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Exigências de documentos habilitatórios: limites legais e razoabilidade

No documento licitacoes (páginas 109-112)

Etapa externa: o procedimento da licitação

2. Fases do procedimento na Lei n o 8.666/1993 (concorrência, tomada de preços e

2.1.1. Exigências de documentos habilitatórios: limites legais e razoabilidade

Em relação à qualificação técnica e econômica, os artigos 30 e 31 da LGL precei- tuam que a exigência de habilitação “limitar-se-á” à apresentação dos documen- 27 Disponível em: <http://www.comprasnet.gov.br/noticias/noticias1.asp?id_noticia=529>. Acesso em: 22

tos arrolados em seus incisos. Entende-se, assim, que a Administração, ao definir os requisitos de habilitação no edital, deve não só observar os limites legais, como também a razoabilidade das exigências, que, dentro da segurança de execução contratual pretendida, representem o menor cerceamento à competição. É o que se denomina, na doutrina de Justen Filho (2014, p. 542-545), de aplicação da teoria

da restrição mínima possível.

Deve-se identificar e utilizar o patamar mínimo que permite estabelecer a segu- rança da execução do objeto licitado. A finalidade é ampliar a possibilidade de competição, de forma a abarcar todos os interessados que, minimamente, estão aptos a contratar o objeto. Dessa forma, busca-se, dentro da margem de seguran- ça identificada, a proposta de preço mais vantajosa à Administração.

Ademais, nos termos da Súmula no 272 do TCU (BRASIL, 2012g): “No edital de lici-

tação, é vedada a inclusão de exigências de habilitação e de quesitos de pontuação técnica para cujo atendimento os licitantes tenham de incorrer em custos que não sejam necessários anteriormente à celebração do contrato”. Daí, já no momento da habilitação, serem vedadas exigências relativas à necessidade de a empresa contar com estabelecimento na localidade da execução do futuro contrato, determinada estrutura ou maquinário ou mesmo funcionários específicos, porquanto tais provi- dências demandariam custos para viabilizar a participação da licitante no certame. O TCU considera ilegais as exigências de documentação de habilitação não pre- vistas em lei, em especial, na Lei no 8.666/199328.

Quanto à qualificação técnica, o próprio inciso IV do art. 30 da LGL (BRASIL, 1993) prevê a possibilidade de comprovação pelos licitantes de outros requisitos técnicos, desde que “previstos em lei especial”.

Portanto, qualquer exigência para fins de habilitação deverá estar prevista em ato

normativo primário; desse modo, carecem de legalidade as exigências fundadas em atos normativos secundários (decretos, instruções normativas, resoluções, portarias

etc.).

2.1.1.1. Exigências editalícias fundadas em atos normativos de agências reguladoras

Algumas exigências, à primeira vista, calcadas em atos normativos de agências reguladoras (que não se enquadram na compreensão clássica de “atos normativos 28 Ver Acórdãos nos 1.336/2010, 1.339/2010, 2.581/2010, 3.156/2010, todos do Plenário, e 1.258/2010 da 2ª

primários”), veiculadas em licitações públicas, são reputadas como legais tanto pelo STF quanto pelo próprio TCU. Como exemplo, destacam-se: a regulamenta- ção da Anatel para a autorização de equipamentos e serviços que envolvam radio- frequência e telecomunicações; regulamentação da Anvisa acerca da necessidade de autorização e prévio licenciamento para a fabricação e comercialização de de- terminados medicamentos e produtos de saúde.

Por isso, é essencial verificar se a exigência se refere ao produto/equipamento ou à

própria licitante, como requisito de habilitação. Em se tratando de requisito de quali-

ficação técnica, o TCU tende a considerar que a exigência seria lícita se fundada em “lei especial”, conforme preceitua o inciso IV, do art. 30, da Lei no 8.666 (BRA-

SIL, 1993)29. Acerca da compreensão da expressão “lei especial”, consigna o TCU

que “deve ser entendida em sentido lato, englobando regulamentos executivos” (BRASIL, 2007g).

Com efeito, quanto à comercialização de produtos e serviços de segmento eco- nômico regulado pelo Estado – art. 174 da CRFB (BRASIL, 1988) –, a admissibi- lidade de tais exigências justifica-se em razão da posição jurídica da atuação das agências reguladoras na ordem econômica estabelecida pela CRFB. Em especial, o TCU entende pela legalidade de exigência instituída por agência reguladora quando a atuação técnica da autarquia encontra lastro em ato normativo pri- mário, geralmente a lei stricto sensu que cria a agência e estabelece suas com- petências. Nesse sentido, vale transcrever trecho do voto condutor do Acórdão no 1.514/2013 – Plenário, lavrado pelo ministro Aroldo Cedraz:

14. Dito isso, não se pode falar que a Resolução Antaq no 2.240/2011 inova pri-

mariamente no ordenamento, mas apenas disciplina o uso provisório, de caráter excepcional, por qualquer interessado, de instalações portuárias arrendadas ou concedidas. Trata-se, como diz Luís Roberto Barroso, de “um espaço de legítima discricionariedade” reservado às Agências Reguladoras. O poder normativo das agências reguladoras, de matriz diretamente constitucional, requer um espaço dis- cricionário deixado pelo legislador (reserva legal relativa) para permitir a flexibi- lidade inerente ao modelo de economia regulada (lembro, nossa Constituição não escolheu o modelo de economia planificada), mas regrado por princípios e diretri- zes constantes na Lei dos Portos (Standards) (a respeito vide Luís Roberto Barroso,

29 “É ilegal a exigência do Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle (CBPF) como requisito

de habilitação técnica em procedimentos licitatórios para compra de insumos empregados nos serviços públicos de saúde, pois: a) inexiste previsão específica em lei para tal exigência, afrontando o art. 30, inciso IV, da Lei 8.666/1993, cuja interpretação deve ser restritiva; b) o CBPF não garante o cumprimento das obrigações assumidas pelo particular perante o Poder Público; e c) constitui exigência excessiva, uma vez que o efetivo registro de medicamentos pressupõe a adoção prévia, pelo fabricante, das boas práticas de fabricação” (BRASIL, 2016d).

“Agências Reguladoras. Constituição, Transformações do Estado e Legitimidade Democrática”, in Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Adminis-

trativo. Renovar, 2003, p. 174-188).

14.1. Tais espaços legais propositadamente pouco densificados estão conforme a opção constitucional e legal pela regulação por conduto de agências autônomas, ou seja, a troca das opções políticas pelas decisões técnicas. Com isso, a reserva absoluta de lei não convive com os fundamentos legitimadores das agências regu- ladoras. Tal competência dispositiva inerente à ideia das agências (poderes implí- citos ou imanentes), ou mesmo deixada explicitamente no texto da Lei 12.8125/2013 especificamente para a Antaq, é plenamente aceita no direito comparado, tal como nos contam Jorge Miranda e Vital Moreira (apud Luis Cabral de Moncada. Lei e

Regulamento, Coimbra, p. 1.088).

15. Ademais, tecnicamente, a Antaq não editou lei em sentido estrito. Trata-se, em verdade, da chamada regulação geral-concreta, pois determinada por um círculo de destinatários preciso (os portos organizados) e objeto determinado (finalidades coordenadas pelos interesses público e econômico) (BRASIL, 2013e).

Portanto, na visão do TCU, em tais casos, não haveria inovação primária na or- dem jurídica, mas sim uma regulamentação de ordem técnica já previamente per- mitida e consentida pelo legislador.

No documento licitacoes (páginas 109-112)