ao seu desenvolvimento (OPSS, 2001, 2003).

Em 1971, foi proposta pelo Professor Gonçalves Ferreira, a reforma do sistema de prestação de cuidados de saúde, tendo sido legislada através dos DL n.º 413 e nº 414. Tratou-se de uma reforma dos serviços de saúde, e criou-se, desde então, um esboço do verdadeiro SNS (OPSS, 2002, 2003). Frederico (2006), chama a atenção para o facto de, pela primeira vez, se fazer alusão a um SNS e à responsabilidade do Estado na definição e condução da política de saúde. Nasceram, entretanto, as carreiras profissionais para o pessoal da saúde e consolidou-se um conceito unitário de política de saúde. Todavia, segundo a mesma autora, as “potencialidades da reforma de 1971, marco de referência importante para ancorar as tendências mais recentes do sistema de saúde português, em geral, e do subsistema hospitalar, em particular, só após o 25 de Abril foram desenvolvidas, levando nomeadamente à criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1979, pela Lei 56/79, de 15 de Setembro, também conhecida por Lei Arnault” (p. 52).

A primeira legislação, que conferia alguma estrutura de actuação às administrações regionais de saúde, foi publicada em 1977, assim, como os diplomas que desenvolviam a autonomia de gestão responsável dos hospitais. Contudo, segundo Frederico (2006), tratou-se “de medidas sectoriais, sendo que a reforma global dos serviços, com vista a adoptá-los ao objectivo político de criação de um Serviço Nacional de Saúde, só apareceu em 1979” (p. 52).

Segundo o OPSS (2001, 2002, 2003), a criação e implementação do SNS esteve associado à democratização do país e coincidiu, também, com o processo de

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descolonização que a seguiu, fazendo conjuntamente parte do processo de expansão do sistema de protecção social português que caracterizou o advento da democracia. O Sistema de Saúde Português, tal como tem sido construído desde o 25 de Abril de 1974, segundo Campos (2007a, 2007b), alicerça-se nos princípios do Modelo Social Europeu. Significou, a transição de um financiamento parcialmente contributivo (contribuições para a Previdência, a partir do exclusivamente do rendimento do trabalho, permitindo financiar o acesso aos cuidados médicos) para um financiamento baseado no orçamento geral do estado, correspondendo à transição de um “modelo Bismarck”2

para uma solução “tipo Beveridge”3

, similar ao que aconteceu nos finais da década de 1940, no Reino Unido.

Desta forma, as contribuições para a Providência foram conduzidas para a Segurança Social, traduzindo-se em “dinheiro novo” para a saúde, num período sobretudo adverso do ponto de vista económico-financeiro. Esta circunstância criou desde o seu início um relevante constrangimento no financiamento do SNS. Ao mesmo tempo, tornou-se possível uma estrutura de carreiras para as profissões da saúde, traduzindo-se esta numa ávida “agenda de integração” para os escassos recursos de gestão da época, pois tratava- se de fazer convergir a fragmentada rede de estruturas de prestação de cuidados num sistema coerente. Levou cerca de 10 anos a concretizar, mas não, totalmente. Contudo, esta realização foi possível mercê de um episódico aumento da formação de médicos em Portugal, permitindo, desta forma, assegurar o estabelecimento do “Serviço Médico à Periferia” e, seguidamente, a carreira de clínica geral e de medicina familiar. Permaneceram ou estabeleceram-se subsistemas de saúde, para além do SNS, como por exemplo, a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (ADSE).

As reformas da saúde têm como pressuposto a redução de custos e o controlo orçamental. Frederico (2006), considera que estas “focalizam-se efectivamente nas variáveis de eficiência microeconómica para gerar, ao menor custo, incentivos à qualidade da prestação e à satisfação dos utilizadores” (p. 54). Torna-se necessário

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Modelo implantado primeiro na Alemanha de Bismarck na segunda metade do século XIX, pretendia financiar o

acesso aos cuidados médicos “seguro doença”, de uma parte substancial do operariado industrial das cidades, em expansão, da revolução industrial. Tinha como pilar de financiamento da protecção social, as contribuições provenientes dos rendimentos do trabalho – seguro de trabalho (OPSS, 2003).

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Lord Beveridge introduziu o conceito da universalização, com cobertura também para aqueles que não pudessem contribuir em razão de desemprego, invalidez, velhice ou viuvez. Propôs que o financiamento dos serviços de saúde se fizesse a partir da totalidade da riqueza do país “orçamento geral do Estado”, passando a ser um dos pilares de um SNS. A seguridade social passou a ter dois segmentos: o retributivo, financiado pelas contribuições sobre os salários, e o assistencial, pelos impostos arrecadados pelo Estado (OPSS, 2003).

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promover um modelo de gestão integrador, introduzindo mecanismos de competição e de mercado no sistema prestador, e se dê um maior incremento do sector privado na prestação de cuidados de saúde, pois considera-se que uma das principais causas da ineficiência dos sistemas de saúde reside no excessivo peso que o Estado possui na prestação de cuidados de saúde, sendo que se advoga, igualmente, uma clara separação entre o «financiador» e o «prestador» (OPSS, 2002; Rego & Nunes, 2009). O modelo clássico de gestão hospitalar, na forma de Instituto Público Tradicional, manifestou-se inviável na prossecução dos seus objectivos delineados. Já o DL n.º19/88, de 21 de Janeiro, no seu artigo 7.º, salienta que os hospitais “devem organizar-se e ser administrados em termos de gestão empresarial”. Ribeiro (2004), considera que “persistia na prática um quadro de gestão pouco definido, incapaz de motivar os profissionais” (p. 66), traduzindo-se em pouca autonomia para os seus gestores. Com esta lei instituiram-se os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) como modelo de gestão e de desenvolvimento da actividade hospitalar (MS, 1999).

Na Europa, sucede-se um período onde predominam novas ideias da «reinvenção da governação», concedendo-se maior flexibilidade e inovação à Administração Pública, tornando-a mais empresarial, recentrando os serviços públicos no cidadão/cliente, passando de uma gestão de recursos para uma gestão de resultados.

Já em 1977, e por força do DL n.º 129/77, de 2 de Abril, Artigo 2.º, os hospitais são reconhecidos como “pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira” e com capacidade jurídica que abrange todos os direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins definidos na lei. Para Ribeiro (2004), na prática, a autonomia dos gestores era praticamente inexistente em diversos domínios. Campos (2002), realça o autocondicionamento das administrações hospitalares devido ao seu vínculo de legitimação agravado desde 1997. Assim, os hospitais, até 2002, assumiram um estatuto de Instituto Público e regiam-se pelo DL n.º19/88 de 21 de Janeiro e pelo Decreto Regulamentar n.º 3/88 de 22 de Janeiro, sem que se pudesse considerar que a progressão do hospital no plano da autonomia lhe tenha permitido superar os problemas com que o hospital público se confronta (Campos, 2000; Rego & Nunes, 2009; Reis & Falcão, 2003).

A nível político, os governos passaram a ser de legislatura. Observaram-se descontinuidades severas nas políticas de saúde, fruto, não só das mudanças de ciclos

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políticos, mas também de mudanças ministeriais dentro do mesmo governo, traduzindo- se numa maior dificuldade na implementação de reformas de saúde (OPSS, 2007a). Em 1990, é aprovada a Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto), que tem uma das suas peças regulamentadoras mais significativas – o Estatuto do SNS, somente aprovado decorridos três anos. Contudo, apesar das importantes contribuições para a arquitectura do SNS, teve pouco impacto sobre o funcionamento dos serviços de saúde portugueses e das disfunções que dele faziam parte.

Por decisão do Conselho de Ministros, e através da Resolução 13/96, foi criado o Conselho de Reflexão sobre a Saúde, tendo “por incumbência a apresentação de propostas de reforma do sistema de saúde” português, devido à necessidade sentida de aprofundar e dinamizar a reforma do mesmo (MS, 1996, p. 26). Perspectiva-se, pois, um novo modelo de hospital público, que deve respeitar um conjunto de valores e princípios que um hospital público deve sustentar, introduzindo estratégias de desburocratização e de maximização de recursos, tendo por base os princípios que orientam uma instituição pública (MS, 1999). A gestão de um hospital público é pautada por diversos factores condicionantes, distinguindo-a dos demais, dada a essência dos serviços prestados e dos prestadores dos mesmos.

Este período teve repercussões das crises económicas dos anos 70, tendo marcado o fim de um ciclo de notável crescimento económico e de expansão dos sistemas de protecção social na Europa. A viabilidade dos “regimes de bem-estar” é posta em causa, e é durante este período que países como a Grécia, Portugal e Espanha, entram na Comunidade Económica Europeia.

A partir de 2002, o governo empreendeu um vasto conjunto de reformas neste sector, tais como: o lançamento do Plano Nacional de Saúde, a criação do Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas, acessibilidade aos cuidados de saúde, a contratualização, parcerias público/privadas, a criação de 31 Hospitais SA (Sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos), reforma dos cuidados de saúde primários, política do medicamento, uma nova Entidade Reguladora (DL n.º 309/2003, de 10 de Dezembro), em suma, uma nova estratégia para a saúde. Assim, adoptou novos enquadramentos, normas legais e novas metodologias de gestão, tornando-se,

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imperativo a lógica de gestão, com natureza empresarial adaptada às especificidades do sector.